terça-feira, 13 de novembro de 2007

Do amor ou outras actuações...

Resposta ao simpático J. num comentário no Meinem Lied (não sei fazer links)









Num livro americano de etiqueta e outras boas práticas para a felicidade futura, datado dos finais do séc XIX, a autora aconselha as pré e efectivas nubentes, entre várias coisas, a bem trazerem cuidados os maridos e mais ainda a nunca discordarem deles porque tal lhes poderia fazer mossa na imagem que eles deles têm. Quem melhor que uma mulher, descendente da Virgem, no conforto pantúfico do lar, para dar ânimo e força onde ela eventualmente não existia?


Noutro manual, ensina as casadoiras, em época de amostragem em baile, a sentarem-se em cadeiras, de olhos baixos, à espera que o rapaz, ou homem já estabelecido, as escolhesse.








A posição da hérnia discal das meninas deveria ser esta, antecipadora da intimidade da alcova.


E reservou-se sempre para as mulheres uma multifacetada ginástica de conforto doméstico, tenho até uma vaga ideia de concursos da mulher ideal portuguesa: boa cozinheira, boa apoiante do stress empresarial do marido, boa mãe, boa dirigente da empregada doméstica, mas convenhamos, reservada no leito. A função de "procurar" deve ser reservada a quem é dono do desejo, o homem, único e exclusivo até que a morte os separe. As mulheres "sérias" não pensam em tal coisa.





Veio o trabalho externo ditado pela economia e a maior parte cansou-se desta dramaturgia baseada no engano, ou melhor, ficou mais exposta a falsidade do enredo. As mulheres começaram a perceber que era demasiado árduo o trabalho de encobrir e carregar sobre os ombros, o lixo produzido pela harmonia melódica do fingimento. As eternas empregadas domésticas da felicidade baseada num amor eterno com um só sentido.






Isto para dizer, J., que pessoalmente só acredito num amor de efectiva companhia, de interesses senão iguais, pelo menos parecidos, em que haja conversa sintonizada para o orgulho mútuo, aquele em que cada um se enaltece, sem teatro algum, com a forma como o outro esgravata a vida. Toma lá tu hoje o meu ombro, que bem precisado estás que amanhã lá irei eu a correr para o teu. Porque nos apetece ombrear, porque não fomos escolhidos, porque aconteceu escolhermo-Nos.


Caro amigo, não sou psiquiatra nem psicóloga nem conselheira sentimental nem assistente social, mas sei, porque as ouço ao virar da esquina neste meu estabelecimento, como diria a Emma, que a aparente forma de amar esconde um profundo ódio-desprezo por aquele ser que em momento de conveniência ou paixão lhes saiu na rifa. Andam sempre com eles na doença, sorriem-lhes, mas falam em surdina da "obrigação", o nojo do débito conjugal, a forma de comer laranjas. Algumas até se referem ainda à " serventia", leia-se vagina, aquela coisa que lhes pôe sacrifício nas noites. Toda apresença é um entrave áquilo que não chegaram a ser, os sonhos foram mortos pelo hábito de apoiar sem sentir. E isto em todas as classes sociais. Muda-se apenas a forma.


Muitas, quando eles morrem, às escondidas metem a vida em comum num contentor de memórias esquecido. Arrumam-no a um canto. Só que, às vezes já não se lembram da sua maneira ideal de sonhar.






Haverá coisa mais triste que ser lembrado por aquilo que nunca se desejou?


Por isso lhe digo que só acredito no amor já tranquilizado da descoberta, quando as duas partes se espelham uma à outra. Quando as mãos se encaixam na forma uma da outra. Sem próteses que as magoem.


O tempo dirá do resto...para mim só quero um amor que me ajude a nascer. Autêntica e sem máscaras, ou seja, que não me disfarce num espelho que não conheço. Como toda agente. Se calhar.

Haverá melhor forma de amar e ser amado?




9 comentários:

Lizzie disse...

e depois desta prosa ainda acrescento que cada par deve seguir as suas próprias regras de entendimento, desde que, a bem, das partes, ninguém saia ferido de morte, porque pequenos arranhões há sempre. Mundos planos são monótonos.
Era, realmente o que faltava, que viesse a comunidade europeia definir o europeísticamente correcto amar.
Pegava eu num amor solto e emigrava para a lua. Isso é que era bom...referendem!

