segunda-feira, 24 de setembro de 2007

"Silencio, no hay banda."


" O silencio não tem limites, os limites são impostos pela palavra."
Não gosto de elogios fúnebres. São, às vezes, a ante-cãmara para o esquecimento, outras vezes servem para lavar as consciências do que se foi esquecendo.
Mas ele era a Arte do corpo, mimo e pantomimo, criou Bip, a figura que passeava o cão imaginário na rua, a que oferecia flores a uma Columbina altiva e, por vezes condescendente na tristeza dos amores. Pelos seus gestos adivinhava-se o dispor da dama, num palco forrado de preto. Arlequin adorador de fantasmas.

Uma das Artes da minha paixão. Que nasceu na Ásia e só no sec.XVI, em Itália, tomou o nome da comedia dell´arte: Pierrot, Columbina e Arlequin, máscaras de silêncio. Em Inglaterra desenvolveu-se esta forma "simples" de representar o mundo, diz-se hoje que é uma forma de teatro visual. Pantomima. Falar do mundo com gestos, movimentos,expressões.

Ele, Marcel Marceau, vivia fascinado pelo vagabundo Charlot. Pelo triste e expressivo Buster Keaton, pelo cinema mudo. Aquele em que cada fibra do corpo conta uma história, em que cada músculo da cara denuncia um sentimento. A face é uma tela em que cada espectador vê os deus desaires, amores, alegrias com muita...surpresa. Falam as sobrancelhas, essa parte tão esquecida. A testa deixa de ser a janela métrica da inteligência, passa a ser uma janela de emoções. Ele assim foi descobrindo, lá na escola de Sarah Bernard. Desde pequeno que, com gestos, imitava pássaros, árvores, ondas e tudo o que do movimento faz vida. Dentro e fora do corpo. Como disse um dia num workshop em Madrid, é preciso levar a Arte ao essencial. E os bailarinos, primos muito estreitos dos mimos, têm que escolher: ou a palavra ou a exclusividade do corpo. Diz-me a evolução que pode não ser bem assim, mas era a opinião dele. O primado do corpo e os seus segredos.

Mas, durante dois dias, aprendemos a olhar melhor, observando-lhe o corpo magro sem as máscaras brancas. Aprendemos-lhe a dificuldade dos gestos aparentemente simples. As mãos, o poder das mãos em que cada dedo é personagem autónoma na liça. A capacidade de desarticular o corpo parado projectando a ilusão do movimento.

E é preciso orientar o rosto para os segredos da alma.

E era rigoroso a aspirar o que sentia do mundo. E era leve mesmo no transpirar da tragédia. A que pela vida lhe foi passando, como a todos os palaços tristes.


Agora parece dizer, olhem acabou...já não tenho corpo

porque se gastou como já estava gasto, deformado mas tão talentoso, em Madrid, há quatro anos. Parecia um corpo arrependido.

Foi, não sei para onde, com olhos de todas as idades pôr um dedo em frente à boca, levantar as sobrancelhas desenhadas na testa e com o corpo tombado para a frente mimar a vida, em silêncio, face ao sorriso dos deuses intemporais.

Pardon, Madames et Monsieurs je ne suis qu´un pauvre clown. Au revoir.


Os meus cumprimentos à sua amiga Edith Piaf. Bravo,bravo...

e já agora, quem lhe quiser ver os filhos em Lisboa, pode passar pela Rua Augusta. De vez enquando poisam por lá, de cesto para moedas, ao fundo do corpo. Em eterno ensaio.

4 comentários:

Lizzie disse...

E em adenda mais digo, lembrei-me agora, que na pantomima são admitidas palavras, música e dança e, se bem a minha curiosidade se lembra, já existia na Grécia e em Roma.Era trabalho de bufão e bobo, sobretudo de rua. Parece que mais tarde a Igreja não achou graça a tantas entrelinhas.É uma forma ligeira de teatro popular.
A mimica é o culto do gesto-movimento-expressão em silêncio e sem adereços de espécie alguma. Um copo imagina-se,não se tem. Marcel Marceau mimou utilizando música.Desculpem-me os puristas mas cá para mim está, no essencial, mais perto da dança.Globalmente considerada,é claro.

A. disse...

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como.vida, Eli.

1beijinho. meu.

nnannarella disse...

Incomparável Lizzie.
Que todos os bons deuses doidos te abençoem e te mantenham ponte e arco-íris.
Gosto de me sentar num banco, debaixo dos teus arcos e aprender as ensinanças e danças das tuas cores.
Manhã feliz, de ler tão alto mimo ao Mimo. Tão lírico incêncio até faz esquecer palhaços e palcos tristes...

Folhas e folhas e folhas bailarinas deles.

Lizzie disse...

Ai meu Anjo que um dia em que os meus deuses tomarem o juízo de uma respeitável instituição eu morro. Com eles.
E, podes crer que os palhaços são quase sempre pessoas tristes. Talvez por estarem fartos de tanto riso."Em casa de ferreiro espeto de pau". Sei lá...
Lembram-me sempre amores contrariados,não atendidos ou correspondidos, enfim, tudo o que uma boa dose de maquilhagem possa esconder. Será que a alma também se maquilha?

Deuses e deuses deles.