sábado, 31 de agosto de 2013


Da discreta mesa, para um ou dois, na tasca aos funcionários públicos passando pela azia de Napoleão.



Desde o micro ondas ao botox, da televisão aos motores multiject, muita coisa teve origem nas guerras e daí passou para a vida  dos civis, mais interessados em simplificar e contornar obstáculos, que nas artimanhas  bélicas inventadas em segredo e às escuras.

Ora conta-se, e sei lá se é lenda ou verdade mas também não interessa muito para as consequências, que um soldado ao serviço de Elizabeth I de Inglaterra desobedeceu a um capitão, evitando assim a tragédia de muitos gritos de fogo a bordo e de homem ao mar.



Também se conta que a partir daí, a Rainha e os que se lhe seguiram, não só em Inglaterra, fizeram mais norma que lei dessa prática

 (como se sabe os ingleses são um bocado avessos a leis escritas porque os costumes andam mais depressa que elas e os legisladores são pródigos em palavras luxuosas que ninguém entende e podem dar origem a intermináveis confusões pagas, muitas vezes, pelos contribuintes juridicamente iletrados)

de tolerar e premiar desobediências desde que tal coisa resulte em favor do Rei.

Entenda-se que, aqui, Rei significa povo, História, País e etc. sendo esse o motivo de, em cerimónias ou comunicados ao país, as majestades dizerem we e não i. Por exemplo.

Claro que este we não tem nada a ver com a mania de certo Presidente da República estar à frente das cãmaras e se referir a si próprio na terceira pessoa, coisa tão ridícula como ser eu a escrever aqui  e dizer que a Lizzie acha tudo um bocado pimba, digno de arraial de Verão com muito branco e dourado no vestuário,  melodramatismo na canção, tom de Ré e semente de acordo ortográfico.


E de facto, se me é permitida uma nota autobiográfica, o sentimento que se tem ao cumprimentar presidentes da República como Mário Soares, Cavaco Silva, Lula também da Silva e outros, nada tem que ver com a vénia protocolar a Elizabeth II. Se nuns lhes sopra um vento transitório marcado pelas conjunturas estratégicas, nesta, admire-se ou não, sente-se um concentrado de História, uma dignity com a solidez do respeito que o we impõe: to serve and not be served.


Mais tarde, não sei quando, esta prática estendeu-se aos funcionários civis: ninguém pode ser despedido ou penalizado por, e é mais um exemplo,recusar destruir documentos que possam revelar a verdade acerca de actos que ponham em causa a ética, o interesse, logo o bem-estar público.

Eu própria, no ano passado, não fui despedida com raiva descontrolada  da superior hierárquica, quando me recusei a apresentar relatórios sobre questões da vida privada de terceiros de que, por acaso e confiança, tenho conhecimento. Nem sequer trabalho em jornalismo. E mesmo que trabalhasse.

Tudo isto surgiu quando se achou que quase, senão sempre, as pessoas (desde o capataz aos primeiros ministros e arredores) quando sentadas no patamar do poder, perdem a noção da realidade e dos limites.


 Diz-se que Napoleão, ao ver corpos trucidados, uns mortos outros a chamar pela morte paliativa, virou as costas e disse, com desplante e à vontade, que tudo se resolvia com uma noite de amor em Paris e que a função dos políticos é oferecer futuros e vender esperanças passando por cima das amarguras do presente. De Beethoven e outros artistas teve a resposta merecida. A seu devido tempo.

Onassis, uma espécie de Berlusconi dos barcos, mostrava-se convencido que, com o seu poder, poderia comprar não só a cama mas a paixão e o amor eterno de qualquer mulher ao cimo da terra.

Ou o Presidente da Junta de Freguesia da minha morada portuguesa que, por achar que as portas de um convento trabalhadas "com risquinhas" desde o séc. XVI, dão muito trabalho a limpar, tomando a iniciativa de as mandar "alisar" com cimento.


