segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Anda Pacheco!


Ai meu Deus, minha Nossa Senhora, valha-me Stº Antoninho de braço dado com a Nossa Senhora de Guadalupe que eu leio o relato lá no Breve Viário de Mi Emma Larbos, e me lembro da noite em que fui aos fados e em que eu e, quem ao meu lado estava, fomos chamadas de Marretas , somos lá nós de bigode farfalhudo e carecas . Nem um nó de gravata sei fazer.

Então cá afino a tecla e pigarreio para que se aclare a prosa. Cá vai, anda Pacheco!

Depois de mirar com olhos nocturnos, montada indevidamente estacionada, o Chafariz del Rey, por estreitezas subimos, quais fidalgos embuçados até antro de mesa corrida, que não há cá aquela mania inventada pelos ingleses de mesas só p´ra dois. Ali tem-se conversa aberta. A família não tem segredos.

E sai tinto e pastelhinho navegado em arroz, ai fígado desculpa lá, que isto até sabe bem.

Apagam-se as luzes, fica-se na semi obscuridade, luz que convém ao canto dos amores travessos e das dedicatórias às mães. E logo ao meu lado se comenta que o apresentador tem ar de D´Artagnan, tal é o bigode e a mosca, e mais penso eu que tal modelagem dos músculos das costas ou vem da estiva ou dos cabazes de peixe. Tanto uma coisa como outra dão fortaleza à autoridade.

Segue-se dama que compõe o xaile branco que para outras havia de servir, notámos nós na continuação da marretice. São melhores as mulheres que os homens naquela lide, têm mais Lisboa no canto , na pose e na idade com que a vida lhes esculpiu as rugas.





E até podía ser esta senhora ,que se chama Susete, mas não era, mas podia ser e dá uma ideia do quadro.
Chega um homem grávido de dez meses com cara redonda, vários fios de ouro ao pescoço com corno para afastar o mau-olhado, anéis e pulseiras sem faltar o brinco, com ditos de ruborizar a assistência e lá canta: ah boca linda gritam os pares, menos um que está atrás de mim e face a cada actuação diz para a parceira que faria muito melhor. Pareceu-me ver-lhe crescer uma crista na cabeça. A ele e a muitos outros. Homem é homem.

Faz-se intervalo, acendem-se as luzes e lá se vai a nossa beleza à luz da vela. Diz a menina que está à minha frente, bonita com ar de modelo fotográfico francês, mesmo debaixo daquela luz crua, ditosa mãe que tal filha engendrou, que parecemos os Marretas. Não há nada que nos escape, nem trajes nem feições nem trejeitos, vai tudo a direito, o que vale é que falamos baixo, se não, suspeito, o Rolex da Feira da Ladra do ouvinte ao lado, já estaria tatuado nas nossas rosadas e finórias bochechas há que séculos.

A marretice excitou-se quando uma velhina seca de carnes e de voz, canta os fados contaminados de flamenco tal era a agitação de braços e mãos como se estivesse a apanhar moscas imaginárias e tantas eram, valha-me Santo Estevão, que até já eu as via na minha vista um bocadinho turva, diga-se em abono da verdade. Viva o Porto, ouvia-se à chegada de mais um jarro de tinto acompanhado de uma estranhíssima dança de cabeça para trás e para a frente, olha lá que ainda bates no homem atrás de ti, coisa pouca comparada com o derrame do elixir da boa sorte na mesa.

Ouviu-se o Barco Negro, a Lágrima que pôs a outra Marreta a ver a Amália aos pulos na Panteão,dali não muito distante, a Travessa da Palha, um dos meus preferidos e por aí fora.
Agora tenho que sair a correr mas ainda digo quetodos valeram a pena, porque cada um faz da ilusão daquilo que é uns minutos de sonho, com Lisboa dentro, a Lisboa que se recusa a morrer, embrulhada numa mortalha de futuro sem memória de passado. Eles não sabem nada de dança e eu não sei nada das vidas que lhes torceram a voz. Sei lá que rio lhes lhes corre no sangue.


Só mais um gole para o caminho.

22 comentários:

nnannarella disse...

Ah meu Arcanjo pecador, ah tecla linda!, diz-me lá onde encontraste a fotografia da Susete, com o Andy Warhol a dedilhar a guitarra em plano de fundo ? Que rara preciosidade. Alguma negociata de contrabando numa estreiteza do bairro, ao virar do candeeiro de esquina ?

Pois a ligeira amnésia provocada pela pomada, e a pesada generosidade da Hidra que não quis falar muito no caso, fizeram-me esquecer que na verdade foram as Marretas que deram início ao desfile de pecadilhos noite fora. Bem me lembraste agora de como elas se entregaram a uma cumplicidade desenfreada e contagiante...:)

Mas qu'importa lá isso ? Não há ele então tanto desatino nas esbórnias fadistas ?

