terça-feira, 31 de julho de 2012




Da insubordinada aterragem de Mary Poppins em Torremolinos e arredores, sob o sorriso da Virgem Maria .



Que se me perdoe a soberba, mas sabendo da guerra entre espanhóis e ingleses, que já entrou na espiral dos respectivos ADNs, à vista do poderoso espectáculo de abertura dos míticos Jogos Olímpicos,não perdi a oportunidade de andar de dedo no ar, umas vezes, outras de faca de trinchar frango na outra,


bramando, altiva e mais por provocação do que por cega e fundamentalista convicção, que só os ingleses fariam tal coisa.


Ele foram as coreografias de raiz tradicionalmente inglesa a meio passo assumido entre a dança palaciana e a mistura popular de rua e taberna, ele foi o respeito pela História até na exemplar pantomima de Mister Bean, passando por médicos, enfermeiros e demais pessoal incluindo doentes, muitos deles verdadeiros, em homenagem ao Serviço Nacional de Saúde


 passando pelo salto de paraquedas de Her Magesty, sem , por isso a verdadeira, ter medo de faltas de respeito à dignidade representativa da função.

Senhores, que Presidentes da República se prestariam a tal ilusão brincalhona, se nem da cadeira presidencial de altura standart saltam?

Mas como o tempo me arrasta, qual recordista de 100 metros barreiras, pela mão sem me dar parança,
passo já à tranquilizadora e justa chuva de Mary Poppins, figura que depois de a Disney a ter aspergido por todo o mundo, ampliou ainda mais a controversa dimensão filosófica e simbólica.


Ora em Inglaterra, houve quem a identificasse, na altura em que a série de livros de Pamela Travers (por acaso nascida na Austrália) foi publicada,



com a Virgem Maria, não só pela necessidade de paz de espírito da autora, muito dada a angustias espirituais, como pelo maior poder da intuição e de criatividade na resolução dos males do Mundo,

face à frieza e calculismo da masculinidade de Deus que na altura se pensava ligado à metálica alta finança.


(Perdoem-me , mas só os ingleses são capazes de dar estas voltas sem esbofetear a verdadeira natureza e liberdade da fé e do pensamento, mesmo e sobretudo para quem lhes sente as Graças.)


Isto já eu sabia. Muitas foram as obras espalhadas pelas várias artes, de crentes, agnósticos e ateus, que salpicaram por aí tal imaginário.

O que fiquei a saber, por senhora castelhana que ronda os setenta mais muitos anos mas com cérebro viajante como ave de olho agudo e que não perde a dimensão do chão é que Mary Poppins foi alvo de Inquisição alvoroçada  e desconfiada em Espanha por parte dos censores, mal aterrou nos cinemas.



Andava já Franco sem pulso na natural evolução dos tempos, fugia a santidade disciplinada e conservadora de uma Espanha vocacionada a ser a ponta da espada do catolicismo.

 Ou de uma parte dele, que meter tudo na mesma ambição, diz-me a experiência e comprovou a católica senhora, seria profundamente injusto no julgamento e ninguém nasce com o fardo absoluto da infalibilidade.



Mas pronto, existiam na altura uns programas de rádio que antecediam estrategicamente os relatos de futebol (balonpiés) patrocinados pela propaganda do regime e tendo como locutor um padre de voz tão funda como capaz dos mais exaltados decibéis. Funcionava como orientador espiritual, guardião da moral e dos bons costumes.


Tornou-se então a Mary Poppins caída dos céus, símbolo de todas as inglesas, suecas, norueguesas, dinamarquesas, holandesas, americanas e demais , todas oriundas de povos anglicanos, protestantes, hereges e tolerantes dos judeus, quando não elas próprias judias,



que começavam a invadir Torremolinos e outras praias até então imunes à catástrofe da depravação. Da desobediência. Da falta de recato e castidade na pureza de qualquer honesta candidata ao orgulho da submissão da Pátria e do Lar.