Anónimo disse...

confesso que não sabia o que esperar da sua prometida resposta

a sua escrita é boa de ler, um prazer, bem como os seus comentários como julgo que saiba

isto não é simpatia avulsa, é o que é

mas Lizzie, creio que tivemos entendimentos diferentes do assunto em questão, muito provavelmente terei sido eu que me afastei do tema, que não o soube focar devidamente

também se poderá dar o caso, dada a sensibilidade do tema, de a sua abordagem estar muito condicionada, não permitindo um frio mas necessário afastamento

como prova de que não me fazem sentido simpatias gratuitas, dir-lhe-ia, ainda que cordialmente, que fiquei desgostoso e decepcionado com o que hoje escreveu

não por não ser verdade, mas por invocar e mostrar apenas uma das faces da verdade, por ser tão fatal, talvez até pouco didáctico, seguramente pouco motivador

e muito politicamente correcto, convenhamos

o amor em que diz somente acreditar, ultrapassou tudo, todas as provas incluindo muito do que relatou, para o alcançar, parece-me fundamental termos querer e generosidade, uma predisposição que, lamento, não descortinei na sua prosa

olhando à minha roda constato a realidade do que relatou, a toda a hora, mas felizmente vejo também outras realidades, essas são o meu arquétipo

muitas há que, quando eles morrem, querem também morrer e vice-versa, não falo de necessidade ou hábito, ainda hoje me arrepio quando me recordo na paixão, na sintonia, em tudo aquilo que todos víamos nos meus Avós Maternos

consigo não consigo? essa é outra questão, muito complexa, mas que nem se coloca se não houver predisposição para tal

quanto ao meu raciocínio, estou convicto de que existe uma diferença que vem das entranhas entre amar no feminino e no masculino, uma diferença que se complementa, que importa manter portanto
e sim, gosto mais do que vejo no feminino
mas sou masculino, acredite

agradeço a oportunidade que me proporcionou para reflectir, tentarei disso tirar o máximo partido e, acabo como comecei, a sua escrita é boa, e a pintura? é sua? é que ainda não conheço o seu blogue o suficiente, não era suposto estar já a comentar

A. disse...

________________________________...

«...gestão artificial de
equilíbrios inexistentes.»





...sem comentários.mas cheia
de vontade de os gritar.......


a ti Eli querida e ao comovido e misterioso J. ...um beijo sentido.

ana

Anónimo disse...

Meu caro J, o amor não precisa de motivações externas nem de didactismos e mal será quando precisar. Do meu ponto de vista é coisa demasiado interior, sentida a partir de dentro.
Não acredito em arquétipos, hoje, masculino-feminino. Quando dançava, tive um namorado, sensível e excelente pessoa, que, por educação quase ancestral, nunca percebeu os meus horários, o stress dos ensaios, o palco.Eu não tinha o tempo que ele queria, aquele que a mãe dele (e a minha) e "mãe" do pai tinha.Apesar da minha paixão pós-adolescente já tinha muita respondabilidade.Ele só estudava. Seria menos feminina por isso? Amava menos? Não. Mas trabalhava no duro.
Nunca me senti culpada e a culpa anda atrás das mulheres, tanto que quando levam tareia algumas ainda se perguntam se fizeram alguma coisa mal. É a realidade dos factos.
Ainda bem que conheceu excepções. Eu também.
Em dias de trabalho intenso,eu ou a outra parte, podemos perguntar:"queres um chá,vou fazer". De livre e espontânea intuição, um simples acto de amor. Não penso se sou ou não mulher, gosto mais de sentir do que racionalizar. Sou o que sou como sou. Sem artíficios de espécie alguma e quero ter como resposta o mesmo nível de sensibilidade e autenticidade. Dádiva que me parte do afecto, não de esteriótipos dados pela história ou pela genética. Por isso nem me lembro que é dádiva. A questão nem se pôe.

E quanto ao ser masculino, devo-lhe dizer que conheço um casal gay (sem tiques femininos que se notem) um coreógrafo, outro cenógrafo que vivem juntos há 30 anos. O que se nota é a empatia em pequenissímos pormenores. Quando um morrer, o outro não vai meter a memória do outro num saco do lixo.

Claro que só posso falar como sendo mulher, não sei o que é ser homem como o meu amigo não sabe o que é ser mulher.

O quadro é do Miró. Escolhi-o por ser de um homem que, ao tempo, amava "como uma mulher". Foi gozado e humilhado, por isso, pelo Picasso e companhia. Pintou este,olhe-o e veja bem a ternura, para a sua mulher. A de sempre.
E consta que era a mulher, a par com a do Klee, que lhe tratava dos negócios. Como usa dizer-se eram elas que usavam calças.

Obrigada pela visita, um abraço


Lizzie

Anónimo disse...

É dificil gerir quando não há equilibrio, quando existe gere-se sózinho e ficamos mais inteiras e completas para amar e para ser amadas.


Um grande beijo

Anónimo disse...

Claro que este comentário imediatamente acima é para ti, minha Ana. Esqueci-me de o dirigir.

Haddock disse...

concordo com tudinho, mas agora estou em ânsia para espreitar o expressionismo ali de cima!

nnannarella disse...

Magnífico filme do amor.
Cinema mudo, do mais alto expressionismo.
Palavras para quê ?


:)

amores de mnscer e amores de nascer!

Anónimo disse...

obrigado

...mas deixo-lhe ainda uma coisa a que achei piada...

http://sempenisneminveja.weblog.com.pt/arquivo/2007/11/desgracoua_ser.html

claro que não me referia ao Miró, mas sim a muito do que tenho visto lá mais para trás e que desconheço, caso para dizer que não pinta, mas tem boa pinta :)