segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

As amnésias







Já não sei há quanto tempo foi. Esqueço-me das datas, só fixo circunstâncias. Mas já lá vão uns anos.

Sei que alguém fazia anos, vou-lhe chamar $ e uma amiga minha me pediu que a acompanhasse ao jantar de aniversário. Tinha relações de trabalho e como pessoa bem educada que é aceitou.

À porta do restaurante, caríssimo, estava uma pequena multidão. Cumprimentos de um só beijo e apertos de mão frouxos a denunciarem afectos de gelatina. Talvez por isso, só me apresentei com o nome próprio. Nada de apelidos ingleses ou portugueses sonoros, que é coisa que aguça o apetite a qualquer desconhecido carente de conhecimentos que se preze. Como toda a gente sabe Portugal, não insultando a maior parte dos portugueses, é uma república de nomes eternos e sonantes. Como aqueles que eles iam dizendo que tinham como conhecidos e amigos. Pareceu-nos até matéria de competição.

Sentámo-nos no extremo da mesa, viradas e virado, que entretanto se sentou senhor ao nosso lado que só se apresentou como Zé, faz de conta porque não me lembro do nome. Ficámos em boa plateia para a representação que se ia seguir.



1ª amnésia:

todos os actores, sentados na mesma mesa, começaram a falar pelo telemóvel uns com os outros pondo a mão à frente. A criatura que estava à minha frente ia dizendo não sei, acho que é bailarina e ria-se e ia perguntando queres tu? e generoso oferecia um tábem, fica para ti.

Ora os nossos pais sempre nos disseram que é muito feio dizer segredos à frente de outras pessoas. Os deles provávelmente também, só que coitadinhos, esqueceram-se.







Largados, por enquanto os telemóveis temos a




2ª amnésia:

a $ foi descrevendo a sedução que andava a fazer, ou já tinha feito, a uma secretária, rapariga humilde com subida a pulso, descrevendo alguns pormenores profundamente íntimos, da paixão da dita que até tinha deixado o namorado face à grandeza de tanto envolvente e poético amor. Leu mensagens em tom declamatório. Os actores riram-se e contaram das suas. Uma com ar escorreito leu também, aos solavancos, tal era o riso. A outra, que estava em frente, entrou em desgarrada. Tivemos sessão de leitura. Confidências. Pedidos de ajuda. E, mais descrições de pormenores íntimos. Muito íntimos.

Ora os nossos pais sempre nos ensinaram que o que nos é dito como segredo em segredo deve ficar. Mais um ensinamento, que com certeza lhes tinha caído no esquecimento.





3ª amnésia:

de repende começou-se a ouvir falar em comer e comer pessoas. As que já estavam em processo de digestão e as que ainda haviam de entrar para a boca.

Ora na nossa cultura, que eu saiba, e salvo processos patológicos, não se pratica o antropofagismo.









4ª amnésia

descreveram-se as faces, físicos e origens familiares em tom jocoso, porque o pai daquele cavava batatas, porque a outra era gorda, porque mais aquela tinha uma pele péssima e vestia na rua dos Fanqueiros e outros pormenores referindo dimensões de glãndulas mamárias, ou tamanhos de orgãos reprodutores.

Ora sempre nos ensinaram que há bons e maus em todas as classes e que cada um é como nasce e que não há ninguém perfeito, mas eles, garanto-lhes, tinham-se esquecido, também, de olhar para os espelhos.





5ª amnésia

uma das senhoras mandou chamar o cozinheiro e perguntou-lhe se estava menstruado para ter feito semelhante porcaria. A nós, soube-nos bem,malgrado o ambiente, sobretudo à minha amiga, que tem como hobby a gastronomia. Também foram parar talheres ao chão. Apercebemo-nos que era só para testar a coluna dos empregados.

Ora a nós, quer os portugueses, quer os espanhóis ou os ingleses, sempre nos exigiram respeito pelo trabalho das pessoas, o que seria da rua sem os almeidas, bem como a apanhar objectos que tivéssemos deitado para o chão. E ai se fosse de propósito, género birra. Mas, pronto, como duas das protagonistas vivem sem trabalhar e têm falta de fósforo, esqueceram-se.



E chegou a dita secretária com um ramo de flores. Envergonhada com tal pujança de gente, sentou-se, qual bobo sem conhecimento que lhe desse para fazer ironias sem castigo. Deparou com olhos doces, envolventes e ataques de riso em redor. Mais telemóveis gargalhados.