 Não tivesse a funcionária, à beira da reforma, telefonado a tempo para quem de direito e as paredes do referido convento já estariam de cor de rosa, que é cor que se usa muito e o Presidente é um homem moderno que despreza a cal, coisa de país atrasado no mundo.


Honra seja feita a um político reformado espanhol, ex funcionário do FMI, que, na televisão, admitiu que a teoria lhe cegou a prática.

Tudo isto se prende com a ideia de alguns  que mais importante que revoluções, que substituem um poder por outro caindo, às vezes, em regimes de privilégios cuja estrutura negavam, é controlar o poder em



exercício.



E para controlar o poder em exercício é preciso que cada funcionário seja autónomo no sentido da sua individualidade, ou seja, que não fique sem voz nem pensamento face a uma estrutura, que não faça parte de uma massa compacta e indiferenciada, obediente ao poder, que não possa ser despedido por motivos ,ideológicos, políticos ou éticos, seja lá qual fôr o palavreado maquilhador escolhido para o acto.

A importãncia disto na História da Dança foi e é enorme. Quase uma metáfora.


E mede-se por contrastes: os funcionários reais ingleses, dentro dos palácios, tinham possibilidade de tomar as refeições em mesas isoladas (tal hábito passou para as tabernas no exterior, claro) enquanto que noutras cortes, como a francesa, eram obrigados às mesas corridas. Como se de corpo único se tratasse. O gregarismo forçado com que brincava Bertrand Russell. O "vestir a camisola" dos tempos actuais.


(Napoleão gostava das mesas corridas separadas por paredes para as diferentes hierarquias.)

Esta falta de individualidade e da consequente possibilidade de controlo por parte de cada um foi muito cara às ditaduras e não sei se parou aí ou se continua, de uma outra forma, telejornais fora.

Ele existem muitas formas de pôr toda a gente alinhada, a marcar passo certo , sem que ninguém tropece. Não se excluem umas às outras. Alia-se o teatro ao medo.


Vou tentar resumir e só com dois ou três exemplos saídos de crises sociais.

 Rebanho sem norte dedica-se a um pastor que saiba o caminho.

Uma delas é a criação do mito. Napoleão foi percursor do marketing eleitoral moderno: ou EU ou a desgraça aqui e no mundo inteiro.


Hitler foi o que se viu. Os funcionários foram despersonalizados e mobilizados para terem consciência da sua raça, da superioridade do seu país guiado pelo seu Fürer. Obedecer seria construir o futuro, vencer a humilhação da sova na Primeira Guerra Mundial.

Alguns coreógrafos alemães ao serviço do Estado, acentuaram o poder e a beleza suprema do corpo ariano, atlético no movimento. Mais músculo que Arte. Alguns.


Quanto à parte soviética, decorei uma frase de Lenine inscrita a despropósito num programa do Bolchoi e a encabeçar um texto de mais propaganda que rigor: "Chamo acção moral a toda a acção útil ao partido e imoral a toda a acção que lhe é nociva".

A moralidade ficou-se por uma parte da Dança, o Ballet Clássico e dentro desde resumiu-se à Escola Russa, adoptada mais tarde também por Cuba. Em gíria, pelos imorais seguidores das outras escolas pelo mundo fora, tal estética ficou conhecida pelo "machismo-leninismo".



Isadora Duncan, feroz apoiante de Lenine,  logo percebeu no terreno que tinha a moralidade desfeita. Ficará o postal ilustrado Bolshoi, e o seu reverso, para uma próxima oportunidade.

É um problema mas, tanto num caso como no outro e ainda em outros não falados, a dança e todas as demais Artes podem ter um papel subversivo como já disse no anterior. Alguma coisa se salve. Há sempre bailarinos com corpos que pensam.


Depois há a encenação teatral. A dramaturgia do poder.
 Mais importante é o poder que se exibe do que o que se tem. Os grandes desfiles com banda sonora à base de sopros viris e tímbales. Tudo muito agregador de massas orgulhosas no fausto. Tudo desenhado pelos "técnicos" de Luis XIV. Até hoje.



