quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Soberbos delírios



E sempre foi assim, histórias de amores atraiçoados, com as virgens postas no mundo do amor sem aviso e as outras, as que já calcorrearam paixões, figuras malévolas em decifrar fraquezas de homens honrados mas impuros nos desejos.

Má sina a das que têm olhos da cor do pecado, que em rebuliço de estúdio, entre risos e más palavras, são perseguidas por fotógrafos (profissionais) em busca de melhor ângulo, o ângulo da completa devassidão.

É grande a agitação. Correm cabeleireiros em passos curtos penteando perucas, que para umas fotografias encolhem as testas, para outras as alongam. Queixam-se as actuantes do calor por elas provocado debaixo de luz crua como o sol. Gritam algumas haver até vasta piolhagem nelas escondida, tal é o prurido no couro cabeludo. Mas é necessário sofrer para que a arte seja produzida.

E todos andam de fotografias dos tempos mudos nas mãos, para que fielmente se reproduzam expressões e trajes e cenários que tudo aquilo há-de ser obra completa.

Pobre do pianista, estudioso a fundo de música erudita e que vê o seu Debussy, o seu Chopin, envoltos em algazarras vocais que mais parecem erudição melódica do séc. XXI. E também ele é maquilhado, vestido e postiçado que até Satie nos seus dedos se arrepia.





Fiteiro e folgazão como com o correr do tempo se verá.

E continuam as cópias quase fiéis da silenciosa lide. Manda a publicidade que tudo se faça como então se fazia. E Concha Prada, a maquilhadora, lá vai coraçãozando bocas, pintando sobrancelhas, pondo sombras para corrigir narizes e bochechas e o mais que falte.
Chega o solene momento da estridente gargalhada. Veste a artista uma combinação preta, vai a Concha com mil pincéis, anda o fotógrafo em liça com filtros e luzes. A artista deita-se numa cama de rede preta. Devassa e já não tão jovem como a maquilhagem faz parecer, começa a rir desenfreadamente, possessa. Grita desvairado o director e coreógrafo. Já está contagiado e gesticula em pré-síncope expressionista. Berra que falta o livro, coño. E já de livro pensa a astista que os progenitores não podem ver tal cena. Puxam-lhe a alça da combinação e ela mais se ri. Uma outra artista, espanhola, esquece-se que é filha de militar e grita : Puta mas lectora, no?





Se fosse portuguesa, diria com certeza, meretriz. Mas é espanhola. E mais não digo, que sou uma senhora de boca lavada.

A artista contorce-se e, é tal o desmando que já lhe dói o estomãgo de tanta infrutífera concentração.

Muda-se de dia, que tudo isto é trabalho longo e demorado, pelo menos nas intenções, e a de má vida, depois de ter estragado um noivado, ver suicidar-se a noiva traída, ver o noivo, culpado e desonrado na fidelidade, espetar-se um punhal no ventre, ver as tais mortes tão longas arrastarem-se sem fim, teriam todos tempo de ir às tapas e fazer pousada digestão, resolve arrepender-se. Para acentuar a dor, cobrem-lhe os cabelos Brookianos com translúcido véu preto, e sente-se Santa Madalena. Não escurece os olhos, porque o dom do perdão tudo permite, mas de calendário lembrada, faz cara de quem ganhou os favores de S. Pedro com entrada gratuita.


E comovida com tal gentileza celeste, resolve não perder tempo, pegar no punhal, esquecendo-se de pedir as análises actualizadas da SIDA aos outros suicidados, aponta para o coração e ferverosamente espeta-o. É a que tem morte mais rápida.
Fecha-se o pano em alta moral, despem-se roupas e cabelos, guardam-se holofotes e máquinas, arrumam-se estojos e sai-se para fora, onde o tempo, vivo, continua.

7 comentários:

Lizzie disse...

Não gostais do cruzamento da Amélie, Mísia e Maria de Medeiros?

Haddock disse...

...
soberba miscigenação!!
voltamos...

nnannarella disse...

Meu Arcanjo, se continuas a expor, assim, despudoradamente, os retratos da indizibilidade dos teus olhos fatais, não responderei por meus actos (voluntários e involuntários) futuros.

Êxtases e êxtases!


ai!

Lizzie disse...

Antes de mais

Errata-como-um-acento-é-importante:
(perdões pela linguagem)onde se lê Puta mas lectora deve ler-se Puta más lectora, ou seja puta tão leitora.

Capitão lá e aqui por vós esperamos, atenta e arregalada.

Meu Anjo, mais tenho, sim, mas a maior parte está com a noiva, que é mais de guardar. Não me poderá ela emailar posto que anda com as suas crianças digressando por terras do Japão, aquelas de que tendes aia.
E não me provoqueis que ainda a mais despudor sou tentada.

despudores e despudores!

Anónimo disse...

Continuam lindos lindos!!!!

Não precisa maquilhagem!!!!

Até que enfim!





P.

Lizzie disse...

P.
Ruborizo-me, credo! Até que enfim e ponto final.Eh,eh,eh.

Beijinhos.

Haddock disse...

mas... mas...
nós a afastarmo-nos com a elegência de quem vai atender o telemóvel no hall, para não pertubar os convidados, para assim, insuspeitadamente, conseguirmos ouvir deles quem é a dona desses pecaminosos olhos (já que o nosso saber wikipédico tem vindo a desiludir-nos...), e vodes pendurais novo quadro???

pois subimos...