A difícil arte de suster o tempo com…um ligeiro intervalo,
por supuesto
seja ele, o tempo, interior ou exterior que toda a gente sabe que são relógios com ponteiros de velocidades diferentes e que, de vez em quando, para que um funcione é preciso dar corda e limpar o outro porque a alma não bate assim tão certa como um aparelho suíço do mais fiável quartzo e pilha engendrada no rigor electrónico.
O mecanismo da minha alma precisa da hidratação de um mar insubmisso. Um mar que embebedado pelo firmamento nocturno arraste a areia e lhe modifique o leito como um Deus, daqueles clássicos, que revelavam o temor à fragilidade dos homens.
Um mar que deixa rastos de lagos como se fosse generoso ou herói cansado,
um mar que veste a paisagem com cor de donzela pacata, suave e distante na sua ignorância do mundo,
um mar que escreve e esculpe nas falésias os segredos antigos de quem foi condenado à imensa e eterna viagem,
que deixa, a céu aberto e sem pudor algum nas paredes, muros e chão, os cadáveres laminados dos habitantes a quem gerou e deu asilo. As conchas parecem vidas já vazias de pensamentos.
Mas o bater dos minutos e das horas sincronizadas com o mundo voltou. Era domingo à noite.
Juntaram-se vários da mesma fala, ou de fala emprestada como é o meu caso, que espanhol que se preze tem íman que atrai os demais nem que seja só pelo olhar.
Juntamo-nos todos em redor de aparelho incompatível com a música do mar, com o pão manual e fumegante do pequeno almoço, com o sabor salgado do peixe grelhado por mestre (não chefe) Aníbal, com o colorido do mercado da fruta, com a terapêutica da rebentação das ondas nos pés magoados, com as conversas de quem, por vocação e profissão se inventa na tortura ou no riso.
num supermercado ou livraria em vez do português ai que chatice, este miúdo dá-me cabo da cabeça ou do i´m tired up, take it easy child , se ouça um desgrenhado recheado de gestos amplos, e não necessariamente iletrado ou de bairro de lata ay la puta madre qué te voy a romper los cuernos en un santíamen, hijo de mi alma.
ninguém deixa de exultar quando se ouve o nome de La Penélope,
No dia a seguir, em conluio com o sol mascarado de maresia, as horas voltam a parecer lentas, sonolentas de sesta, com a calma idílica de um postal ilustrado.
Começa a ditadura dos dias sobre a liberdade das noites. Não tardará muito, não tardará mesmo nada que a poluição adulta encha de pó os cantos mais recônditos dos caminhos que levam o tempo ao pulsar do coração.
O mar fará o favor de ser eterno
e não há nada que não se defina pelo seu contrário.
(e já agora vou tentar botar, para além de trinta segundos, uma copla bem espanhola da espanholíssima Lola Flores que é muito do gosto da muito espanhola La Pene e que ainda há pouco tempo uma espanhola de 3/4 de empréstimo, ou seja eu, em tempo de limpeza do relógio interior, tentou fazer playback imitativo, custando-lhe tal heresia o embate de três ou mais almofadas na cabeça, em cena digna de Óscar para o melhor filme estrangeiro.)
ay pena, penita, pena - lola flores