Hugo Chávez, por exemplo, foi buscar um estilo criado por Savoranola, uma perversão dos rituais da Igreja, também ela rica em técnicas.

E finalmente a subtil e aterradora estratégia vigente, com origem na antiga China ( Biblía da gestão contemporânea), ainda Cristo não era  sequer projecto: a arbitrariedade da lotaria quanto ao funcionário a despedir, o crime e o castigo, a recompensa. Tudo formas que levaram ao susto e à denúncia Eleonor Roosevelt e Elizabeth II que nesta coisa, discreta mas eficazmente, travou Thatcher e Blair.


Diz-se que existem funcionários a mais. Ninguém sabe quem vai ser dispensado. Os funcionários sentem-se inseguros. Obedecem de forma cega para salvar a pele. Prometem-se prémios aos mais obedientes. Cria-se a desconfiança entre eles. A competição. A intriga. Os "chefes" distantes fecham-se em gabinetes mas aparecem quando menos se espera. Aproveita-se e pioram-se as condições. Saem alguns. Aos que ficam, dá-se uma pequena recompensa, quanto mais não seja a de terem trabalho. Cada vez obedecem mais. Cada vez mais os que os dirigem têm o poder absoluto na mão. E em escada até não se perceber muito bem quem está no topo. Lá diziam os chineses que o poder quanto menos se conhece mais aterroriza.


Porque as pessoas vão sendo assim . Vão abastecer os carros e até reparam agradados que o gasóleo desceu um cêntimo nessa semana apesar de ter subido quatro na anterior. Como a mulher até fica agradecida porque há três dias que o marido anda bem disposto e não lhe bate.


O soldado talvez saiba qual é o melhor momento para dar fogo aos canhões mas já afogado pelos rombos a estibordo e a bombordo, à proa e à ré, no meio dos peixes, agradece não ter morrido de escorbuto. Como os outros que já são plâncton.

 Por exemplo.


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Prefácio
à laia de esclarecimentos e respostas ao post  imediatamente abaixo em geral menos a quem chamou filha de uma meretriz (isto é para traduzir palavrões que não ficam elegantes  em perfácios) à Raínha de Inglaterra e a mim própria: nem uma nem outra nos enquadramos nessa milenar categoria, por um lado, e proxenetas (mais uma tradução) colonizadores, houve-os com fartura.

 Por acaso ainda hoje refilei de mansinho porque não notei um pequeno toque, um sopro, um suspiro,  de pimenta verde moída na sopa de peixe. adoro especiarias exactamente na razão inversa em que escuto e sigo conselhos de governos.



 Além disso, intrépido e sanguíneo comentador, se algum dia lhe passar esse ódio faça um exercício: em vez de Lizzie, bote o seu nome. Depois conte-me o que lhe pareceu. 

 Da mesma forma que não confundo os povos com quem os governa, também respeito as ideologias de cada um, sobretudo quando são manifestações de bom carácter, personalidade,  formação e altruísmo. Os sonhos poderão não ser motor mas serão, com certeza,o combustível que o alimenta. 



O que os poderes fazem com essas genuínas convicções/espectativas  das pessoas já é uma coisa diferente. São os tais limites em que a mudança para uma sociedade melhor, leia-se com aprofundamento da dignidade, se transforma em ditadura institucionalizada ou subjacente. (Quando as pessoas comuns não se expressam porque têm medo de perder o emprego ou de ser rejeitadas por uma qualquer estrutura ou de serem culpadas por situações, acaba-se a democracia.)



Tal coisa está a um passinho da corrupção ( neste momento o mundo está afogado nela) e da imposição de modelos únicos, ultrapassando mesmo a soberania dos países. Uma coisa acaba por levar à outra e quer uma quer outra implicam o sacrifício de inocentes. E discordantes.

Sentidos únicos, sem poder ultrapassar,  abusos de poder e  fechadinhos em gabinetes, lobbies, sociedades escondidas, ganãncias e tal, são coisas que me poêm a roer malaguetas.

