quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Lá, no outro lado






Com um avião na alma chegamos lá num instantinho, à terra de todas as cores, de todas as línguas, de todos os calmos rebuliços, a mais conservadora onde começaram quase todas as revoluções, desde a libertação dos negros à autonomia das mulheres quando decidiram trabalhar para seu próprio sustento agarradas a livros que lhes dariam crédito à opinião formada.




Podemos cruzar o Mistic River num dos barcos de partida e chegada constantes. A noite faz-se cedo e parece que o céu desceu à terra.



Para ver a constelação de dentro podemos subir ao terraço deste arranha céus e tomar qualquer coisa quente, que o frio ri-se do que faz por estas lisboetas bandas. Atenção aos hollywoodescos helicópetros que nos roçarão a cabeça como aves de rapina.

E podemos ir ao sítio onde tive morada, arrendado ao mês como todos, assina-se o contrato até ao mês seguinte que quase toda aquela gente é nova e de arribação, chega e parte, a falar línguas variadas. Uns saem de saco às costas com o equipamento dançarino, outros carregados de livros, outros de pautas e instrumentos, outros de equações a rechear-lhes os pensamentos, uns sérios outros loucos, uns já sábios outros na promessa e sonho disso.




E não faltarão bibliotecas. Até poderá aparecer um bibliotecário velho e simpático que nos mostre os manuscritos do Damião de Góis, conservados em vácuo como tantos outros. E ficaremos espantados com o que de português existe ali, com todo o respeito e carinho pela história e cultura. Ah, os eternal dreamers, aqueles que chegam à beira do precipicio e empurrados descobrem a maneira de voar. Com a calma da poesia. Veja esta colectanea de poesia popular alentejana





Se quiser, pode requisitar uma cópia e ir para uma das enormes salas. As bibliotecas são formas de dar viagem ao mundo.

Podemos passar depois por esta igreja, onde ensaia uma orquestra. Toca música sacra em sítio apropriado e espantemo-nos...é o Te Deum de Sousa Carvalho. Cá onde ele anda


Se quisermos comprar uma revista ou um livro, podemos ir a esta livraria, muito espaço de saber e podemos até encontrar, já que estou entre portugueses, vários deles. Tantos cientistas, professores das humanidades, das artes, tantos quantos Portugal ignora. Ao menos os espanhóis divulgam em Espanha os que lá, ou noutros sítios, estão. A meu bocado de sangue português sente-se triste. Tanto valor, tanto desprezo. E, diga-se em abono da verdade, que ninguém tem grande vontade de regressar. Nem a ciência nem a arte têm pátria. E o Eça de Queiroz, sempre contemporâneo, ainda vai piscando o olho, ali, na estante, a ouvir a conversa.



Mas como a fome é global, podemos ir lagostar e frangar à beira rio, ou mar, até pode ser aqui





não se lambuza os dedos que é feio, então?

Depois podemos ir ver anoitecer em um dos parques cheios de laguinhos, ali vamos nós,






brincar com a neve e ter atenção aos pertences, não por causa dos humanos ( aqui nesta zona não haverá perigo ao contrário de outras onde nem podemos, nós pessoas sérias, pôr o pézinho que até os Sopranos são uma brincadeira) mas por causa das criaturas que ali se movimentam, fazem rir com tanta brincadeira e descaro e sofrem de cleptomania crónica






ladies and gentlemen. os esquilos.

Podemos depois ir a um clube de jazz livre, nunca se sabe quem se propôe actuar





ou a algum sítio mais de vanguarda, com teatro, dança ou performance.






E vamos dormir, porque talvez amanhâ as cores se esqueçam de existir para entrarmos no reino de uma só


a que , polvilhando, diz chamar-se Dezembro.

10 comentários:

Lizzie disse...

Varreu-se, outra vez, de dizer que tanto este com o anterior se referem a Boston.
Ai, esta minha cabeça...

Haddock disse...

lizzie, ainda bem que dissestes, pois, embora nos palpitasse, não arriscaríamos palpitar.
deliciados com as imagens e com as rotinas possíveis....
roidíssimos de inveja!!

vénia...

Emma Larbos disse...

