quarta-feira, 28 de novembro de 2007

A ilha da couve




Dizem-me que continuam na mesma. Sobreviventes, vá-se lá saber como, com meia dúzia de palavras estrangeiras úteis, as indispensáveis para o sistema de troca : sai couve, entra dólar.

Nunca soube como foram lá parar, os outros trabalham na construção, ou por conta própria como handy-men. Eles chamavam-lhes "artistas", ou seja serralheiros, canalizadores, marceneiros. E ainda existem os outros num mundo ainda mais desviado, os professores e outros finos que tais. Gente com bom corpo, folgado para trabalhar, mas que nada fazem, e que não se juntam a eles no perdão da missa dominical e aprendem e falam a língua deles, inglês. Até parece que não gostam de ser portugueses, os enjoados, gente rica, que só pensa na roupa e gasta tudo aquilo que tem, até a jantar fora, como se em casa não se pudesse fazer o jantar, pudera que aquelas finaças nem batatas sabem cozer.

Podiam ser estes, são parecidos




assim encostados à telefonia da Voz de Portugal.

Tinham uma mercearia nesta rua da chamemos-lhe baixa, zona nobre




com a sombra concorrente de uma loja grega, do mesmo género, mas mais mini-mercado, estupores que se fartavam de vender azeitonas e queijo feta, como se as de Elvas e o da Serra não fossem melhores. O que vale é que os italianos eram mais para os talhos.

O que é que estas querem agora, é portuguesa? Tem mais cara de comer pão de forma do que de Mafra. Quer SG Ventil, é para o seu marido, não? O que andará a fazer aqui se não tem marido e o tabaco não é para o pai ? Havia de ser minha filha ...pouca vergonha. Quantos desmanchos não terá feito já. O que vale é que gente desta só cá vem quando fazem festas, deve ser o bom e o bonito. "Pelas costas das minhas vizinhas, vejo eu as minhas", pensava eu.

Os filhos não têm tempo livre depois da escola a que o district os obriga a ir. São ensinados a carregar sacas de batatas e outros pesos e as raparigas, tratam da casa, não se querem ali mandriões nem putas, se comem trabalham, assim não se fazem vadios. Se começarem a ler e estudar ficam com más ideias, perdem o temor a Deus, o mais velho nem sequer quer ir à missa. Isso de doutores é para os judeus, até me dá vontade de cuspir para o chão. Calões. Sempre a gastar dinheiro mal gasto, ele são cinemas, teatros, borgas. Vai-se a ver e nem um cordão de ouro têm.

E a única leitura era uma revista religiosa, com filosofia editorial baseada num Deus odiento, alérgico a qualquer evolução. Nunca me dei ao trabalho, depois de folhear, de lhes dar explicação detalhada que o 25 de Abril não tinha transformado o país em Sodoma e Gomorra. Só lhes disse que estava tudo normal e calmo, as igrejas não tinham ardido, já passados aqueles anos do evento e não senhora, não havia padre nem freira enforcado em nenhum altar, não, os russos não estavam no governo, disfarçados de portugueses.





Dei uma volta, um domingo, pela zona onde moravam, eles os portugueses, em bairros arrumados com casas deste género. Solitários e tristes, sem a alegria dos brasileiros, gregos e espanhóis. Sem a algazarra festiva dos italianos. A roupa estendida na frente que as trazeiras floridas, feitas para o repouso na ilusão do campo dos nativos, eram para os galinheiros e para as coelheiras e para a horta. Os homens sentavam-se a beber, a jogar às cartas e a ouvir os relatos de rádio encostado à orelha. Para quê gastar dinheiro em aparelhagens. Para quê ir comer marisco na terra barata dele. Para quê ir visitar faróis a encimar prodígios da natureza. Para quê sair e sentir a beleza das cores outonais, aquelas que nunca vi sem ser ali. Para quê rir das brincadeiras acrobáticas dos esquilos. Para quê perder aquele ódio ao mundo. Para quê rir, dançar, amar.


Para quê viver?
Se a vida é tão curta para poupar.

6 comentários:

Anónimo disse...

Iguais aos da terra dos meus avós!

Tens razão!

Odeiam tudo e todos menos o dinheiro!

Miséria!

Ideia genial das imagens ( primeira-última )!


Estou à espera do almoço...


Beijos


P.

nnannarella disse...

Lizziel, diz-me lá como é que eu reconheci Boston ? Ele há milagres que os Arcanjos fazem que são mais fabulosos do que todos os Da Vinci juntos, os perdidos e os por achar...:)E a propósito de imagens, a que achei genial foi mesmo a segunda. Um primor antropo-sociológico...
Obrigada pelas casquinadas que me provocaste. E também pelas belas visões, ao longe, de um estonteador outono rubro, que não preciso de ver, para crer.

rubros, muito rubros!

Lizzie disse...

Pois é,P. ainda existem, fruto de misérias de educação, vítimas de séculos da falta dela. Vejo-os aqui.Houve um casal que em face à doença da filha perguntou em que banco tinha ela a conta.
Das vezes que lá ia nunca os vi sorrir, sequer sorrir. Sempre com criticas raivosas e calúnias à concorrência.




Meu Anjo, fico com vontade de te mostrar mais que bom, bom seria mandar-te com bolas de neve para ficarmos sem idade e depois recuperá-la à mesa de um dos fabulosos restaurantes à beira do mar doido, ou no cais, um deles, a comer um frango assado na brasa com tempero dos brasileiros da Baía. O vinho pode ser da pipa destes, disse-me um colega italiano, daqueles que provam cheirando e bochechando, que era do melhor que já tinha provado. Nem sequer disseram donde era quando lhes foi perguntado. Mas ficaram com mais clientes. O dos gregos não prestava. O dos franceses custava uma fortuna, engarrafado com salamaleques.

Olha, apetites e apetites deles.

Lizzie disse...

...que me perdoe Madame Maigret, aquilo dos salamaleques. Com toda a elegãncia parisience, queria eu dizer. Óbviamente.

Haddock disse...

que gente adorável!!! arrepiantemente adorável...
também nos deliciámos com segunda imagem ao ponto de ser certo irmos sonhar com ela...
subimos apressados por ver as de cima, que já espreitámos e que, essas sim, nos deixaram com água na boca.


até jádes...



(vinho da pipa de brasileiros???)

Lizzie disse...

Oh Capitão, má redacção a minha que o vinho da pipa se refere aos portugueses e não aos brasileiros.

Nós tanto sonhámos com eles, a modos que pesadelos, que, em geral, nos mudámos para o espavento dos gregos. Lá íamos ao vinho, ao bacalhau e couves para as festas e ao pão, quando já não tragar o americano.
Era comum fazer jantares, na companhia, sendo pois simpático e obrigatório cada um levar as comidas de origem.

Até jádes que vamos lá acima.