sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ela


Acendo o cigarro e de xaile traçado vou fumá-lo debaixo da branca luz do candeeiro do céu, que ali é sítio onde as da terra não lhe ofuscam o brilho. Pode dar-se ao luxo de espalhar sombras azuladas nos intervalos da folhagem, brilhante dança de fantasmas na brisa nocturna.

E lembrei-me Dela, a que tem os pensamentos viajantes, à medida do mesmo céu, água que não pára nos sonhos verdejantes.

Faz-me lembrar sempre um avião de papel lançado de e para o breu do que não conhece. Destino trágico que convida ao riso, essa secreta arma contra a tristeza e que tantas vezes a denuncia. Quase apanhada em flagrante desgosto.







Longas são as conversas ao telefone noite dentro. Duas palhaças maquilhadas de ironia e riso, que é esse o destino de quem faz o luto da vida para que não nasceu. De tudo falamos como se fossemos outras que não nós, nessa limpidez de espelho que o correr dos anos limpou. Às vezes Ela tem a crueza do descaro, tão nua que se olha. E rimo-nos. Parecemos duas damas almodovarianas, assim nos imagino, sentadas no cabeleireiro, rolos na cabeça e manicure no polimento das unhas. E daí talvez não: somos senhoras de cabelo desordenado e solto. A bem dizer.

Muito falamos de amores e desamores em fundo de universo com o futuro ao fundo, corações brancos partidos, gotosos. O Dela sempre branco, a mais completa das cores, a que sempre espera pigmento novo que lhe realce a alvura, que a preencha. Toda a gente precisa de chão por mais flutuante que goste dele e, nem Ela consegue viver em permanente suspensão. Digo eu, que ando sempre com os pés sujos de terra.




Às tantas diz-me: vou fumar mais um cigarro e depois desligo e ainda tardará para que eu lhe pergunte se o cigarro tem vinte metros. E mais gargalhadas afoitas com aquela sua infantilidade de vida cheia, de talento, de revolta, de nojo, de esperança. O artisticamente patético da sua personagem favorita, quem diria...


Stabat Mater Dolorosa, com voz funda e solene, numa comédia dramática. Que lhe sejam longos os actos. Tem artes de estender as histórias.

Desliga!

Até amanhã!

10 comentários:

Emma Larbos disse...

Às vezes o aviãozinho de papel é apanhado por uma lufada de vento e voa contente por entre as nuvens. Quando por aí anda ganha alma de borboleta barroca e voa directamente ao sol, a chamuscar as asas. Outras vezes os ventos estão contrários e aterra de nariz no chão, a fuselagem amachucada e as asas sujas de lama. Mas por pouco tempo. É especialista em levantar-se depressa, sacudir as asas para afastar o pó e voar de novo cantarolando.
Gosto de pensar que Ela existe!

Anónimo disse...

http://meinem-lied.blogspot.com/2007/10/mulher-assume-um-papel-fundamental-ins.html







...até já.

-pirata-vermelho- disse...

A abertura
http://www.youtube.com/watch?v=mNt13Vw-K6Q
e
o final
http://www.youtube.com/watch?v=882PtzaDjLw

Não podia ser mais bonito...

-pirata-vermelho- disse...

Ou...

o mais operático Rossini http://www.youtube.com/watch?v=Xd_0fmTHb6I

-pirata-vermelho- disse...

(Um despacho-desabafo...
já que é difícil 'chegar a si' e que não sei como lhe dar pintura!)

Anónimo disse...

Que inveja!
Como gostaria de passar horas a falar consigo!
Com essa calma e segurança que transmite.
Olhar no fundo dos seus olhos, como gosto de olhar.

Um beijo que queria longo, longo.


P.

nnannarella disse...

Quão mais belas são estas pinturas murais delidas pelo tempo.


Invejáveis soys, sim. Ela e tu, senhora deste embarcadoiro, d'oiro mesmo, donde zarpamos para as mais ternas e quentes paisagens humanas.


E assim me deixo estirada, sob este luar branco de saudade, profanando o ar da manhã com mais um cigarro.



Muralhas da China deles.

Lizzie disse...

Também eu, Mi Emma, também eu! E que bom que é ver um aviãozinho andar ás voltas no céu, com o poder de ressuscitar em cada voo mal parado.


Agora vou ali a uns sítios...mas antes


P.
Também gosto de conversar consigo, mas devo dizer-lhe,como tantas vezes já disse, que sou uma pessoa normal, com fraquezas e fortalezas como o comum dos mortais. Não tenho o dom de acalmar o mundo, antes tivesse. Talvez tenha alguma segurança, naquilo em que a vida me ensinou os perigos.

Um abraço



Ó pirata,hoje estou um bocado lerda por via justamente das pinturas e confesso que não percebi esse desabafo-despacho.



Meu Anjo, profanemos pois este ar fresco da manhã com mais vários cigarros, que tu não és mulher com quem tenha vontade de conversa curta. Estiremo-nos,como índias, a ver o que desenha no astro o fumo que nos tráz o vício.
Este que agora de mim agora saiu, pintou espirais e espirais deles

Lizzie disse...

a.
Pirata:

eu bem tentei as vossas indicações mas não consegui lá chegar, que raio de geringonça esta que me diz que não está acessível. vou ver se consigo por outras vias.

De qualquer forma obrigada.

Anónimo disse...

hummmmmm... estranho. eu
consigo abrir.




enfim... nada de especial, apenas
uma [Ela], grande grande... del alma mia.


:)