Por isso tenho amigos de boa vontade em todos os quadrantes. Menos nos neo nazis. Conheço três assumidos e acabar em churrasco não sei se será a morte que mais me convém.

Claro que gosto, que coisa esta das interpretações daquilo que uma pessoa escreve, de Shostakovich 


e de Richard Strauss. 


Já lidei com eles muitas vezes. Que conflitos interiores e amarguras tiveram aquelas alminhas...

Agora,sinceramente, ando preocupada com o Richard, porque a última coisa que merecia era que a abertura da sua fabulosa "Assim falava Zaratustra" fosse fundo musical para um spot publicitário da Benfica TV. Se aquele homem fosse meu marido, ia a toque de caixa e à frente do rolo da massa buscar o remoto da televisão ao lago.Gaseava-o. Depois de viúva, divorciava-me. Além de todos os outros defeitos sou do Sporting embora nem saiba o nome do guarda redes. Nem de nenhum.Acontece. Por este andar ainda temos Mahler para o Cristiano Ronaldo, Bach para o Messi e, sei lá, as Cantigas de Afonso X para o José Mourinho.

O que eu não admito é ser "proíbida", como já fui e acho que ninguém deve ser, de falar de e com Wagner, sobretudo quando o "proíbidor" perora sobre condições históricas que não conhece, acha que o compositor é nazi mesmo depois de já estar morto (finou-se, salvo erro, em 1883), tem culpa que o Hitler tivesse uma paixão patológica pela música "heróica" dele e o confunda com a mulher Cosima, essa sim, anti-semita e apoiante do suposto último  degrau de Adolfo.
.
Pois quanto a Fernando Lopes Graça, em vez de ficar a olhar para o mar, que hoje na minha praia esteve especialmente Sebastiãnico todo o dia, lá foi sms para aqui e para ali. Não ando com bibliotecas atrás, não senhor. É mais vê aí na estante, ao fundo,ao pé da janela.Ai não, se calhar é na outra que está...



Temos pois: Obras Literárias de Fernando Lopes Graça, vol.XIII, Disto e daquilo, Edições Cosmos. Lisboa 1973, Da arte bailatória, pág.175 e seguintes.



E, já agora, uma adivinha: de que lado terá saído este pedaço de prosa que aqui vos deixo?



Os meus cumprimentos.



...................................................................



De como Joachim di Fiore (1132-1202) voltou das cruzadas e desaguou em  espécies de D. Sebastião Redentor ensinando muita gente de pés molhados a subir degraus encerados.



Não me teria dado um ataque de lembrança  deste Joaquim se não tivesse visto  o primeiro ministro português dizer que não se demitia, que não abandonava Portugal, ou os portugueses ou lá qual foi a expressão bombeira e heróica de salvar a Pátria ,

porque o que interessa é o sumo da intenção, igual à do primeiro ministro espanhol, por sua vez parecida com a de Bush filho, a de Blair, a de Hitler, a de Estaline, a de Mao, lá tão longe,



a de Bin Laden, a de Robespierre e a de muitos outros para trás desprezando os avisos de Montesquieu de que o poder ou é bem distribuído e controlado ou cria maus hábitos.

Ora este Joaquim, pouco falado mesmo em debates ilustrados, foi às cruzadas e parece que lá foi palco de inspirações proféticas e místicas de tal monta e projecção que de uma ponta à outra da História não houve salvador que não o tivesse por inspiração mesmo que nunca tenha ouvido falar de semelhante criatura.

 Por acaso a ideia que tenho é que a classe política em exercício ouviu falar de muito pouca gente. Mas enfim...

Este monge previu que a humanidade passaria por três fases: a Idade do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo.

Parece que estes três degraus influenciaram Hegel, Marx e o Terceiro Reich já que justamente nesta última idade a Humanidade, logo a Sociedade atingiriam a utópica perfeição total,  sempre comandada por um líder nascido já porta voz directo de Deus.

