Da discreta mesa, para um ou dois, na tasca aos funcionários públicos passando pela azia de Napoleão.
Ora conta-se, e sei lá se é lenda ou verdade mas também não interessa muito para as consequências, que um soldado ao serviço de Elizabeth I de Inglaterra desobedeceu a um capitão, evitando assim a tragédia de muitos gritos de fogo a bordo e de homem ao mar.
Também se conta que a partir daí, a Rainha e os que se lhe seguiram, não só em Inglaterra, fizeram mais norma que lei dessa prática
(como se sabe os ingleses são um bocado avessos a leis escritas porque os costumes andam mais depressa que elas e os legisladores são pródigos em palavras luxuosas que ninguém entende e podem dar origem a intermináveis confusões pagas, muitas vezes, pelos contribuintes juridicamente iletrados)
de tolerar e premiar desobediências desde que tal coisa resulte em favor do Rei.
Entenda-se que, aqui, Rei significa povo, História, País e etc. sendo esse o motivo de, em cerimónias ou comunicados ao país, as majestades dizerem we e não i. Por exemplo.
Claro que este we não tem nada a ver com a mania de certo Presidente da República estar à frente das cãmaras e se referir a si próprio na terceira pessoa, coisa tão ridícula como ser eu a escrever aqui e dizer que a Lizzie acha tudo um bocado pimba, digno de arraial de Verão com muito branco e dourado no vestuário, melodramatismo na canção, tom de Ré e semente de acordo ortográfico.
E de facto, se me é permitida uma nota autobiográfica, o sentimento que se tem ao cumprimentar presidentes da República como Mário Soares, Cavaco Silva, Lula também da Silva e outros, nada tem que ver com a vénia protocolar a Elizabeth II. Se nuns lhes sopra um vento transitório marcado pelas conjunturas estratégicas, nesta, admire-se ou não, sente-se um concentrado de História, uma dignity com a solidez do respeito que o we impõe: to serve and not be served.
Mais tarde, não sei quando, esta prática estendeu-se aos funcionários civis: ninguém pode ser despedido ou penalizado por, e é mais um exemplo,recusar destruir documentos que possam revelar a verdade acerca de actos que ponham em causa a ética, o interesse, logo o bem-estar público.
Eu própria, no ano passado, não fui despedida com raiva descontrolada da superior hierárquica, quando me recusei a apresentar relatórios sobre questões da vida privada de terceiros de que, por acaso e confiança, tenho conhecimento. Nem sequer trabalho em jornalismo. E mesmo que trabalhasse.
Tudo isto surgiu quando se achou que quase, senão sempre, as pessoas (desde o capataz aos primeiros ministros e arredores) quando sentadas no patamar do poder, perdem a noção da realidade e dos limites.
Diz-se que Napoleão, ao ver corpos trucidados, uns mortos outros a chamar pela morte paliativa, virou as costas e disse, com desplante e à vontade, que tudo se resolvia com uma noite de amor em Paris e que a função dos políticos é oferecer futuros e vender esperanças passando por cima das amarguras do presente. De Beethoven e outros artistas teve a resposta merecida. A seu devido tempo.
Onassis, uma espécie de Berlusconi dos barcos, mostrava-se convencido que, com o seu poder, poderia comprar não só a cama mas a paixão e o amor eterno de qualquer mulher ao cimo da terra.
Ou o Presidente da Junta de Freguesia da minha morada portuguesa que, por achar que as portas de um convento trabalhadas "com risquinhas" desde o séc. XVI, dão muito trabalho a limpar, tomando a iniciativa de as mandar "alisar" com cimento.
Não tivesse a funcionária, à beira da reforma, telefonado a tempo para quem de direito e as paredes do referido convento já estariam de cor de rosa, que é cor que se usa muito e o Presidente é um homem moderno que despreza a cal, coisa de país atrasado no mundo.
Honra seja feita a um político reformado espanhol, ex funcionário do FMI, que, na televisão, admitiu que a teoria lhe cegou a prática.
Tudo isto se prende com a ideia de alguns que mais importante que revoluções, que substituem um poder por outro caindo, às vezes, em regimes de privilégios cuja estrutura negavam, é controlar o poder em
exercício.
A importãncia disto na História da Dança foi e é enorme. Quase uma metáfora.
E mede-se por contrastes: os funcionários reais ingleses, dentro dos palácios, tinham possibilidade de tomar as refeições em mesas isoladas (tal hábito passou para as tabernas no exterior, claro) enquanto que noutras cortes, como a francesa, eram obrigados às mesas corridas. Como se de corpo único se tratasse. O gregarismo forçado com que brincava Bertrand Russell. O "vestir a camisola" dos tempos actuais.
(Napoleão gostava das mesas corridas separadas por paredes para as diferentes hierarquias.)
Esta falta de individualidade e da consequente possibilidade de controlo por parte de cada um foi muito cara às ditaduras e não sei se parou aí ou se continua, de uma outra forma, telejornais fora.
Ele existem muitas formas de pôr toda a gente alinhada, a marcar passo certo , sem que ninguém tropece. Não se excluem umas às outras. Alia-se o teatro ao medo.
Vou tentar resumir e só com dois ou três exemplos saídos de crises sociais.
Rebanho sem norte dedica-se a um pastor que saiba o caminho.
Uma delas é a criação do mito. Napoleão foi percursor do marketing eleitoral moderno: ou EU ou a desgraça aqui e no mundo inteiro.