Quanto a nós pedimos rápidamente a conta, despedimo-nos por alto e saímos a meio, ou a um terço da festa. Razão teve o Zé, de memória actualizada, de ter dito ar puro, isto não se faz.


Nós concordámos e dissemos em coro: NUNCA MAIS!


Despedimo-nos com dois beijos e comentámos que a memória traz benefícios.


E continuamos a guarda-la o melhor que somos capazes, tentando remediar-lhe as injúrias.









18 comentários:

Madame Maigret disse...

Constrangedor, mdame Lizzie.Eventualmente no jour prochain mts deles até iam a um leilão de beneficiência, ou dar coisas a pobrezinhos e a pessoas assim...E alguns ao domingo vão à missa e outros fazem constar que são intelectuais de esquerda sp prontos a lutar pelos pobrezinhos ... Bon Dieu!Persigno-me e deixo-me estar na minha casinha fechada.(As melhoras para o seu dedinho) ;-)Gros bisou!

St. J. disse...

O fósforo faz muita falta.
Porque gosto de peixe - ao ponto do meu horrível hábito para ir à praça 'muito cedo' me levar quase compulsivamente a querer atear as brasas mesmo de Inverno - sempre achei fascinante a coloração que o fósforo provoca nos nacos brancos da carne do peixe.

Faz falta ver essa coloração e perceber-lhe os matizes. Não é que socialmente isso seja determinante, ou contribua para o crescimento do PIB. Mas será, sem dúvida, um bem precioso poder recordar essas cores. Isto é, saber o efeito do fósforo no peixe.

Que bom que é o fosphoro!!






Cara Eli, a vida é um interminável rol de aprendizagem, como todos nós estamos carecas de saber.

Todos os dias me sinto grato por aprender algo de novo, seja sobre o comportamento das pessoas, seja sobre este magnífico pequeno grande Mundo, seja sobre o complicado sector financeiro, seja sobre arquitectura, dança, música, física, seja sobre o que for.


De todas as coisas que a custo de muito sono e pestanas queimadas fui aprendendo, o que mais me custou a separar, entre joio, trigo e pão bem amassado, digo, que me custou portanto a aprender, é que no meio de tanta falta de fósforo, ou da importância que se dá ao fósforo, ainda há algumas coisas que são feitas com centelha, que brilham de forma diferente e que por isso mesmo fazem a diferença de tudo o resto.

Hoje dou pouca importância a minudências e sei que ainda darei menos importância daqui a 10 ou 20anos, se por cá continuar.

Aquilo que aprecio mesmo é o brilho. A chama. O que torna tudo diferente. Na sua essência.

Mas, cara Eli, concordo consigo quanto ao fósforo.


Contudo, a vida nunca foi perfeita. E está muito longe de alguma vez vir a ter a vâ e quimérica esperança de chegar à perfeição - o que seria uma chatice.


Aceite, Eli, um Enorme Beijinho com Amizade.

J.


(Gostei muito deste seu pot)

St. J. disse...

post
falta de vista
;)

Emma Larbos disse...

Há certos episódios, certas personagens que gostaríamos de acreditar que só podem aparecer em telenovelas de fim de noite. Mesmo quando nos deparamos com elas nesses horários televisivos tardios, perguntamos para nós mesmos como é que é possível darem-se a tanto trabalho de produção para obter um produto tão pouco credível, tão estereotipadamente mau. E depois, quando as vemos à nossa frente em carne e osso, de língua afiada e alma negra, percebemos a falta de ousadia das telenovelas a desenharem personagens tenebrosas.

Haddock disse...

credos!!!
ultimamente quase que nos apetece ler redacções sobre a primavera!!!



"A primavera:

A primavera é uma estação do ano cuja nascem flores das arvores e vêem as andorinhas que poizam nos fios eletricos. É a estação onde faço anos, vou fazer doze e pedi um nokia xpt que sei que vou ter porque a minha mãe nao quer que o meu pai me compre uma preção de ar para atirar nas andorinhas dos fios porque dis que é perigozo e foi isso que pedi primeiros. Eu gosto da Primavera porque gosto muito.

Gonçalo"

Lizzie disse...

Madame:
Mais oui, que vão à missa. E é à da Igreja do Campo Grande. Só que ali não podem humilhar o cozinheiro.
O dedinho está melhor, a bem dizer, voltou a crescer. O bailarino espanhol, que chegará hoje por volta da hora do almoço na sua montada preta já está com la sangre flamenca mais calma.É que não suporta estas puñeteras histórias. Começa logo a bater os tacões, como todos os espanhóis.
Ai desculpe, não sei se percebe castelhano.

