segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A jaula




Chego lá afogueada, e tento pôr um ar vagamente britãnico, ai desculpem o atraso, mas o trânsito está in-su-por-tável, o separar as sílabas nestas ocasiões dá sempre um ar distinto. Melhor que o prantar para comover.


Abso-lu-ta-men-te in-crí-vel! dizem eles lá do alto, e um deles revira ligeiramente os olhos e eu olho para o alfinete espetado na gravata e penso num S. Sebastião de Ferrari à porta, que sei que tem porque já vi e não tinha lá escrito Avis-rent-a-car nem nada do género e tem matrícula do país onde vive, onde vivem, Deus por lá os guarde em bom estado.


Falam muito e não gaguejam a não ser para buscar o conceito pós estruturalista e comunicacional, no contexto de uma neo-figuração desestruturante e porque é que não me entra a Nnanna por aquela porta mais a Emma e me levam para um pecado menor que este discurso contextualizado me está a fazer subir a febre e a migalha do folhado da empada no
bigode neo monárquico daquela personagem me dá vontade de o mandar para o Haddock.







Eles dizem que viram e vão ver em Madrid e portanto já conhecem o fluxo narrativo preexistente baseado no gesto minimalista, e por isso é que pediram para interagir comigo e eu cá digo-lhes que sou toda gesto, aqui onde me veêm sou toda movimento interiorizado com muito empirismo da Rua da Vitória e da Rua dos Fanqueiros e de outras Calles incluído e porque é que Passarinho não passa aquela porta já negra de tanta gente e me leva daqui para fora que cada vez há menos ar e também ela sabe o que o coração nos grita à mente quando se faz hora de enfrentar quem nunca nos adivinhou.

Lá vem mais apropriação subjectiva da envolvência e eu a pensar, já em delírio, com arrepios de frio, que me apetecia voar até um recanto à beira de qualquer cor e nele ter uma mão fresca que me fosse pousando sossego na testa, num sofá forrado de ternura, em qualquer sítio, num qualquer sítio







até podia ser neste cheio de ruídos poéticos, com qualquer sugerência alemã, pois tal e qual, não haja dúvida que a P. bem me podia ter vindo cumprimentar e talvez agora já a levar-me pelo braço que aquela abordagem de múltiplas narrativas já me encheu os pensamentos de fios enredados, novelos que descem sobre mim na inversa do mercúrio a trepar no fino vidro que o corpo denuncia.

Talvez surja o Pirata com uma espada vermelha, que sem razão nem modo, diga-se em abono da verdade, me sinto enjaulada no meio de uma cena cinematográfica de antanho, com punháis palavrosos numa interpretação viral da intervenção no suporte e intervir é uma forma de actuar







e a tantos km de distãncia ouço Mi C. e Mi Mar dizer ay la leche...ay la puñetera charla, e finalmente me vou embora, em direcção a um referencial chá com torradas e umas castanhas cozidas com bastante erva doce seguidas de um terapêutico whisky após o duche, que me esperam, lá para as bandas dos meus segredos, aquelas bandas onde tudo, entrando, se torna simples e acolhedor, como uma mancha, a sério ou a brincar, onde tudo se inventa.


Tão simples como um ataque de tosse na liberdade daquela brisa nocturna a varrer o Tejo.

Quem me dera ter palavras para a pintar.

7 comentários:

Anónimo disse...

Para quê complicar?

Uma vez disse-me que é preciso dar poder às mãos!
Que tem os miolos nas mãos e espalhados pelo corpo!
Não sei se acreditei
mas começo a acreditar:))))


Espero que se sinta melhor!

Obrigada pela lembrança!

Um grande abraço




P.

Haddock disse...

lindo, lindo, lindo, lindo!!!
que bigodes os vossos, lizzie!!!
o possidónio que meta o pobre maneirismo semântico dele na algibeira!
isto é barroco puro!! puro, não: reinventado!! pós-contemporâneo, diríamos. muito, mas muito à frente da vanguarda, se nos é permitida uma trocadice!
depois disto, e apesar do enlevo, sentimo-nos expropriados do verbo.
que torrente narrativa, que cascata de estilo...
e que sentimento minimalista, e ao mesmo tempo magnânimo, se apodera de nozes perante esta deslumbrante pintura de palavras difíceis!!

vénia.......

Madame Maigret disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Madame Maigret disse...

Se o Maigret lá estivesse, mandava-lhes umas belas dumas baforadas aos narizes empinados de malcheirosa intelectualite a ver se se calavam ou morriam esganados com as próprias palavreadas. Ele sempre me disse que seria capaz de cometer o crime perfeito de tal forma conhece a prosápia humana.

Emma Larbos disse...

A contextualização subjectivada na questionação radical da tua jaula, Lizzie, deixa-me num estado de prefiguração terrífica e expostamente patética! Minimalistas ficaram os meus neurónios, a piscar intermitentemente de sinapse em sinapse na esperança de delinear objectivamente uma concepção modernista e especular do sentido que lhe devia dar.
Acabei por sair atrás de ti, sem copinho de uísque, que é bebida de que não gosto, mas desejosa de respirar a plenos pulmões o ar fresco da noite chamando-lhe ar fresco da noite e mais nada (como diria o Caeiro.

nnann arella musashi disse...

Senhora-san,


pudesse eu ter estado próxima de vossos flancos, e com quanto comprazimento teria a minha katana decepado muitas léguas de línguas.

Respeitosamente e com grande apreço pela paciência zen que haveis demonstrado,

Vossa.

Lizzie disse...

Fiquem todos a saber, Japonesa e M Maigret incluídas, que o que não me sai da cabeça é a "interpretação viral" e a resistência da migalha entalada no bigode. Com tanta prosa e lá continuou. Deve fazer parte da decoração do dito, esse inefável acto de comer.
E, Haddock,Emma e P. para ser ainda mais contemporanea até me foi sugerido que entrasse no reino da instalação-vídeo-performance e logo me imaginei no palco toda nuínha, arrastando-me, lendo passagens de uma qualquer dialéctica ligada ao "fenomenalismo saussuriano" com as minhas cadelinhas em vídeo ao fundo a fazer o que lhes desse na bolha, provávelmente a desestruturar um sapato burguês, com uma cama virada ao contrário mais umas cadeiras em idêntica pose, vários chouriços alentejanos pendurados e muito vinho para eu me entornar em cima e etc, porque é coisa que se usa imenso. Pintar é que não tanto, que é trabalho braçal assim a dar para analfabeto.
Devo dizer que pouco ouvi da conversa, daí o zen da paciência. Deus nosso Senhor deu-nos a faculdade de abanar a cabeça e aos outros de interpretar como sendo sim, tem toda a razão. Esta invenção dele foi um acto coreográfico de rara inteligência.
E eles, os que lá estavam e todos os outros, lá se vão entretendo com os cifrões ao fundo, a criar vanguardas financeiras.
Assim vão algumas das artes.

Simplesmente a vós agradecida.