Hitler foi o que se viu. Os funcionários foram despersonalizados e mobilizados para terem consciência da sua raça, da superioridade do seu país guiado pelo seu Fürer. Obedecer seria construir o futuro, vencer a humilhação da sova na Primeira Guerra Mundial.
Alguns coreógrafos alemães ao serviço do Estado, acentuaram o poder e a beleza suprema do corpo ariano, atlético no movimento. Mais músculo que Arte. Alguns.
A moralidade ficou-se por uma parte da Dança, o Ballet Clássico e dentro desde resumiu-se à Escola Russa, adoptada mais tarde também por Cuba. Em gíria, pelos imorais seguidores das outras escolas pelo mundo fora, tal estética ficou conhecida pelo "machismo-leninismo".
Isadora Duncan, feroz apoiante de Lenine, logo percebeu no terreno que tinha a moralidade desfeita. Ficará o postal ilustrado Bolshoi, e o seu reverso, para uma próxima oportunidade.
É um problema mas, tanto num caso como no outro e ainda em outros não falados, a dança e todas as demais Artes podem ter um papel subversivo como já disse no anterior. Alguma coisa se salve. Há sempre bailarinos com corpos que pensam.
Depois há a encenação teatral. A dramaturgia do poder.
Mais importante é o poder que se exibe do que o que se tem. Os grandes desfiles com banda sonora à base de sopros viris e tímbales. Tudo muito agregador de massas orgulhosas no fausto. Tudo desenhado pelos "técnicos" de Luis XIV. Até hoje.
Hugo Chávez, por exemplo, foi buscar um estilo criado por Savoranola, uma perversão dos rituais da Igreja, também ela rica em técnicas.
E finalmente a subtil e aterradora estratégia vigente, com origem na antiga China ( Biblía da gestão contemporânea), ainda Cristo não era sequer projecto: a arbitrariedade da lotaria quanto ao funcionário a despedir, o crime e o castigo, a recompensa. Tudo formas que levaram ao susto e à denúncia Eleonor Roosevelt e Elizabeth II que nesta coisa, discreta mas eficazmente, travou Thatcher e Blair.
Diz-se que existem funcionários a mais. Ninguém sabe quem vai ser dispensado. Os funcionários sentem-se inseguros. Obedecem de forma cega para salvar a pele. Prometem-se prémios aos mais obedientes. Cria-se a desconfiança entre eles. A competição. A intriga. Os "chefes" distantes fecham-se em gabinetes mas aparecem quando menos se espera. Aproveita-se e pioram-se as condições. Saem alguns. Aos que ficam, dá-se uma pequena recompensa, quanto mais não seja a de terem trabalho. Cada vez obedecem mais. Cada vez mais os que os dirigem têm o poder absoluto na mão. E em escada até não se perceber muito bem quem está no topo. Lá diziam os chineses que o poder quanto menos se conhece mais aterroriza.
Porque as pessoas vão sendo assim . Vão abastecer os carros e até reparam agradados que o gasóleo desceu um cêntimo nessa semana apesar de ter subido quatro na anterior. Como a mulher até fica agradecida porque há três dias que o marido anda bem disposto e não lhe bate.
O soldado talvez saiba qual é o melhor momento para dar fogo aos canhões mas já afogado pelos rombos a estibordo e a bombordo, à proa e à ré, no meio dos peixes, agradece não ter morrido de escorbuto. Como os outros que já são plâncton.
Por exemplo.
2 comentários:
Já estou na dança louca e prazenteira de "ir". Mas li e sabi (??? se não está certo assim a mim parece-me bem dizido, sabi). Se eu vir um S. Sebastião andrógino e belo, recolho-o para nós (também gosto deles, sebastiões e miguéis, uns de setas no corpo, outros de lanças nos diabos)
Bjs e (an)danças, Lizzie
E porque coños, isto já é da geografia, é que sabi não há-de ser correcto?:))
Troquemos então S. Sebastiões, cravados por Deus ou pelo Diabo que, às vezes, nem se percebe bem qual é a diferença da divindade.
Não interessa desde que sejam belos. A Beleza evade e descansa.
Alivia a dor das setas. Assim um Tadzio simbólico da Morte em Veneza.
Quero um de gestos e movimentos bonitos. Que dance sentado uma música de anjos composta directamente num sítio que não conheça por um compositor que não imagino.
Também podem vir o Visconti e o Thomas Mann para nos sentarmos com eles e ter conversas à beira do chá.
Se ficarem muito sérios, trazemos...sei lá... a Gertrude Stein, sebastiona alvoroçada de partir loiças e bibelots. Por acaso mais sebastiona era a Alice Toklas. Não interessa.
Haja alguém que abra uma janela para fora destes tempos tristes. que viva sem estratégias para existir. Haja alguém que rasgue o céu postiço. Que sopre para dentro do vulcão. Qualquer coisa assim.
Aqui está fresco e a chover. Choveu todo o dia. Já bebi um cacao mago e sem açucar, já comprei um caderno lindo de capa preta, dura que, como todos, me faz medo.
Um caderno gozão à espera é uma coisa terrível. Capaz de mandar setas. Ele que tenha paciência que tenho a pele frágil e o sono solto...
Bons "ires" e " vires". Bons tudos. Ou quase tudos, menos os nadas.
Bjs
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