E por acaso tal cidade, com tanta Roma nas pedras, vem mesmo a calhar ou não fossem os romanos, em geral, amantes de tal arte silenciosa, com excepção de alguns imperadores que viam na expressão facial e corporal dos profissionais da farsa, criticas que o seu parco senso de humor não suportava.
-Então a pantomima não é igual à mímica?
Não!
E segue exemplo que é, quanto a mim que estou farta de dizer que não sou dada a teorias palavrosas, a melhor maneira de explicar o confuso:
uma pessoa pode fingir que se está a despedir de outra à porta. Faz adeus. Isto é mímica. Mas se conseguirmos perceber através da cara ajudada pelo corpo se ficou desgostosa ou se pensa… livra, até que enfim, estava a ver que nunca mais… é pantomima.
Ou seja a mímica representa acções e a pantomima sentimentos.
A pantomima utiliza muito mais as habilidades expressivas do corpo, daí que esteja perto da dança, embora esta esteja sujeita a ritmos, marcações de tempos e espaços de que a pantomima está livre. A proximidade ou o afastamento entre as duas foi variando ao longo dos tempos.
Durante a Idade Média, a pantomima licenciosa e descarada no seu tratamento das coisas do espírito e do corpo foi proibida.
Só com Isabel, Elizabeth se não se importam, I de Inglaterra, pessoa dada às Artes, se restaurou o hábito de ter bailarinos pantomineiros na corte.
Consta que adorava ver, entre pavanas, chaconas e galhardas, contar histórias do dia a dia e ver-se imitada.
Nasceu assim a, tão terra-a-terra, entre dramatismo e a sátira pessoal e social, pantomina inglesa.
Saltando no tempo, toda a gente conhece os seus mais ilustres representantes em cinema sem palavras: Charlie Chaplin,
Vejam-se os trejeitos corporais e a força da expressão facial destes três senhores que não finjem que estão a fazer as coisas (mimica) porque as fazem, mas que nos dão a conhecer, calados, o que lhes vai na alma ao faze-las.
Os franceses também são grandessíssimos pantomineiros com profusa história mas de outro género. Mais fantasioso:
a base da inspiração está em Veneza com o lacrimejante Arlequim de cara pintada. (A história das máscaras e o motivo porque as bailarinas clássicas se maquilham fica para outra altura.)
No século XVIII, existiam os Ballets d´Action, uma mistura perfeita entre dança e pantomima. Ao longo das doze ou catorze horas que durava um espectáculo, interrompiam-se pulos e outras habilidades e, ao som de, p.ex Lully, os bailarinos descansavam braços e pernas com pausas em cenas mais estáticas que até permitiam (eventualmente) assento. Alguns chamam-lhe representação, outros não. Mas faz de conta que assim:
como o foi a peça Four Reasons de Edward Clug
a fazer lembrar tanto o sonho de Étienne Decroux, professor de pantomima, de criar marionetas de músculo e osso. Estava eu a ver a dança e a rever as aulas do sonhador em vídeo (que não sou assim tão velha para ter assistido ao vivo), que até me deram apetites de para saltar para o palco e ir fazer companhia, artroses e mais dez kg incluídos, aos bailarinos. Perdoassem-me eles o impulso do entusiasmo.
E quem for dado a cinema tem o fabuloso Les Enfants du Paradise com toque etéreo-dramático-pungente ainda herdeiro do pingar da eterna anemia da estética dos pré-rafaelitas
As minhas desculpas a quem gostar do género, mas compreenderão que sou mais escola americana e alemã mais a inglesa, ou seja, para uma utilização mais “expressionista” do corpo, vinda do movimento Korperkultur, que palavrão alemão dá sempre um ar sério e rigoroso à coisa, de que bailarinas/coreógrafas americanas como Isadora Duncan, Martha Graham ou Doris Humphrey foram seguidoras.
Já agora, outra vez, para que o título do blogue faça sentido, mais digo que, dizem, as mulheres são mais criticas a ver pantomima que os homens. Parece que têm uma maior acuidade a ver pormenores nas expressões e delas fazerem interpretações. Parece que vem daí a tão temida intuição feminina ou, em outra versão, o dedinho que adivinha.
Talvez tenha sido por isso que, maldosa e calculadamente, pedi que a sessão fosse atrasada e, enquanto fingia, pantomineiramente, que conversava com os meus pares, fui olhando para os concorrentes em pose de gestão do nervosismo. Meio caminho andado para ver a ponta de potencial talento para o fim a que a audição se destinava.
E não é preciso qualquer audição ou especialidade para, nós, agora cá deste lado do julgamento e da escolha, deixármos Mérida com a sensação de angústia da incerteza.
Porque ninguém tem pretenções a ser Deus, um Deus qualquer,tanto faz, para sem dúvidas decidir sobre a arte ou o futuro.
Com dança ou pantomima ou sem elas, cada expressão tem um mundo próprio dentro.Desconhecido ou nunca revelado.
Venha a sobremesa.