Proponho que em próxima noite de fadistage e para nossa redenção, vaiamos, Irmanas, em procissão descalça e calada, à igreja de Sant'Estêvão, que é bem lá nas alturas!


estreitezas e estreitezas !...

-pirata-vermelho- disse...

"minutos de sonho, com Lisboa dentro, a Lisboa que se recusa a morrer, embrulhada numa mortalha de futuro sem memória de passado."
Assim bem a diz, a cidade que resta, onde nasci; onde se vive sem saber cantar,
ond'o dançar será pra si o que pra mim foi fado d'animar.

-pirata-vermelho- disse...

Dá cá o braço, nnannarella e anda ouvir 'isto'
http://www.youtube.com/watch?v=MulFiklpnbM


(fech'os olhos ao vestidinho e ao palco)

Anónimo disse...

(...)ah tecla linda!, diz-me lá onde encontraste a fotografia da Susete, com o Andy Warhol a dedilhar a guitarra(...)







...e a boa da gargalhada, minha!


ahhhhmoresmigos!!!!

:))

-pirata-vermelho- disse...

(desculp'a insistência mas já que estamos em maré d'espectáculo e de fadistas bonitas...)

http://www.youtube.com/watch?v=M6bX4e-9ivM

Emma Larbos disse...

Ai Lizzie, que já diziam os romanos "In vino, veritas", que é como quem diz "Não conhecerás a tua alma enquanto não beberes dois jarros do bom tinto de Alfama!". Que sabedoria, a dos romanos! Quem sabe se o líquido da verdade não traz à tona da boca os farfalhudos bigodes e as calvícies da alma?
A mim, os Marretas sempre me encantaram, não só porque não levavam a vida demasiado a sério (exercício saudável que convém praticar de vez em quando) como porque também se riam de si próprios, qualidade rara de muito poucos.
Eu estou com a Nnanna: para a próxima a igreja de Santo Estêvão não escapa!

Anónimo disse...

Pela tua narrativa tão visual percebe-se logo o caos que reinava na nossa mesa. Apesar de que era coisa que não me contentasse, mas eu sozinha que podia fazer contra os vossos ânimos infantis exaltados. Foi de facto uma noite muito triste. Vocês não são pessoas respeitadoras do fado e das gentes populares. De facto foi... foi... uma vergonha. Não vos quero ver mais. Não bato mais convosco àquela porta. Lá porque dizes que pareço uma modelo fotográfica francesa não penses que te redimes. Adeus.Vou voltar para o meu barco. Vocês são todas feias!



Hidra de Lerna

Lizzie disse...

Ai Meu Anjo que gargalhada que eu dei! "Até amanhã", que é sisudo, muito para mim olhou e ainda mais me ri.
E não sabes tu que o viola era parecido com o Sócrates, mas sem jogging matinal, pois quem o faz não engravida e aquele devia ir pelos 6 meses de gémeos.
A Susete canta na Bica e manda com cada agudo que não há escala que aguente.Assim uma espécie de Beatriz da Conceição esganiçada.Ouvi quando fui à Bica com as flausinas das espanholas e cantou um dos meus fados antigos preferidos: "Minha mãe foi cigarreira". Comovente.Ao Andy, um tique faz-lhe descair a beiça a certos acordes e admirei o cachucho aristocrático com as armas da Rua da Madalena. Também podia ser da Calçada do Combro.
Se não te importares em vez de ir descalça levo a meia elástica no pé esquerdo debruada a oiro com corno e mão de figa pendurada, não vá o diabo tecê-las.

Já venho.

Lizzie disse...

Ó Pirata, na minha Lisboa, mesmo dentro de casa, sempre se ouviu fado em todos os tons. Foi muito rápida a perda de pregões e vendas avulso na rua, cá para mim muito ligadas ao fado, à mitologia da cidade portuária. Noutras por onde andei nunca vi tanta história do género. Ainda há uma loja de tecidos na Rua dos Fanqueiros onde é uma delícia ouvir "faça a fineza", V. exª deseja?, apresento-lhe aqui um extraórdinário pano crú, tecido nas magníficas terras de África, tome-lhe a Srª o jeito, sinta-lhe a macieza...".Sabe o homem octogenário de farto capachinho preto mais daquilo do que alguns estilistas a quem já ouvi conversa.

E então vamos lá aos fadunchos do Tube, se conseguir, que a inssistência não me cansa.

Lizzie disse...

a.
ainda bem que te riste, e não viste tu o resto. Havias de estar toda dobradinha. Já não há juízo, e quanto mais velhas pior.

Lizzie disse...

