quinta-feira, 17 de maio de 2012


Vai este, Meus Senhores,  cheio de palavras travadas pelo movimento que me tem prendido às estradas. Pelo chão, pelo ar. Por aí.



 Como uma espécie em vias de extinção: caixeira viajante de ilusões num Tempo talentoso na arte de bem mendigar esquecimentos, saudades,


cansado da venda a retalho dos medos. Em saldo, perto, pertíssimo, encostado ao fim do prazo de validade.



Perdido. Sem Deus nem Diabo (substituídos por candidatos a duplos instantãneos e transitórios em pose para o melhor retrato a figurar no álbum da eternidade e da omnisciência)


 e em que o Amor e o Fascínio parecem emprestados a uma simples questão de hábito. Ou obrigação.


E depois, credo,parece que a  surpresa e a Arte, casada com o Deslumbre, se portam como cicerones da morte.

 Tantos em tão poucos meses. Espalhados pela música,


pelos pincéis, pelas letras, pelas cãmaras, pelos corpos




ou simplesmente pela intenção sem voz de distribuir o outro lado das coisas, ou o periférico, como são os sonhos. A visão que ajuda os sentidos a sentir, transpirando-os. Dói perder quem transpira de uma forma asseada. Limpida.


Fiquem, pois, à vossa vontade nestes dias. De vez enquando, virei arejar a casa,



 mudar os quadros consoante o que me apetecer falar-vos por palavras embrulhadas em imagens.


Talvez tenha até tempo para me sentar um bocado e falar convosco.




A porta fica encostada, as janelas abertas...



o fresco e as cores do Outono, pelo menos para mim, imaginar-se-ão...se possível.




Até amanhã.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Bernardo Sassetti
1970-2012



...dizia-te eu não há muito tempo, há tão pouco tempo, pouquíssimo na escala da tua imensa curta vida, que aquela tua peça em que o piano te obedecia como se fosse a tradução da tua alma, me fazia lembrar gotas de chuva a cairem das nuvens para o mar sem passarem pelo chão bruto da terra.
E mostrei-te, como apanharia essas gotas com o movimento dos meus dedos, com a dança das minhas mãos, num corpo concentrado e estático. Depois lento, numa valsa adormecida, a acordar para um olhar perdido ou de quem procura. 
O clarinete ficaria para ela, corpo mais suave e cómodo como o de uma mãe, uma espécie de sustentação, de amparo. O contrabaixo...teria que lhe arranjar um corpo sólido, de traços sensatos como um juíz dos sons.

Hoje apetece-me deixar as gotas de chuva tocar o mar. Fundirem-se nele como um destino sem regresso.

Hoje, vou tocar com os dedos nos silêncios. Nas gotas de ar que ficam suspensas e invisíveis. 
Assim.




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Prosa acerca de um cubo vagamente moralista com tendência estética para a sociologia filosófica, ou de como duas pessoas não vêem nunca a mesma coisa da mesma maneira, credo… que raio de título este que nunca mais acaba…





Dizia eu, lá para baixo, em resposta a simpático comentário, que um dia me tinha sido apresentada uma figura geométrica que não sei a que ramo do saber, se geometria, matemática, neurologia, ou a nenhuma, pertence.

Sabe-se apenas que a sua biografia extravasou, com certeza, qualquer progenitura original, ou seja, um senhor chamado Necker que, francamente, nunca me dei ao trabalho de saber quem foi nem o que fazia para ter tal alembradura.

Foi assim que quando me apresentaram as linhas eu disse que era apenas um cubo e depois me disseram que não e eu que olhasse uns segundos para ele e só para ele a ver o que acontecia e foi o que fiz e peço, a quem não o conheça, que faça agora...

A perspectiva muda e entra-se no maior comprimido contra a Realidade que se chama Ilusão,


 coisa que a humanidade sempre perseguiu contra os males do mundo, contra a evidencia da queda de qualquer crença, para além de forçar o que não existe no espaço ou mostrar ao mesmo tempo as várias faces das coisas como se os olhos fossem giratórios em trezentos e sessenta graus, sabendo-se, como se sabe, que é grande a tendência humana para só olhar em frente.

E para o desejo de conquistar, ou sonhar, o francamente impossível.
(No primeiro caso, por exemplo, os renascentistas, a começar por Brunelleschi…, talvez o primeiro dos cenógrafos da ilusão, gastaram o cérebro a fazer contas com linhas para prolongar para fora ou para dentro o que estava, na realidade, muito plano.
Foi ambição que nunca mais passou


 até hoje, do cinema 3d às outras tecnologias viradas mais às emoções fortes que à contemplação.

No segundo, os cubistas tomaram-se de obsessões pelo cubo de Necker e foi o que se viu na representação esquinada das formas.


Na dança existiram algumas tentativas mas, convenhamos, não é muito artístico nem prático partir braços e pernas e ir nessa triste figura, quase invertebrada, para o palco.

Na literatura pois, Gertrude Stein quando escrevia mais com arestas do que com curvas.)


Mas o cubo também se tornou uma entidade moral e filosófica, como sempre tinha sido mesmo antes de ter sido inventado:

é preciso olhar e ver, ou ver e olhar, pensar e perguntar mesmo sem pergunta e resposta imediatas, tudo o que existe tal como se apresenta tal e qual ao primeiro instante.


Ou seja, apoia máximas como nem tudo o que parece é, não julgues os outros sem olhar para ti


e outras que tais, algumas rejeitadas pelo pós modernismo, considerado o coveiro dos valores do bom respeito de cada um para com os demais e dos demais para com cada um.



Mas o cubo anda por todo o lado, até num livro de análise sobre música de um autor soviético que li há pouco e noutro nazi sobre estética, ambos de inícios dos anos 40 e em que se defende, em prosa labiríntica, que o desgraçado do de Necker tira clareza ao único olhar legítimo e patriótico do Povo, puro nas tradições e conceitos:



 a felicidade da visão única sob orientação paternal de quem protege dos maus caminhos.


À tal orientação para a planura, há quem chame propaganda, vírus que, entretanto correu todos os mundos mesmo quando dizem admitir todos os relevos.




A modos que se matem as prostitutas para que os clientes não sejam tentados.

 A modos que se fechem supermercados para que os clientes não caiam na indignidade (acho eu que é uma suprema indignidade para além de outras várias coisas como humilhação) de rastejar frente às promoções.



Calhou, por isso, numa noite chuvosa de Maio e em presença das várias visões das várias faces do cubo das várias pessoas que estavam comigo, pensar que ia escrever um post sobre o dito de Necker.

Felizmente não vi nenhuma forma reduzida a duas dimensões.

Infelizmente, em todas vi a natureza que ainda nenhuma História conseguiu apagar.



E a tristeza que ninguém conseguiu vencer.

Nem com o olhar mais atento e menos iludido.