Mais à frente vou-me armar em científica e dar a minha interpretação destes comportamentos.
Agora tocou o telefone.
Un gros bisou aussi pour vous.

Lizzie disse...

Olha o Xantinho!
Pois que se nota que gosta de aprender coisas novas todos os dias.Ainda bem, é o que nos alimenta a chama. Quem pensa que já nasceu ensinado ou aprendeu tudo não passa de um cadáver da vida.
O que nos faz aprender e apreender é a memória: um fio de conduta que dá sentido às coisas e que nos orienta nos valores que devemos ter. E o fosforo é essencial para as sinapses. Daí que o peixe seja essencial à alimentação.
Não, Xantinho, esta gente não vai à praça, não sabe atear esse lume que doura as coisas, nem sequer olha para o curtido da pele dos pescadores. Esta gente despreza e morde a mão que lhes dá de comer.
Ficam com tanta fome que entram na antropofagia.
Tento apagar a memória que tenho dela, já que o lado mau do mundo existe.
Prefiro, todos os dias, aprender alguma coisa que me engrandeça.

Um beijinho também para si.

Lizzie disse...

Mi Emma:
muitas canções e argumentos se baseiam no chamado Síndrome da dependência emocional:
pessoas com baixissíma auto-estima sempre dependentes da admiração alheia. Não amam ninguém, amam a imagem que os outros lhes dão delas próprias. Rodeiam-se de seres "inferiores" que as bajulam e está criada a bola de neve. Eu, ao pé de um autista, sou um Einstein. Também adoram andar rodeadas de gente importante ou conhecida. Se eu fôr amiga do Bill Gates é porque sou boa, senão ele não me ligava, portanto vocemeceses tenham-me respeito porque eu jantei com o Bil Gates.
Gostam de abandonar as pessoas, porque na nossa sociedade quem abandona é considerado mais forte, mas se são abandonados caem em depressão. Lá vem a realidade da falta de auto-estima.E descontrolam-se. Não são capazes de estar sózinhos, querem sempre mais e mais adoração.Querem ser o centro das atenções. O desprezo quase os mata. E a falta de auto-estima gera invejas entre eles e os outros. No grupo de que falei no post, por algumas conversas que apanhámos, sendo amigos, diziam mal uns dos outros.Odeiam-se, porque sabem que são iguais e não gostam do que são.
O flamenco, por exemplo, está cheio destas letras. E a vida em geral também.Infelizmente.

Lizzie disse...

Capitão:

" As andorinhas"

Agente gosta muitos das andorinhas. Na casa adonde agente móra tem um jardin com plantas. Agente gosta muito de plantas.As flores fazem atchim na gente.
Lá agente temos um alpendre. Todos os anos as andorinhas vão para o nosso alpendre e a gente não se importa que sujem porque temos uma gande mangueira para lavar.
As andorinhas não têm medo da gente e todos os anos tem filhos piquininos.
As andorinhas chegarão ontem.
Estamos muito cuntentes puque as andorinhas já chegaram.
E prontos.

Maria Papoila"

Continência

uf! disse...

A PRIMA VERA

Eu tenho uma prima que é difurente das outras; é a minha prima Vera.
Quando a prima Vera chega trás sempre flôres, comaqueles senhores dos filmes que vão vezitar as namoradas.
Eu nunca não vi a minha prima Vera em carne e osso. Sei que ela existe porque lá em casa às vezes dizem já cheira à prima Vera ou a prima Vera está quase a chagar ou hoje chegou a prima Vera.
Eu cuido que a prima Vera deve ser farmassêutica porque às vezes lá dem casa quando alguem instá com algum porblema a minha mãezinha diz-le deixa que isso passa com pozes de prima Vera.
Eu cuido taméin que a minha prima Vera deve passear muito porque ela só vem mais ou menos na altura da páscoa. Eu sei que é na páscoa porque a páscoa deixa sempre ovos no meio das flores da prima Vera e eu vou à procura mas às veses não axo todos e depois a minha mãe tein de me endicar onde estão e uns são de xocolate mas outros não são e tamein á os ovos que se mete nos folares que a minhávó faz que ela até os cose no forno de lenha e é mais nessa altura, quando vem a prima Vera que ela amaça e cose no forno de lenha porque o forno de lenha fica do quintal e às veses xove e doutras vezes tá muinta calor e então a minha avó diz que só gosta de usar o forno de lenha quando chega a prima Vera. Tralmente a prima Vera gosta de folares.
E eu gosto muito da prima Vera.
E quando eu ser grande quero ser como a prima Vera.
Fim
Guidinha da Silva

Lizzie disse...

