sexta-feira, 9 de novembro de 2007

A dança da morte

ou de como o que parece mórbido mais não foi que o meio entre o príncípio e o agora.
Enfim, mais ou menos...


Bem se podem sentar os pensadores a cogitar se o que nasceu primeiro foi o ovo ou a galinha, que o mesmo é dizer, se foi a dança ou a música.
A utilização (ritmada e expressiva) do corpo para os mais diversos fins parece que sempre existiu, mas foi com os soltos Gregos que adquiriu estatuto de grande Arte, com direito a Musa própria, na medida em que servia de objecto de comunicação directa com os deuses a par da poesia e da música. Esta ligação entre as três, saltou para o Séc. XX através desta Srª



Isadora Duncan de seu nome. Adorava panejamentos , saltos, pés nus e liberdade de movimentos, histriónicos, e foi inspirado nela, por exemplo, que um coreógrafo pôs esta nubente e angelical Srª assim vestida e maquilhada aos pulos, com outra menos aos pulos e vestida de preto, porque era a má, ou não tivesse olhos verdes, à beira de um inconveniente e muito pouco profissional, ataque de riso, já eram muito bem entrados e quase findos os anos oitenta.




Os Romanos, por então, desprezaram a dita Arte. Uns séculos mais tarde, em Itália, a história bem se vingou do desprezo. Não há fome que não dê em fartura. Dizem.

Na Idade Média a Igreja não achou as artes do corpo dignas, aliás muito conotadas com a sexualidade, mas foi impossível extinguir os impulsos da expressão do movimento e quer no povo quer nos palácios, não morreram. Até abriram caminhos. A aristocracia tinha uma modalidade chamada dança baixa. Os pés arrastavam-se pelo chão num movimento lento e deu mote, na segunda metade do séc.XX, às mais belas e melancólicas coreografias. Simbolo de interioridade, não raro associada à audição de textos.



E a Dança da morte. Permitida e incentivada pela Igreja, atingiu o auge na época da peste negra.



É discutível para os pensadores se se trata de dança ou não. Falta-lhe o elemento geométrico. Mas era dançada por todas as classes sociais, inclusivamente pelo clero, porque ricos ou pobres todos a têm certa e nada mais há que una tanto as pessoas como o medo. Foi buscar fontes às danças populares pagãs, dançadas nas festas onde era permitido um intervalo na santidade. Algumas deram origem ao folclore tal como é conhecido hoje.

As pessoas juntavam as mãos e andavam em correrias, algazarras e pulos pelas ruas como se fossem uma corrente. Parece que as fontes de estudo são poucas, mas alguns dizem que se juntava também uma modalidade árabe, mais estática, mas carregada de lamento : as pernas semi abertas, pés bem assentes no chão e o tronco move-se, ritmadamente para trás e para a frente. Em algumas culturas ainda hoje se pratica. Já tal vi, à beira de um caixão recheado de cigano patriarca. Quando uns se cançam são subtituídos por outros. Noutra modalidade, com o tronco levantam-se e agitam-se os braços.

Nos índios norte americanos é uma verdadeira obra de arte colectiva. A Martha Graham extasiava-se com tal riqueza de movimento. O som também não é nada de deitar fora.

Interessante que quase todos os povos tenham na sua história esta dança. Interessante que em quase todos exista a tal cadeia fechando ou não um círculo e interessante que desde o início do século XX tenha inspirado tantos coreógrafos, encenadores e artistas em geral. A importãncia no expressionismo alemão é imensa. Quando a peste Sida apareceu, pelo menos nos Estados Unidos, foi um chover de coreografias tendo estes princípios como base. Tornou-se quase uma outra peste pós-moderna. E ainda vai durando, digo eu que estou com vontade de má-língua.

No cinema Ingmar Bergman também a tornou célebre no Sétimo Selo.


Como não sou historiadora, nem nada que se pareça, não sei se não será mesmo assim : dão-se voltas e mais voltas, pulos e mais pulos, mas as fontes essenciais estão sempre lá, para nos lembrarmos que estamos vivos.

Credo, felizmente.

Vai de roda, vai de roda...

8 comentários:

Emma Larbos disse...