Por outras palavras, em vez do pensamento de Maniqueu, aquele que achava que a humanidade seria sempre campo de batalha entre o bem e o mal sendo o conflito (bom e mau) inerente ao género humano grande e pequeno, o Joaquim achava que era possível moldar as criaturas, através dos tais líderes, de forma a criar uma união fraterna sem qualquer espécie de bulhas fosse pelas ideias fosse pelas batatas ou pelos pudins.


Não sei se foi o Joaquim, ou se já vinha de trás, nomeadamente de Cristo, que a ideia da criação de um mundo novo, do Homem Novo, tinha associada a extinção radical do mundo velho como se a História nunca tivesse existido e a geografia, o calor, o frio e outros factores fossem pechisbeque de pouco valor.


Ora a mulher de Tony Blair irritou os ingleses quando correu com os tradicionais gatos do nº 10 de Downing Street e o próprio invocou o seu parentesco com Deus para estar a seu lado na transformação da Inglaterra num glorioso país novinho em folha, e na guerra contra o Iraque, esquecendo-se que  os ingleses, ao contrário dos americanos, não gostam de misturar os negócios do Céu com os da Terra nestas coisas.
Blair, estatelou-se ainda antes de ter reparado que tinha caído.


Provavelmente, os mais sensatos dos portugueses e dos espanhóis, também não estão de acordo que se transfira o tão próprio sol do meio dia para o disciplinado sol da meia noite sobretudo quando tal Ajuste Estrutural implica desprezar velhos, reproduzir desempregados e mal educar crianças. Duvido que acreditem que adormecendo num velho, cansado e deprimido, acordem num país tão novo que se torna irreconhecível na modernidade e abastança.


Tais messias andam a esbracejar, para trás e para a frente, em equilibrio instável mas ainda não caíram. Mesmo assim vão gritando que os meios justificam os fins.

Mas voltando, uma das demonstrações que manipular o género humano , assim à bruta, repentinamente  e sem respeito dá mau resultado, foi logo no séc. XVI na Alemanha.

Uns lideres de massas de uma região, acharam que o eram por poderes divinos com tudo o que tal implica.

 Em termos simplistas, além de acabarem com toda e qualquer espécie de privacidade ( até nos afectos) e de propriedade, de forma a não existirem distracções,  apelos ao pecado e outras seduções do Imundo como as que se encontram nos livros, decretaram o fim da música e da dança.


 Ora como toda a gente sabe, mesmo os pés de chumbo, o corpo humano reage de forma visceral ao ritmo, nem que seja ele o martelo do ferreiro e, por gosto, ou des gosto, ao som melódico nem que venha do canto dos pássaros.

Por um lado, não tardou muito a que esses iluminados, e aos seus mais directos colaboradores, fossem chamadas as propriedades das gentes fraternalmente renovadas, tornando-se líderes mais ricos, com mais mando nos irmãos comuns.


Por outro, não demorou muito que estes comuns não começassem a cantar e a dançar e que a comunidade  se desfizesse à custa de mortos e feridos. Tendo virado o oposto do que se previa, não se chegou a concretizar o contágio por todos os outros reinos conhecidos, como era suposto.


Bush também não conseguiu acabar com algumas formas de arte perversas e de pessoas transviadas, como os gays, por exemplo, nem estender o Bem a todo o Eixo do Mal (para além do petróleo também dar um certo jeito à alimentação da causa, claro ).
A maioria dos americanos acabou por achar que Deus, com todos os defeitos, sempre é mais inteligente e menos anedótico. Ainda deve estar à espera que o Altíssimo lhe explique porque o empurrou da escada abaixo.


Já agora, Robespierre, o tal que achava que se criaria o Bem Novo assassinando o Mal Velho um por um (Garibaldi, salvo erro, exprimiu a limpeza com o desejo de ver "enforcado o último rei nas tripas do último padre") , proíbiu as simbólicas e decadentes danças aristocráticas.

 Certamente por distracção, não reparou que tais formas já tinham sido passadas , há algum tempo, para as populares e folclóricas.

Andam por aí até hoje, estilizadas, imagine-se  no passo cerimonioso em que o pai leva a noiva ao altar.