Tia arrecolhida para adopcção no colégio da nossa senhora da infancia:

Eu não gosto dos póses da prima Vera puque já disse quma fazem atchim e óspois tenho que ir ao dótor e ele quer dar pica e eu olho pá pica e só de olhar pá pica corro pá rua e fico sem atchim puque tenho medo da pica.
E não gosto da Páscoa puque tão sempre a mostrar na tlevisão um homen a ser posto nuns paus de madeira e com muita sangue mais uns catos na cabeça com picos que me fazem alembrar picas do dótor.
E mais que os crescidos não travalham e nã posso brincar á vontade.
Quando fôr grandi quero ser inverno para pisar poças com água cu as minhas botas.
E prontos.

Maria Papoila

uf! disse...

Boa! Posso copiar por ti?

A. disse...

...

[Enquanto limpas as feridas, perguntas-me se a memória é solúvel em água. Eu desvio os olhos e calo-me baixinho.

Há perguntas que são respostas.
Quem te partiu em dois?]






http://2.bp.blogspot.com/_JmudRMpMOak/RcTGwNhrN6I/AAAAAAAAAXY/Djp2B-qcEC8/s1600-h/pto_larkhill_OS_19_edited.jpg


...não podia deixar de me lembrar!!



beijos, mi Eli.beijos.

Emma Larbos disse...

Ao contrário de muitos meninos da minha turma, eu sei muito bem o que é a primavera. É a época do ano em que vêm os bichos da seda. O meu avô traz-me um casalinho deles e depois fazemos-lhes uma casinha numa caixa de sapatos e deixamos-los casarem-se uns com os outros para nascerem mais bichinhos da seda. E eu e o meu avô vamos às amoreiras e eu subo aos ramos para apanhar as folhas e o meu avôzinho fica cá em baixo a ver se eu caio e de vigia por causa da minha mãe porque se ela sabe que eu subo às árvores ralha que estrago a roupa e eu também não quero estragá-la que é para a minha irmã mais velha não ma tirar quando vai sair com as amigas mas mesmo assim subo à mesma porque gosto mais dos bichinhos da seda do que da roupa e depois eles metem-se dentro de uns novelos de fios e ficam lá dentro que tempos e aí nessa parte é um bocado seca porque não há nada para ver e eles ainda não sairam a voar como diz o meu avôzinho que eles fazem porque eu nunca vi porque acabo sempre por me chatear naquela parte que é seca e vou jogar playstaion e depois esqueço-me.É por isso que eu gosto da primavera e o meu avôzinho também.

Vanessa Sofia

Haddock disse...

É por isto que eu gosto tanto de andar na escola C+S da Reboleira!!
Gosto mesmo muito é dos intervais.

Gonçalo

Lizzie disse...

E agora vou hoje pó alentejo mais um stôr espanhol que já ma perguntou 500 vezes se tenho a memória fresca puque hoje vou pró quadro na frente dos outros meninos mais duma menina que se chama P. mas eu queria mesmo era subir às àrvores e trazer folhas pá Vanessa e se me arranhar e ficar cum dói dói num faz mal puque a menina A. dá-me éter soluve pó menino Gonçalo me esfregar na ferida só é chato ter que ir à Reboleira que fica longe do Alentejo e depois o stôr espanhol zanga-se puque eu chego atrasada e já está a ficar zangado pur isso até amanhã e ainda bem que vou no autoestrada e o quadro não tem gis puque o gis me faz atchim e eu tenho medo da pica pu isso vim aqui a esta escola da cova da moura buscar a caneta que me esqueci puque onte não comi pêxe.


Maria Papoila

Anónimo disse...

adoro vir aqui!


farto-me sempre de rir! e esse jantar deve ter sido uma espécie de jantar de idiotas onde, enfim, já se está a ver quem foi o logrado. fizeste bem em vir embora. eu não sei se aguentava tanto tempo


abraços

Lizzie disse...

Cara Lia:
ainda bem que te ris. Faz bem e é barato.
Quanto ao jantar, eu que como muito devagar, naquele dia engoli quase sem mastigar. Já nem me lembro se comemos sobremesa, tal foi o enfarte.
Nem 50 pastilhas de Kompensan disolvidas no digestivo chá de cidreira.
Lúcia-lima também serve, para não falar no hipericão do Gerês, tão Skip ou Tide para o fígado.

Abraços também.