quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Desabafo



Todos os dias a cena se repete: abro um olho, depois o outro, que os dois em simultâneo dá muito trabalho. Olho para o lado e as horas no despertador surpreendem-me. São mais que as previstas. São demasiadas. Assustadoras. Obscenas. Descaradas. Culpabilizadoras

Pego no aparelho e vejo que já o tinha mandado calar . Não me lembro de semelhante autoridade, provávelmente ainda andava a mergulhar em águas fundas, envolta por nuvem de mar. É isso que me parece o sono áquela hora da manhã: um viver anfíbio.






Qualquer mergulhador sabe que para vir à superfície precisa fazer lenta descompressão. Por isso cedo-me mais cinco minutos. Às vezes dez. Em casos de ter andado a apanhar conchas no fundo, quinze. Se a limpar corais, vinte.

Levanto-me e entro na fase monossilábica. É o que me dizem porque a memória de mim ainda precisa de mais uns largos tempos para se actualizar. Fica-se por uma coisinha ali, outra aqui, o resto nos antipodas, lá, onde a noite está a começar.


Dizem-me também que não raro fico estranha, com repentes inusitados de fúria desmesurada face à circunstãncia. Não posso ouvir notícias que por estes tempos se vão ouvindo, muito menos as de voz enlatada ,gaga e ansiosa dos novos locutores de rádio. Hhã ...hum...hã. É a fase selvática, coño.




Não se faz. Eu sei que não se deve fazer.


A água lava a água e o duche é ínicio de reconciliação com o dia. A esperança é a última a morrer. Dizem

Até aqui chegar. Esperam-me mais dois como eu e uma parecida em figura e expressão com esta






mas mais mais velha e menos decotada , diga-se em abono da verdade. Olha, inquisidora, para o relógio e não tardará muito a emitir opinião que a noite se fez para dormir e a manhã para acordar. Ela própria gosta de se levantar às cinco, dar uma corrida com as obrigadas filhas, já maiores de corpo mas ainda menores de mente, pensamos nós, beber a seguir um litro de água para limpar toxinas, e ir para o Rossio ver o movimento das matinais pessoas, depois ir comprar productos dietéticos, depois ir medir a tensão arterial após o que pode comer um iogurte bifídus e comer uma tosta integral com mel sem aditivos, depois conduzir a vinte porque mesmo trinta provoca acidentes, finalmente trabalhar, para às nove da noite ir para a cama dormir. Nove e meia no verão. Em dias de festa, às dez.

Entramos dois na hora da paciente caridade e explicamos-lhe que a neurofisiologia já provou que há pessoas em que as sinapses cerebrais funcionam melhor à noite, isto é, com luz artificial e outras com a luz solar. Das primeiras dizemos-lhes lhe que têm "síndrome do relógio atrasado". E que , normalmente, têm ataques de sono durante o dia e que dormindo cinco ou dez minutos lhes passa. E que no crepúsculo começam a atingir a plenitude das funções, a ter ideias mais claras. Fazem-se mais livres os pensamentos, alarga-se a memória, aumenta a cognição. E que essa coisa do deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer era no tempo da vivência agrária . Paleolítico inferior em frente.

Que não é defeito, é feitio.







Se os vossos pais os tivessem educado como eu educo as minhas filhas... e o meu colega, que para além de ter dificuldade em acordar tem também em ressuscitar, levanta-se para ir fumar um cigarro e eu fujo para o meu canto e fechar a porta não sem antes ouvir à vista de isqueiro:

já gánhamos uma batalha, falta-nos ganhar a guerra
o quê?
acabar com o tabaco!
oh grandessíssima filha duma meretriz que estás cada vez mais maluca dos chifres, reproduza-se.... (faço esta tradução do seu linguajar contínuo porque não estou agora a falar de espanhóis ).

E lá prosegue o dia, com bocejo marcado para o meio-dia, mais coisa menos coisa.

Vem isto tudo a propósito de hoje ter ido comprar mais um despertador. Mais uma invenção humana para contrariar a sábia natureza de cada um. Só lhe ouvirei o som na segunda feira, talvez a surpresa me faça vir à superfície. A ver vamos.

Posto isto, bom fim de semana e que cada um tenha, na medida do possível, um sono à sua medida e hora.


Com licençaaaaaaa....





que me está a dar um ataque...de diurno sono.





( Está bem, dispenso o bigode. E a gravata.)

8 comentários:

Anónimo disse...

junto-me a ti!!!!


de morrer a rir!



ai que sono!!!!!!!!!!



beijinhos




P.

Haddock disse...

ó magnificência do sono!!!!
ó perpetuado engano!!!
que misteriosa equação será necessário inventar para finalmente se aceitar que o sono é muito mais do que uma vulgar necessidade fisiológica, mas altar de criação???
é deixá-lo esgotar-se naturalmente... acordá-lo é criminoso!!!
opus somnu, pois claro!!
celebre-se!!

e também vos dizemos, lizzie, que o vosso despertar para a realidade da digníssima filha da meretriz é reproduzido...

o que gargalhámos...

vénia...

Emma Larbos disse...

Querida Lizzie, como te compreendo!
Para quando os horários flexíveis?
Para quando a liberdade de deitar tarde e tarde erguer sem ficar totalmente desencontrado do rodar da global carruagem?
Para quando a morte dos despertadores de toques estridentes e dos apetrechados de de guerras, engarrafamentos e golos que de repente se nos metem por entre os lençóis arrefecendo-nos os pés?
Para quando o reconhecimento do interesse estratétigo nacional daqueles que são capazes de trabalhar quando os outros dormem, diminuindo o trânsito e as filas do almoço à porta dos restaurantes ?

Lizzie disse...

Capitão:
já vamos sendo muitos a dignificar e a exigir estatuto para o letárgico estado.
Achamos que criamos imenso a dormir, embora não nos lembremos exactamente do quê. Achamos que o sono é uma espécie de incubadora das ideias. Conhecemos um coreógrafo que se deitava à frente de toda a gente para resolver algumas questôes. Erguia-se com elas resolvidas. Parece que o Oscar Wilde também era da nossa espécie.
Glorifiquemo-nos pois. Viva o sono.

Lizzie disse...

Mi Emma, já há países a pensar nisso. Ficam longe daqui e estas ideias custam a cá chegar.
Claro que o interesse deles é a maior produtividade. A ciência confirma tal tese, melhor para o corpo e para o espírito com pibs a subir.
E estou frustada: a ditadura estridêntica no novo-segundo despertador, não me impediu de tirar uns caranguejos do fundo a estragarem os corais. O tempo que demorei hoje a tirá-los. Agarravam-se a tudo e eu com medo que partissem as patas. Teve ser com jeito...

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Lizzie disse...

Mas o que é isto?
Será sono?

A. disse...

http://esferanossa.blogspot.com/2008/01/oito-vezes-toca-o-despertador-de-oito.html




...coincidências.pois!!


ando assim.igual, doce Eli, igual.

...das 8...e de 8 em 8...até já tarde pra chegar à hora certa.

:/

...siga e um beijo doce...dAqui.
:)