segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Ensaio Geral



Esta que tenho aqui à minha frente, com cruxificada cara de segunda feira, resolveu, assim, matar saudades de mim. E ainda há tão pouco tempo a ia visitar entre arrozais, marés e areias.


Disse-me que se lembrou do "Sr. do telejornal" da Carríssima Emma, que imaginou um Anjo Nnanniano sorridente em insurrecta Vespa encosta acima encosta abaixo, que sentiu com força o fatalismo negro do relógio da Passarinho de horas ao contrário como ela, lá do café silencioso no Frémitos, da investigadora de maneiras de aliviar sofrimentos que foi posta na rua e interrompe 4 anos de trabalhos sem horas, da professora que é amiga dela e ensinava os outros professores a entreter as horas mortas dos meninos, porque livros são viagens que não se cansam, a quem foi comunicado que o Estado não tem dinheiro para leituras, nem para pincéis ,nem para músicas nem para danças, e de mais outras coisas que se esforça por esquecer.

Não admira que acorde assim:




Coitadinha!

Eu olho para eles. Começam a chegar em Junho e vão-se embora em Setembro. Nascem desasados, já pesados e tristes.Cheios de medos, com maus deuses a sussurrarem-lhes ao ouvido ameaças de infernos e outras desditas de carbonizar autónomas vontades. Pelo menos a maior parte. Vivem a vida como um ensaio geral para o grande espectáculo da eternidade. Não vão os sonhos tece-las.

Passam um ano a pensar em mim e na minha morada. Chegam com ar de enfado e enfadados continuam. A fazer contas. Lembro-me daqueles homens que leêm o jornal silenciosos. Dos que seguem a rapariga escultural areal fora.Dá-lhes a fúria da perda abdominal. Outros olham para o longe com olhar perdido. As mulheres dão o yogurt aos filhos, massagam as costas, com saudades da eterna noite de núpcias, aos maridos.

Mas também há as que apanham pedrinhas e outros vestígios de inocência. Riem-se muito, dizem disparates, comem choco frito, bebem vinho branco em tascas de pescadores. Ficam no meu território até o sol adormecer, saboreiam o sal à meia-noite, de corpo nu.



Viram as costas aos deuses que lhes vestiram a roupa. Cada um vive com a pele que nasce. Dizem que assim ampliam os parcos sentidos, entre a liberdade e a escuridão. Depois dão pulos, batem os dentes e riem-se outra vez como se tivessem sido acabadas de nascer do ventre da água. Quase que lhes tenho ternura, pelo peso da gravidade que as condena. Bípedes algemadas à sobrevivência.

Depois partem. Vestem a roupa para entrar em cena. Penduram a leveza em cabides. Despedem-se do mar, de mim. Fazem-se à vida obrigatória. Resistem. Fazem promessas de voltar. Cá as espero, de olhos postos no horizonte alto. Até para o ano, que se faz tarde.


E que a espera não os endoide. Num qualquer dia. Ao nascer do sol.

3 comentários:

nnannarella disse...

Pois Ripley não viveu com a pele com que nasceu.
Pois não há ensaio geral sem excepção... :)
Pois voltam sempre.
Não é fácil esquecer quem mima e quem trata bem, genuinamente, neste mundo de almas danadas, a uivar por lugar ao sol em vez de lugar no céu...:)

Paz aos seus danos.
Beijos em teu pandémico core.

Lizzie disse...

Pois que é melhor não fazer mais posts às segundas feiras.
Pois que fica meu "pandémico core" mais exposto a tais agruras, mais aos atrasos do metabolismo.Temos como meta banho, o mais tardar até às nove da noite,que sempre esteve fria.
Bastas vezes me lembrei de ti e dos teus tascos.Fado pescador e espontãneo.Foi a primeira vez que a Bea,irmã mais nova da C e amiga da Mar.,ouviu tal coisa.Boquiaberta com flamenco tão sereno.Os dias fazem-se assim.De pedrinha em pedrinha mais uns pedaços de madeira devolvidos pelo mar.
Hei-de voltar à praia deserta mas não áquela que à noite vira discoteca com som de matar gaivotas.A bem do turismo,dizem eles.

Silêncios e silêncios tranquilos...

A. disse...

the unbearable... ali. em ponto.