Crónica da malmaridada no Centro de Saúde, corria uma manhã enevoada em Julho do ano da graça de 2014
Era grande a algazarra na sala de espera do Centro de Saúde, Unidade de Saúde Familiar ou lá como agora se chama que isto da nomenclatura oficial varia consoante a assinatura do ministro que toma assento na governação.
Noticiava-se, ali em posto estratégico e publico, o casamento entre a filha do homem do talho, homem possante pelo consumo da proteína mas casado com mulher incapaz de gerar varão,
e o rapaz dos mármores e granitos, bom gestor e talentoso designer tendo por conta canteiros e lápides funerárias de várias freguesias em redor.
A minha mente passou para segundo plano o medo patológico de injecções, sobretudo em forma de vacina regulamentar contra o tétano, quando fez a estatística sobre a aprovação do casório.
Sejamos práticos e pouco românticos porque de amor ali nunca se falou e já no ido séc.XVIII Maitre de Claville escrevia que todo o amor no casamento e fora dele deve ser produzido pela razão:
o homem do talho já vai entrado nos anos, mais dia menos dia faltar-lhe-à a força para o manejo do cutelo e a precisão na faca e, sabe-se lá se o rigor na contabilidade e herdando o genro o negócio, ainda se constrói império capaz de exportar carne para o Pingo Doce ou Continente, porque, que se saiba, essas superfícies ainda não comercializam artigos funerários a acumular no cartão.
Já se sabe que as mulheres, salvo o empreendimento do ventre (e a noiva já o provou inchada como já não se disfarça) e consequente dote educacional, pouca vocação têm para suceder nos negócios.
Ainda menos para a política, actividade viril porque guerreira, como referiu um político espanhol na campanha para as últimas eleições europeias.
É repousante saber que ainda vigoram os Princípios de Moral do setecentista Abade Gabriel de Mably, criatura defensora da boa ordem e paz social:
um homem ama o pacote da sua propriedade, ou seja os seus bens, a sua casa, a sua mulher e os seus filhos, sendo omisso, pelo que li, em relação ao cão, ao gato, ao periquito e ao canário bem como ao peixe vermelho.
A noiva é rapariga serena, consciente da natureza dos homens.
Valores mais altos tanto se levantam que os factos do noivo ser
frequentador assíduo de uma das casas de alterne mais conceituadas e respeitáveis do país, onde as raparigas são tão dignificadas que tratam a patroa por Mãe,
ser moço de forcado com cicatriz heróica na perna esquerda,
ter engravidado uma namorada paralela e exterior ao noivado.
Tudo circunstâncias marginais a um bom casamento desde que a casa seja farta e não haja perversão como agora se vê nas telenovelas da TVI.
Não será rapariga que agora ou mais tarde, trauteie em voz baixa e dance de corpo envergonhado, enquanto olha para o passado e imagina o futuro com o vendedor aprumado da Remax que lhe sorri da casa ao lado posta à venda por razões exógenas à harmonia familiar, as canções das malmaridadas, ou malcasadas em louvor do que poderia ter sido e nunca se atreveu a ser porque vale mais mal acompanhada que só face às exigências do Mundo.
Tú lloras por malcasada,
yo porque te conocí,
si has de tener amado
señora, tomes a mí.
e muito menos, nunca por nunca
...Putas viejas de Porcuna
de esas munchas conocí,
pero sin duda ninguna
de entre todas soys vos una
de las más lindas que vi.
"Santa Librada, Santa Librada
Que la salida sea tan dulce
como la entrada".
Juntará as suas palavras indignadas, agora em facebook, à pena de pato das 27000 cartas que em 1888 responderam a Mona Caird,
a desbocada que no Daily Telegraph, se lembrou de contestar o destino de malcasadas e outras de ajuntamento sem lei nem roque através de um rasgão no fatal faduncho, chamando-lhe divórcio, como se fosse possível mulher de jeito fazer-se ao caminho da felicidade.
Sabe-se que quem nasceu da costela não pode crescer-se corpo inteiro e que tais desvarios são próprios de aristocratas, burgueses, artistas e demais gente de folhetos e folhetins como nos filmes, na Caras, na Nova Gente e na Tv Guia.
Salvam-se, assim, carnes e mármores. Que sempre existiram e sempre hão-de existir. Sem sobressaltos.
Desta vez, enquanto arregaçava a manga e virava a cara para o lado, não me socorri da memória de uma frase musical de Bach ou Purcell ou outro a quem encostasse o medo.
apelidado de Perseguição, a que Amália de voz segura, teve o bom senso, segundo me lembro de ter ouvido dizer em criança, de retirar a última estrofe:
Se de mim nada consegues
Não sei porque me persegues
Constantemente na rua;
Saber bem que sou casada
Que fui sempre dedicada
E que não posso ser tua
Lá porque és rico e elegante
Queres que eu seja tua amante
Por capricho, ou presunção
Eu tenho um marido pobre
Que possui a alma nobre
E é toda a minha paixão
Rasguei as cartas sem ler
E nunca quis receber
Jóias ou flores que trouxesses
Não me vendo nem me dou
Pois já dei tudo o que sou
Com o amor que não conheces
Como sentinela alerta
Noite e dia sempre esperta
Na posição de sentido
Eu sou, a todo o instante
Sentinela vigilante
Da honra do meu marido
Não se esqueça de pôr gelo no braço.
Sim, Srª Enfermeira e
muito menos no Tempo.
Obrigada e bom dia!