Também de nada serviu a Salazar ou Franco andarem com censuras.
 Liam-se pecados nos Arys dos Santos, nos Zecas Afonsos e noutras fontes artisticas. E mal calculou Franco que a copla de Juanito Valderrama chamada "el emigrante", considerada pelo regime um hino às virtudes de Espanha se viria a transformar imediatamente numa ironia de resistência e luto.


Por outro lado, também foi inútil a Fernando Lopes Graça omitir qualquer referência às inovações americanas na breve história da dança que escreveu, porque toda a gente, penso eu, acha graça, entre outras, às habilidades de Fred Astaire bem como aquele ressurgir de infância travessa de Gene Kelly a dançar à chuva, para não falar do sonho que muitos bailarinos e coreógrafos portugueses já tinham acerca de  estagiar na escola de Martha Graham em Nova Iorque. Ainda eu era uma criança.

Adiante.

Ao que diz quem mais se debruça sobre estas coisas, a partir do Iluminismo, o Joaquim, sempre  presente, tornou-se mais científico e de menos apoio divino.

 E a ciência e a tecnologia dão para tudo consoante quem as aplica. Einstein, com desgosto, que o diga. Pode ser, com os mesmos instrumentos, utensílio de vida ou de destruíção.

Tanto Hitler como Lenine e Estaline, partindo ambos de Joaquim, aderiram, já com supostos meios científicos, à teoria do Apocalipse e do renascimento a partir das cinzas.


Um a partir da selecção, exportável e metódica da espécie humana de forma a criar uma sociedade ideal, sem conflitos nem impecilhos. "Saudável" de corpo e alma.



O outro,  queria uma sociedade igual, também exportável, sem diferenças, comunitária. Depois do expurgo e baseado nas convicções científicas de Lisenko, o comportamento ideal seria herdado. "Ensinando-se" aos pais, os filhos já não teriam desvios. Muito menos os netos.


Os dois usaram e abusaram das palavras Povo e Liberdade, agarradas por eles no presente e sempre projectadas para o futuro. Por acaso não sei se existiu do lado de lá algum Volkswagen (Volk-povo, Wagen-carro, para quem não saiba).


Nas artes ambos preferiram as formas representativas às intuitivas. Todas serviram a propaganda. Não como forma de fazer crescer a sensibilidade e os pensamentos mas como forma de "educação" num sentido específico de ideologia.

 É muito triste quando a criatividade é classificada como correcta ou incorrecta. Neste último caso ou se esconde, ou morre, ou, se puder, foge.

Cá para mim não existem formas obrigatórias de cada um sentir o ritmo e é bom que, à vista de  uma mesma nuvem, uma pessoa diga que parece um pássaro, outra um Boeing 747 e outa ainda uma sardinha no pão. Fica a nuvem mais rica.

Por isso, talvez, a Utopia seja alcançada quando a ética, o respeito, a sensatez, a honra, a honestidade, alimentadas pela cultura sem grades nem omissões nos pensamentos e nas expressões, sejam superiores aos delírios do poder.

Ou à sofriguidão dele.


Não sei se o Joaquim alguma vez pensou nos limites.
Se calhar já está tão velho, tão gasto, tão usado, que já embrulhou a memória no tempo.


sábado, 3 de agosto de 2013



Prosa um bocado salteada de como o distraído e negligente Grande Viajante se esqueceu dos sítios por onde andou.

Consta que em tempos idos, o Grande Viajante, também conhecido por uma espécie de Deus, olhou para a floresta e chamou um por um todos os animais que lá viviam.

 Apresentou-lhes a sua mais recente criação. Tratava-se de um ser que andava na vertical e só em duas pernas que pouco corriam e nada trepavam, que tinha dois braços com extremidades habilidosas mas de pouca utilidade se não tivessem objectos a prolongá-las, uma cabeça com dois olhos que viam pouco, umas orelhas meias surdas, um nariz que confundia odores e uma boca cheia de palavras mas de pouco sentido e lembrança.