Em rasgos mais imaginativos, já as via o cura mascarradas pela chaminé da casa do Inferno, rodeadas de guedelhudos a cantarolar obscenidades da Lucy que andava no Céu com diamantes a bordo de submarinos amarelos, e a expiar a culpa de tanta relação predadora , contra natura e nada missionária,



onde é que já se viu um rei, e muito menos uma rainha, gritar mais alto que o Papa.


Senhores, depois do frango corrompido pelo molho de tomate, das batatas assadas que esmurrei, contando na melhor voz projectada de contralto, Invencível Armada 1, Invencível Armada 2, Invencível Armada 3... , da salada com corações de alcachofra, do vinho, do chá de gengibre, recostei-me no sofá, desfilava já, sem atenção de ninguém ali, a delegação da França. Se bem ainda me lembro.

A voz de todos foi-se esbatendo, já sem sentido. Sem história.

Acordavam-me no sonho, corriam-me na memória dos músculos as notas marcadas dos Tubular Bells do Mike Oldfield.


Ou seria a genialidade ampla de Purcell resguardada pelo voo de um chapéu de chuva?

Para o efeito, tanto faz. E nem me parece que importe a um qualquer Deus ao serviço da cegueira voluntária dos homens.



2 comentários:

augusto, um entre mil disse...

Neste três vezes passei, Senhora, e, se a memória e a imaginação não me atraiçoam, sempre novas arrumações eu vi...

Dos temas que aqui tratais eu me cofesso insciente: na verdade não vi a abertura dos jogos olímpicos: uma apatia televisiva profunda se tem apoderado de mim deixando-me semi letárgico.


Mas gosto de imaginar-vos, assim o contais, bramando altiva (altiva, sem exagero, como vos penso) mais por provocação que por cega convicção. um pouco de provocação naquilo que fazemos ou dizemos é coisa que me agrada e que, não o digo por acinte, sempre fui praticando, não propositadamente, mas sim porque acontecia com naturalidade. como um pouco de sal a temperar um prato que nos parece, ou sentimos, falto de qualqer coisa...

De mary poppins também nada sabia, a não ser que usava chapéu de chuva julgo que para se transportar.

Mas, gostei de saber de tudo o que o filme despoletou.

No fim, Senhora, só uma dúvida me fica:

Papa grita?

Lizzie disse...

Senhor,

folgo pela Vossa sempre tão agradável visita.

a propósito de arrumações, tendes razão: volta e meia as tenho mudado e agora mesmo, depois desta conversa convosco, vos mostrarei como as imaginações do Norte sempre botaram seres que, com guarda chuva ou não, descem escuros do céu para mexer com as desordens na terra.

Os guarde-chuvas têm que se lhe diga e, pelo menos em Inglaterra são um simbolo de bom caractér, justiça e honra.

E Senhor também não vi toda a abertura: já que sou um desastre na cozinha ao menos trincho frangos. Vá lá que como tinha chegado de Lisboa fui dispensada de lavar a loiça. E depois adormeci britanicamente no sofá. Nem bebi a segunda chávena de chá. Disgusting, indeed!

Tudo depois de ter feito o teatro da caricatura de lady inglesa. Protocolar nas poses e nos trejeitos. O riso foi crescendo e extravasou.

Tal como vós, ando alérgica à televisão.

E, Senhor, também acho e acha quem me conhece, que não sou altiva em exagero muito embora só nos últimos tempos tenha percebido que, infelizmente, a altivez é um antidoto contra os ataques à dignidade. Estranho é um mundo em que a naturalidade pode ser ser confundida com fraqueza.

As provocações benignas e naturais despertam o sentido crítico, mexem as águas paradas, oxigenam-na.
As malignas, secam-na.

Presuponho, Senhor que os Papas gritam quando a santidade da garganta desce às cordas vocais da Terra.
Talvez João XXIII gritasse para lhe abrirem a janela, talvez o que agora detém as chaves grite perante as interpretações contrárias face a S. Agostinho. Não sei.
Nem sequer conheço o timbre da voz de Deus.

Senhor, os meus naturais respeitos.