Mi Emma, por via dos toques de telefone isto vai aos bochechos.
Os Marretas sempre foram amor de estimação por tudo isso que dizes. Brincar com coisas sérias é a melhor forma, às vezes, de as resolver, desde que com isso não se ataque a dignidade nem sentimentos e


Minha Sobrinha Hidra, ESTOU FARTA DE SER ADULTA, quando chegares à minha idade vais ficar como nós, como tua SANTA MÃE, coitadinha, que desde já lhe dedico esta prosa,

Silêncio que estou a prosar,

e não houve ali faltas de respeito de espécie alguma, ou muito poucas,que pensas tu, ó marmanja? E é verdade que pareces uma modelo francesa tipo Ines de la Fressange, (deve estar mal escrito mas o meu fígado ainda não se curou de todo e agrava-me os erros).
Não vais nada para o barco, que demasiado bacalhau te faz mal à saúde, vens mas é à penitência fiscalizar os actos e a ingestão do sagrado sangue, purificador de almas e desvarios.

Anda lá ó freguesa, ó carinha linda

Anónimo disse...

Mas graça nan vos falta, nan senhori. Leva tempo ler tudo e pensar no que se pode dizer que não pareça redundante.Ri-me muito e é o que interessa.Eu é que agradeço!

Haddock disse...

a gaguês apodera-se de nós ao ler-vos... vos-vos (a todas vós!!).
um mimo!!!

perguntamo-nos apenas como conseguistes não ser todas expulsas do tasco!!

(já se adivinha quem vaiou o armando, zombou do xaile da afim da susete e ria baixinho dos marialvas...)

-pirata-vermelho- disse...

... qu'o tinto tem que ser do Cartaxo, do melhor! q'vinha na fragata, rio aba'xo, sim senhor...


(mas nisso não há 'tubes' que nos valham)

-pirata-vermelho- disse...

E afirmo! que s'um dia voltar à Rua dos Fanqueiros, deixo uma garrafa do meu no senhor da retrosaria, a si destinada e depois informo.
(S'ele fizer o obséquio... claro)

Lizzie disse...

Pois fadista ria-se vocemecê à vontadi e bote o que lhe vier à realíssíma cabeça qu´a qui ninguêm leva bons ditos a mali.

tal éí a moenga da ridundância ou lá qué isso quê nunca óvi falari...

Lizzie disse...

Ai Capitão Haddock, gagueije à vontade , assim como o Tristão da Silva, que coitadinho nunca entrou no teatro por via disso.
Gosto de o ter aqui e olhe que até tenho paciência para gagos, quando demoram muito até vou pensando noutras coisas.

E Senhor Meu, não nos deram corrida de tal antro por sermos formosas e da fidalguia e com tal proximidade de sangues que desculpa a plebe tais desaforos, coitadinhas das nobres senhoras, que lhes deram soltura dos degredos,e mais basta "sigurança" que de espada em punho nunca permitiria que se lesassem as ébrias majestades.
Piores estavam os esposos, às escuras, na casa da Mariquinhas...

Lizzie disse...

Pois Pirata, conheço o do Cartaxo, aquele que deixa rastro no copo esvaziado.
Já agora se não se importar, leve também uns copitos ao extraórdinário retrosista.É anti-oxidante e até o imagino a toma-los em frente à televisão, guardanapo preso na eterna gravata, para não sujar o colete, enquanto o Paulo Bento fala do jogo. Repare que na lapela, tem emblema, agora chamado pin, do clube dos leões.

-pirata-vermelho- disse...

Paulo bent... qual?!
O VI?

Bentíssimo Defunctis por Graça de Pai e Filho e beneplácito do Divino Espírito http://www.youtube.com/watch?v=3yfKSgOw330

-pirata-vermelho- disse...

Depois pensei (coisa de crent'incipiente ou de crédulo inocente) 'Ela enganou-se'

É
Papa Bento...
O XVI!


Sagradíssimo por Graça de Pai e Filho e beneplácito do Divino Espírito

-pirata-vermelho- disse...

Agora,
o Papa Bento d'emblema!?


Naquela estranha fatiota qu'ele usa?

nnannarella disse...

Este Padre Vermelho, digo Poeta Vermelho, digo, Pirata Vermelho é uma bela caixinha de surpresas, não é, irmanas ?

Também deves ser meio Previdente, digo, Vidente, pois que o "dá-me o braço anda daí" costuma acompanhar-me as esbórnias cantadas, pelas calçadas. Gostei muito de apreciar as belas fadistas, mesmo que o vestido arroxeado e adejante da primeira me tenha desconcertadamente lembrado a paixão de Cristo em Sevilha, sem capuzes mas com decotes.

Pois então está combinado irmanas que adespois d'irmos a Sant'Estevão vamos à Bica, qu'estou morta por ouvir a Suseti mailo Andi, que não Garcia. E a ver se levamos o MorAmigo, para que se ria mesmo mesmo, ao vivo e a sons!

E ódespois meu esbelto Arcanjo, tens de me dar a conhecer esse fado da minha mãe minha que foi cigarreira e levar-me a ouvir as cortesias do senhor da loja na Rua dos Fanqueiros.




(E aqui entre nós, Serafim do Tejo, aquela do Tristão da Silva não fui eu que te contei ?... uhm uhm )