Resumindo, a maior parte dos animais riu-se de semelhante aventesma tão pouco preparada para as necessidades imediatas do dia a dia. Imaginai o riso das pulgas, por exemplo. Deixada sozinha, logo morreria de fome, de sede e facilmente serviria de manjar a qualquer um deles.

Houve então um que teve pena de tal fragilidade e, farejando a criatura, se deitou a seu lado, arreganhando a dentuça aos que já salivavam pela carne tenra ou gargalhavam da inutilidade.


O Grande Viajante achou-o parecido com a Mãe Terra, perguntou-lhe o nome e ele respondeu que se chamava Cão, e o grande Criador determinou que a partir daquele momento seria o melhor e mais amigo da desamparada criatura, tanto que até a acompanharia na canoa que lhe levaria a alma na última viagem para o Reino do Universo.


Sentenciou, ainda, que o Cão se pareceria com a criatura que acompanhasse e a criatura com o Cão que lhe fosse companhia.

As criaturas volúveis, mais por moda que por conhecimento ou gosto, violaram muitas vezes este príncípio porque pessoas  agitadas arranjam cães pachorrentos e humanos calmos vão desencantar cães doidos e depois acaba-se a amizade depressa. Uns e outros ficam com vontade de divórcio como é costume entre os bípedes mesmo sem cães à mistura.



Por acaso, lembrei-me agora que  apesar de ficar no outro lado do mundo onde esta história é contada, na floresta medieval cristã, tornou-se costume, aos pés e nos túmulos das mulheres, talhar a figura de um cão.
E, ao longo da História, sempre as mulheres foram apresentadas com cães. Mas isto dava outra prosa.



 Para os homens  e suponho que ainda  sem intenções clubísticas, mandava o uso que fosse um leão que, a bem dizer, sempre tem mais força nos maxilares.

Mais tarde que a criação de todas as coisas, quase todas as florestas cultivaram esta amizade


 à excepção dos que ouviam, não sei se distorcidamente, a voz de Alá.

 Estes achavam, e acham, que os Cães eram seres tão desprezíveis e parecidos com o Demónio à solta, que os comparavam aos inimigos e por isso lhes davam e dão o tratamento que gostariam de ter presente à vista deles. Por isso, mais tarde no séc.XX, por exemplo, os cães passaram a chamar-se Israelitas, Americanos, Ingleses e etc.  Também, os Chineses quando embirraram com o Tibete, mataram todos os Cães que sempre lá viveram e se chamam Lhsa Apso


tirando aqueles que uns ingleses e franceses conseguiram esconder, levando-os para Inglaterra  e França para que não deixasse de existir o cão mais inteligente que a comunidade canina já produziu. Com o orgulho que as pessoas têm nas suas palavras dizem que as estes "só lhes falta falar".

(Um já foi um grande meu companheiro nesta morada portuguesa mas porque não deixei que um humano, não chinês, matasse coelhos e gatos com espingarda à porta desta residência, foi alimentado por ele com carne temperada com 605 forte, entrada rapidíssima para a morte.)

E sem Alá nos ensinamentos, também Robespierre, aquele que achava que só a violência criava uma Humanidade nova, mandou sacrificar todos os cães (e gatos) afectos à aristocracia, à  burguesia e regra geral, a toda a gente, ainda que miserável,que não concordassem com ele.

Sempre assim foi, embora eu nunca tivesse traduzido nada na linguagem dos animais que se parecesse com parlamentos, ditadores, comentadores ou coisas parecidas.


 Por tudo isto,  talvez para evitar desgostos, o Grande Viajante, não tem passado, acho eu, muitas vezes pela terra para ver a criatura que produziu.

 Talvez nas Suas costas e enquanto andava em turismo nas galáxias, a criatura lembrou-se de criar o perigoso princípio de que o Homem é o Centro de Todas as Coisas. Umas vezes deu grandes obras, outras monumentais asneiras como a falta de respeito pelo que fica ao lado.


