quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Nothing




Telefona-me e conta-me como foi. Muita, muita gente e uma senhora esgrouviada no meio. Muito magra, de olhar errante sem poisar em sítio fixo porque o mundo lhe é grande. Mundo duplicado, triplicado, multiplicado em que cada coisa tem mil histórias por abrir. Achou-a simpática até no gesto de juntar as mãos no peito como quem guarda o que nunca se inventou. Achou-a deliciosamente infantil nas gargalhadas inesperadas. No falar aos arranques,às vezes sem sentido nem travão. Uma Peter Pan que recusa o morrer do dia a dia utilizando como influências gente que no dia a dia olhou a morte de frente e, ou, a cultivou: Goya, Rivera, Velazquez, Balthus, começando pelos caricaturistas alemães, esses bobos do traço, e por outro, por quem temos ternura comum, o niño Miró.

E eu sei que o atelier em Londres é um quarto de brinquedos, cheio de risos travestidos de tragédia. E sei que tem paixão pelos folhos dos trajes de flamenco, outro envólucro de dramas. E tantos objectos anónimos que lhe expandem a imaginação delirante. São os adereços de quem sente a vida por dentro. Qualidade rara. Olha de olhos imensos as perversões, as perdas,humilhações,solidão. Ela sabe que o sofrimento torna as mulheres e os homens amargos, com traços duros, longe da placidez das suavidades gregas. A geometria da vida não tem as curvas e as arestas limadas. A vida é esquinada.

Enquanto tratou do marido, vítima de morte lenta, fez colagens metafóricas. Não tinha tempo para pintar. Eram seres que vomitavam mais depressa do que engoliam. Perversos e alarves como um deus autista a olhar a criação.

Nasceu em Portugal, Portugal deitou-a fora (tem essa especialidade) e por amor fez-se inglesa e é Espanha que plenamente a celebra na Madrid que ela tanto gosta. Durante todo o dia foram dando na televisão, lá, imagens dela, dos quadros. Explicações. Foi dizendo que gosta de Portugal, que trabalha a ouvir fado.

Chego a casa, aqui em Portugal, vejo, enquanto janto, o telejornal e nem uma imagem da festa. Algures ouvi uma srª ministra dizer que já se mostrou em Serralves alguma coisa, que não é preciso mais.



Não é preciso mais que a irreverência, o continuar a criar, a brincar, a existir. O gostar ou não da obra é uma questão particular. Mas o mérito fica lá. No riso teimoso

de uma aventura ainda por acabar. Com muita história por descobrir.

Era uma vez um corvo que seduziu uma menina que morava num andaime e tinha um pai coxo com crista de galo e mãos de peluche com o nariz ao contrário...

8 comentários:

St. J. disse...

Infelizmente, é triste.

Já se mostrou em Serralves alguma coisa...

Também já se fez em Portugal alguma coisa.

E também já se pensou por aqui alguma coisa.

E já se desenhou, construiu e moldou por aqui alguma coisa.

E já se viveu aqui alguma coisa.



Quantas pessoas, podendo, virariam de vez as costas a este nothing?


Não sendo negativo nem pessimista, admito que isto anda tudo com muito mau hálito, tipo cadáver adiado que procria...

Que dinamismo, srª ministra!!!

St. J. disse...

Se pintasse com rasgo, agora mesmo desenhava um penico, altar da cultura.

Até me parece que a integração plena faz cada vez mais sentido. Capital Madrid. País: Ibéria.

Acabavam-se as tretas.

Anónimo disse...

Gostava de assistir a uma conversa entre ti e a Paula Rego...
"Pergunta o despido ao nu porque não te vestes tu?".

Alguma coisa ainda é pior que nothing em fundo preto.
É mais desgraçadinho. Comemos os restos: "para quem é, bacalhau basta!".

Dizem eles...


Um grande abraço!

Anónimo disse...

Olha, faltou o


João

Lizzie disse...

Pois,Xantinho,cá para mim o cadaver já nasceu morto.Sem dinãmica que se veja,porque a dinãmica é coisa contagiosa e lá íamos todos a dizer mal do que não gostamos,ou seja,do corte de cabelo da ministra.
A cultura é uma chatice porque expande os pensamentos,isto é,amplia o sentido crítico.Já dizia o outro que "quanto mais ignorantes mais felizes".Querem a nossa felicidade.
Vendo bem continuamos na era do penico,sim senhor,e os criados são sempre os mesmos para os mesmos amos.
Olhe que os meus espanhóis até são contra a ibéria,acham eles que a língua é diferente mais os usos e costumes mas que a capital está lá,está. Em todos os campos.Vai ver que o D.Sebastião ainda aparece vestido de toureiro com trage comprado no Corte Inglês.Em saldo,que a vida está cara.O Felipe la Féria faz um espectáculo de fórmula corrida no D.Maria II e acaba tudo em bem.
"Com que voz cantarei meu triste fado",acompanhado de castanholas.
Se não fossem compromissos já teria saído do país do nothing outra vez.Refrescar a infiltração do hálito.E a dar erros em português.Enfim...

Lizzie disse...

Já falei uma vez com ela.Mas eu era muito nova e tinha o cabelo pintado de ruivo assanhado e ela achou que tinha ar de escocesa e logo contou,imaginou, uma história de pôr os cabelos em pé.Ela é falou comigo, diga-se em abono da verdade.
Foi no atelier do pai da Gigi,tens alembradura?
Um dia destes vou falar dele.Ando uma coscuvilheira das almas desenfreada.

Joãozinho pequenino, fica lá contente com as migalhinhas,assim gravurazinhas e aguarelinhas mais os livrinhos que compras para os teus filhinhos que quando fores velhinho ficas mortinho e já não vês nem alguma coisinha nem coisinha nenhuma.

Dá mas é cá um abração,com força,porra!

nnannarella disse...

Trabalha a ouvir o fado ?
Só podia...:)

Pois quer queiramos quer não ele dorme no nosso sangue.

A leste de Madrid e dos Eventos ando eu. Também. Não sei de nada. Mas dos profetas que só conseguem irradiar deus fora da sua terra, conheço-lhes alguns percursos.
Rego genial da nossa idade...


muitas machetas, machetas e tantas machetas deles :)

Anónimo disse...

Tenho "alembradura". Vaga.
Conta!




João