segunda-feira, 17 de setembro de 2007

o silêncio dos segredos



Não sei se o mar a ofereceu se se esqueceu dela quando entornou as vagas para o outro lado do mundo. Mas ficou ali à minha frente, junto aos pés, deitada, enorme e solta na areia , acompanhada de outras reminescências de um mar selvagem.

Peguei-lhe ontem já noite escura, enquanto bebia o chá de jasmim e ouvia o Bernardo Sassetti, que tem piano de notas doces como gotas de água em chão de astro lacrimoso. Peguei-lhe de mansinho, tomei-lhe a forma perfeita na palma, transferia-a de uma mão para a outra, passei a ponta dos dedos pelas estrias, vi-lhe o vazio na transparência. Tive o impulso de a abrir com o canivete. Mas não cometi tal indiscrição. Lembrei-me da lenda escocesa, da velha bruxa ruiva que tinha uma caixa fechada. Quem a violasse soltaria os segredos e começaria a guerra entre os clãs; lembrei-me do conto infantil judaico que ensina os meninos a guardarem os segredos alheios como pérolas de valor sem fim, numa caixa, dentro do coração; lembrei-me da old cousin Alice - de que um dia hei-de falar - que me disse do alto da sua experiência e sabedoria que uma pessoa é tanto mais rica quanto maior forem os segredos sem julgamento nem extravio que guardar dentro do peito, e, finalmente lembrei-me da caixa de Pandora. Se a abrisse sei lá quantas maldades se espalhariam pelo mundo, podia-lhe até fugir o fundo da esperança. Sei lá...

Por isso limitei-me a colocá-la num suporte sem a ferir. Uma questão de respeito pela memória dela e da água, fonte de silêncios preciosos.


Transportei-a para a beira da cama, deitei-me, agora já ao som da lavagem da terra

Ou é impressão minha ou me segredou nos sonhos rosas e histórias de encantar. Lá dos confins dos imensos segredos por revelar.

8 comentários:

Emma Larbos disse...

A coisa mais interessante sobre os segredos é sabermos porque é que são segredo. E uma das coisas mais emocionantes que há é descobrir segredos. Confesso, Lizzie, que sou uma bisbilhoteira desavergonhada. Adoro segredos. Perante uma caixa fechada, não resisto e abro. Arrisco as maldades de Pandora.
Ah!... mas abro devagarinho, fazendo festas com a ponta dos dedos. Facas nunca!
Agora que já confessei um pecado, vou-me, desejando que o seu búzio se abra sozinho, e lhe revele praticamente tudo.

Lizzie disse...

Ai Caríssima Emma que já somos duas. Diria mesmo que sou toupeira porque nos segredos estão tantas e tantas vezes as causas das coisas. Às vezes até me bisbilhoteio a mim.
Também espero que a concha se abra sózinha e me sussurre ao ouvido o que eu espero que me diga porque os sonhos, esses são falíveis.A seguir, entre chamadas telefónicas como é costume, vou falar de um.

Anónimo disse...

sorte, a dessa concha... Pelos vistos são doces os segredos que guarda.
há segredos que se contam que são veneno que se injecta. Segredos que matam quem os escutou; morre, se os conta, com vergonha de si mesma; morre, se não os conta, tal o amargo que causam na boca e no peito.

Anónimo disse...

contar algo e pedir segredo é uma das manifestações mais graves de egoísmo que conheço - isto, porque eu, quando mos contam, guardo. Aliás, quando mos contavam, guardava. Hoje tenho uma válvula anti-segredos, nos ouvidos e no peito.
fio de voz

Lizzie disse...

Anónimo:

Nem sei que lhe diga! Os que a concha deixou fugir olhe, são secretos. Seria traição se os contasse.

E tem razão: há segredos que cortam como facas contra o peito. Mas mantêm-se a compostura enquanto a hemorragia do desgosto não se cansa. De qualquer forma continuo mais a ouvi-los que a contá-los, os meus é claro, e quando me pedem para os calar, não acho que seja egoísmo, acho que é uma forma de segurança como quem volta atrás para ver se a porta ficou bem fechada.

E não me parece que a sua voz seja de fio. Faz-me até lembrar a Callas dos dias tristes, tem o som de um lamento.
Boa tarde para si.

Anónimo disse...

a imagem do seu primeiro parágrafo é irrepetível! obrigada
grão de areia
fáisca
fzt!

Lizzie disse...

Relãmpago:

Mais uma vez obrigada.A continuar com este rubor ainda parece que estou em processo de erupção electrica.
Coitadinho do grão de areia junto com faísca. Vá lá,tire-o que ainda fica carbonizado.
Ploc,ploc,ploc

nnannarella disse...

Eu de gin tónico e barcarole de de Offenbach oiço melhor os segredos.


Ah Lizzie. Noite D.O.C.
Bem tinta de prazer.
Em pontas de ler... :)





mil barcarolas deles