Por isso e em relação aos cães, a criatura usando engenhos vários, resolveu modificar a aparência e o temperamento dos primitivos amigos.

Na realidade poucos, como os Schnauzer, são como o Grande Viajante os inventou.


As criaturas encarregaram-se de lhe achatar os focinhos até ficarem com falta de ar,


 de lhes encurtar as pernas até ficarem sem suporte para o corpo, como os Dachshund,


 de lhes acentuar os ataques de mau génio como às amostras Pincher  mais tarde engrandecidas em raiva pelos nazis, nos potentes Dobermans e na criação de canídeas máquinas assassinas  pelos soviéticos. A lista, Senhores, não caberia aqui.


Por questões de negócio, de dinheiro tão do agrado das criaturas, inventaram-se concursos socialmente prestigiados, muitos deles baseados em deformidades acima descritas, em que ganha quem mais imperfeito (e sofredor) fôr. Filho de "imperfeito manipulado", mas com taça e prémio, renderá ao dono linhagem de farta conta bancária. Como eu sou criatura de gostar até de rafeiros, vira-latas, escarafuncha caixotes, parece-me esta selecção da espécie mania ariana de má memória.


Mais grave foi, também, a introdução de prolongamentos mentais frustados das criaturas nos seus amigos de sempre. A vaidade humana nunca se resume às coisas simples e pequenas, exportando-se para o que se não pode ser. É mais importante o que se tem do que se é.



Foi assim, com muito incesto à mistura, que se produziram cães que matam, que atacam antes de terem tempo de reconhecer os amigos.
Há já alguns anos que se tornou simbolo de poder, sobretudo em sítios e bairros onde civilização e cultura ficaram infelizmente à porta, ter cães que prolongam a dita vaidade dos donos, treinando-os para essas mesmíssimas demonstrações de poder.


(Normalmente andam estas coisas caninas associadas ao tunning automóvel como botar cinco tubos de escape num Fiat Punto para parecer um Ferrari. Adiante.)

Chegou-se ao ponto de organizar lutas de cães, em bairros periféricos, com apostas monetárias chorudas no potencial vencedor. Cada lutador é treinado com maus tratos e com frágeis animais de família, roubados em bairros residenciais como os Olivais ou o parque das Nações em Lisboa. Por exemplo.

Seguindo as teorias de uma criatura perversa chamada Trofim Lisenko, baseado noutra de nome Lamarck, se um pai ou uma mãe forem ensinados a matar (no caso dos humanos a comportarem-se segundo regras definidas superiormente de forma a se esquecerem de ter pensamento próprio) os filhos duplicarão essas habilidades e instintos.


E em certas florestas do chamado terceiro mundo, foram produzidos filhos de cães com essa natureza muitos deles, tornados possantes, enérgicos e assassinos mas fechados em apartamentos ou espaços de pouca dimensão.

Aqui para nós, Senhores, manteria a Rosa Mota aquele ar jovial , simpático e de boa saúde mental se confinada num T1 sem espaço para arejar os músculos?

Desde os anos 80 do Séc.XX, e até antes,  que em todas as florestas de norte a sul, de este a oeste, ninguém, sem ter condições especiais físicas ou psicológicas, pode possuir ou reproduzir estes animais de violência fabricada pelas criaturas. Antes ou depois de crimes, encarrega-se a Justiça de punir quem pensa em vez de quem reage.

No caso de alguém possuir clandestinamente um cão proíbido, porque geneticamente programado para agredir, é-lhe retirado. Se resultarem mortos ou feridos, são os donos a cumprir pena atrás das grades.

Quanto aos cães, especialistas determinam-lhes a sorte, a morte ou a vida. Uns voltam a acreditar na amizade das criaturas, que as há de respeito, ternura e agradecimento, outros já foram destruídos pelo sangue que, dizem, tem a cor do Inferno.


Dos que já tive (e dos que tenho), faço-os acompanhar de um pedacinho da minha alma quando eles entram na canoa rumo ao Universo.


Acima de tudo porque merecem e porque estou muito longe de ser o centro de todas as coisas.