Uff, que venho enregelada do passeio, embora de olhos cheios de tanto parque e prédios e esquilos e neve.
Acho que vou ficar ali pela Boston Public Library, que tem uma colecção de mais de 500 incunábulos para me entreter. Entre eles está uma misteriosa Paixão de Cristo de Fradique de Basileia que já me deu água pela barba. Não me importava de me sentar ali debaixo da luz verde dos candeeiros e ficar por lá a desvendar mistérios...

Lizzie disse...

Capitão, não vos roeis que o mau também existe, mas não somos de temperamento de falar dele, ou seja não gostamos de nos lembrar da feroz competição, do excesso de trabalho, das criaturas que entravam, em todas as áreas, em esgotamento nervoso porque só daquele casa primeiro prédio onde vivemos, vimos três sair de ambulância.

Mas o tempo que lá estivemos muito aprendemos de um mundo diferente dos países europeus de que temos origem.
Valeu a pena. Temos ideia de lá voltar, de preferência no Outono.
Sem trabalhos nem cargas horárias. Assim tipo pássaros.
Continência.

Lizzie disse...

Mi Emma, é facil imaginar-te ali, sim senhora e também naquela livraria.
Foi na livraria que se me entrou o bicho de achar piada às coisas medievas por mão de uma portuguesa que lá trabalhava, capaz de recitar trovas galaico-portuguesas de fio a pavio. Às vezes estávamos em conversa e ela respondia com bastas citações. Foi através dela que conheci o tal bibliotecário velhinho.
Um espanhol mostrou-nos literatura de mulheres americanas e judias dos meados do XIX a princípios do XX, algumas com pseudónimo masculino, que muito me caíram no goto e infelizmente nunca vi traduzidas em português. Penso que ainda tenho alguns.
É dessa miscelãnia de conhecimentos e culturas que tenho saudades.
E olha que é pouco provável que tenhas frio.
Gostava de ir contigo à "minha casa de chá". Gostas do Bernardim Ribeiro e do D. Diniz? Podes relê-los enquanto saboreias os scones ou os bolinhos judaicos, sem acuçar, recheados de noz.

Madame Maigret disse...

ô lá lá ma chére madame Lizzí, que lugar tão bonito para passear de braço dado com aquele beau chat de que falou antes…Será que o fez ?... _________ O Jules quereria logo bien sûre ir ao estaminet das lagostas à beira do rio, acompanhá-las de bière ou vinho branco…._____ e se calhar até ia apetrechado para pescar um bocado enquanto eu ficava na cadeirinha de lona a fazer un tricot. Bem me apetecia viajar para outros lugares que não fosse a aldeia da Alsácia e as termas, que é para onde vou mais logo passar uns dias.Espero encontrar árvores tão bonitas como as que mostra no seu passeio inesquecível!...______ E quanto aos salamaleques franceses, madame não os corrija, é bem verdade o que diz.O Jules detestava ter de investigar em lugares de salamaleques! Merci pour tout.Au revoir, chére madame.

Lizzie disse...

Madame Maigret, bien sûre que j´avait eu de larges promenades com o chat. Il avait beaucoup de conversation. Foi mesmo ele que nos levou áquele lugar post-modern.
Il est drôle.Vous savais, ma chére.
Votre Jules, tão detective, não terá medo de represálias? Sei lá, levar com uma gorda lagosta na cabeça,enquanto pesca...enfin.
Desejo-vos uns óptimos dias na Alsácia, que também é do meu agrado, tem um teatro lindíssimo.
Muito obrigada, é sempre um prazer recebe-la, e perdoe-me mon français, mas moi nem em português nem em espanhol e em inglês sabe Dieu...quel tristesse.

Anónimo disse...

Ouvi que vamos lá para o ano.

Apetece entrar dentro das imagens!

Passear por ali!

Não voltar!!!


Beijos

Anónimo disse...

magnífico!!!

Lizzie disse...

P., espero que vão. Vale a pena.
Quanto a não voltar, olha que às vezes nem aos sábados o corpinho descansa, além dos trabalhos para casa. Nesse aspecto Madrid é mais descontraído, mais solto. A maluqueira ajuda a descontrair.



Beijinhos





Giorgio, obrigada. Um dia destes falo de outros sítios. Cada um com o seu encanto.