segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Retratos


E é nas noites interrompidas, quando o tempo do relógio se faz apressado nas horas furtadas aos sonhos de dentro, que fora me surgem metáforas de segredos que guardo em formas. Simples como os amores que se guardam despojados de toda a maquilhagem da paixão.Formas como músicas ouvidas em silêncio.
Fazes-me lembrar um sapato perdido, num dia de chuva. Não sei se corrias, se choravas, se tinhas a alma encharcada em gritos ou se te rias das visões com que te cubro os dias na distância. Como um manto, dizes tu, um manto que te alimenta os cantos de alegria louca e sem sentido. Não sei. Mas, nessa tua corrida de horas breves, lá me vais empurrando para o que sempre estive longe de saber.


E tu, tens uma escada sem fim.A escada que te leva aos sonhos por sonhar e são sempre tantos e tão novos. Ou tão sem idade. Sonhos restaurados em cada encontro, de face tão nova como se acabasse de ser descoberta. Perco-te de vista nuns degraus que já flutuam no futuro, sem direcção que se adivinhe. Sei lá se é assim...mas imagino-te nos olhos um pensamento endiabrado,filho da solidão. A solidão é a mãe dos sonhadores. Aquela que corre nas veias como um fado sempre por compor. Aquele em que falta sempre o último verso,escrito para além de todos os traços.



E agora tu, alma guardada a sete chaves numa casa simples sem portas nem janelas por onde se espreite. Faço-te a radiografia duma forma pouco científica, porque a intuição não tem método nem sistema. Vem dos subterrãneos do empirismo. E, na casa, vejo-te uma nuvem azul já mal contida, a extravasar o degredo. Rompe-te o tecto, por uma ínfima brecha que não suspeitas. Esse brilho infantil nos olhos morenos que te trai. Sei lá se to recolho...sei lá se essa fuga que vejo ao cimo de ti, essa aurélula viajante para os consfins do tempo és tu. Essa música irrequieta.Alma sustentada pelos poemas escritos na água. Não sei...só sei que te vejo no cabelo solto a vontade de ser criança.


Como os traços simples, feitos por arremesso, que guardo nas noites em que me esqueço de pôr ordem nos pensamentos.

(Dedicado aos mestres en el arte de bem empurrar a toda a sela.Wellcome).

4 comentários:

Anónimo disse...

Comovido!!!

Chegou-me aos ouvidos que a versão final ficou um espanto...

Os outros, bem gostava de saber quem são...!


E olha, deves ter insónias a toda a hora! Bolas!

Abraço


João

Lizzie disse...

Deixa de ser coscuvilheiro!
Puxa pela cabeça e chegas lá. E daí talvez não...
1mx1,20.Com gesso e outros segredos do ofício onde entra a culinária.À maneira do séc.XVII mais umas invenções.Se entrarem lá ratos comem-no.Ao lanche.
Eu gostava era de ter insónias durante o dia.Para andar espevitada.Assim modalidade executiva sempre alerta na gestão da vidinha. Ai credo,também não tanto...

Beijinho sonolento

ahhhhh, perdão!

(sabes a reza para o quebranto?)

nnannarella disse...

quebranto de beleza ?...


Não, eu cá não sei. E mesmo se a soubesse não a articularia, para não o dissolver.
Há quebrantos onde vale a pena criar raízes.


Suponho que são os teus quadros.
E é com imensa emoção que os olho, naquele azul de ciprestes, a mezza voce.
E depois com eles na cabeça ouço a perícia lírica dos retratos.


Lembro-me de (outros) títulos. A stair in your mind. On a deep night we can see forever. De quien son las sonrisas qué me trae el mar? I'm looking at the window of your soul...


É cruel ter de sair para a barafunda e para o cheiro enjoativo que esta manhã paira sobre Lisboa.

Ciprestes e ciprestes sem fôlego deles.

Lizzie disse...

Ó meu Anjo retraído na balbúrdia citadina, quão mal cheira hoje Lisboa que até me faz lembrar algum cheiro novaiorquino em tempos esforçados da Martha.Talvez seja a humidade a salientar o lado podre que em sol se esconde.

Pois que são meus, são. Mas não são quadros. Estes são apenas ideias muito rápidas que registo num caderno com papel trabalhado por mim. Se não fizer registo rápido depois esqueço-me. Do caderno escolho(ou dou a escolher) alguns que depois são expressos noutros materiais sempre tendo em conta a experimentação contemporãnea e os saberes antigos.O presente faz-se de história.Já me aconteceu um crítico botar sentença sobre os materiais e eu e quem assistiu à feitura estarmos a rir solto por dentro. Tanta presunção para tanto erro.Esquecem-se dos artífices.Aquela gente de saber imenso mas tímido e calado.Sem vaidade no intelecto.Aprende-se tanta coisa com eles...

Que o dia te seja leve.

Mãos e mãos