Quando me referia aos prantos que tinhama a ver com dança referia-me ao costume de chorar um morto próximo ou importante através de uma prática que tinha uma componente verbal (fazendo um discurso que obedecia a certas regras retóricas )e uma componente corporal: as pessoas atiravam-se para o chão, levantavam os braços ao céu, rasgavam a roupa, batiam no peito e na face, os homens arrepelavam os pelos da barba e do cabelo. Não é a mesma coisa que a gritaria das carpideiras, que só choram e cuja atitude é quase estática, repetitiva, monótona. Nos prantos individuais há expressão corporal, embora não livre e sim ritualizada, ou seja as pessoas praticavam os gestos que sabiam ser adequados à expressão da dor. Do ponto de vista antropológico, a coisa é muito interessante e sofisticada. A pessoa que pranteia sofre verdadeiramente (não finge, como as carpideiras) mas exprime o seu sofrimento não de forma espontânea ou individual e sim através de formas prévias, validadas pela cultura como boas para exprimir a dor. Ao mesmo tempo que pratica estes gestos onde predomina a (aparente)irracionalidade, faz um discurso que só pode ser dito se se domina racionalmente a situação. Assim, exprime-se um sofrimento real, exorciza-se a dor dando-lhe espaço para se exteriorizar e, ao mesmo tempo, mantém-a a emoção sob o controlo da razão.
Se calhar isto não tem nada a ver com dança mas, quando leio estas descrições nos textos, penso sempre que tem mais a ver com dança do que com teatro porque parece haver uma coreografia prévia.
Tenho uma colega já muito velhota que diz que ainda se lembra de ver, na aldeia algarvia onde nasceu, nos tempos remotos da sua juventude, prantear assim os parentes mortos e ouvir depois o povo comentar: «Fulana fez um lindo pranto pelo pai!», como se estivesse a falar de uma récita.

Lizzie disse...

Mi Emma, muito obrigada pelo teu comentário (sempre tão ricos) mas assim muito, muito a correr te digo que devem haver milhares de definições de dança.
Resumindo, a dança pode ser o movimento do corpo no espaço e no tempo.
Em 1450, o Domenico Piacenza escreveu um tratado que ainda está válido. Para a maioria. Para ser dança tem que ter cinco elementos:o compasso, ou seja a musicalidade, temperamento-interpretação individual do bailarino-,a memória, divisão de espaço horizontal e finalmente aquilo que viria a ter uma importância gigantesca no Ballet, p.ex, o ar, isto é a capacidade de elevar o corpo no espaço.
Mais tarde vieram outras coisas. Mas é sempre a utilização exclusiva do corpo.
Tanto quanto sei, nos rituais ciganos, ainda se dão notas à expressão da dor. Em certas zonas de Espanha, ai de quem não chorar como deve ser e, sentido ou não, penso que há uma grande compoente teatral, porque há uma encenação pré-determinada, tens razão, socialmente correcta. Mas encenação, não coreografia, pelo menos, como é vista hoje. No Renascimento a conversa era outra. E dança-teatro hoje também.

Bom fim de semana que eu me vou pôr a prantar face ao raspanete que vou apanhar pelo atraso. Pode ser que comova. Ai, ai,ai...

Anónimo disse...

Ontem estava muito elegante no seu vestido preto simples...!
A fita no cabelo fica-lhe a matar!
Mesmo sem dança!
Apesar do ar adoentado.
Não achei oportuno ir falar consigo.
A conversa com aqueles senhores parecia séria.
Quando voltei a passar já não estava lá!

Ando nisto há tantos anos e não sei nem metade!
Como sempre explica de uma forma com graça.




Um beijo grande de melhoras!!!



P.

Anónimo disse...

Ainda volto para lhe dizer que me estou a lembrar do "Pedro e Inês" da Olga pela CNB.


Será?
O lamento?

Nunca tinha pensado nisto!
Mas agora...







P.

nnannarella disse...

Ainda esta madrugada, dentro de uma insónia de morte, li uma breve descrição de Susan Sontag, do inimaginável pranto de vários dias da Soberana Senhora do Reino das Duas Sicílias, ao saber da indigna morte da sua jovem irmã Maria Antonieta. Retirou-se para o seu palácio real favorito, em Portici, com as suas 40 criadas alemãs, que faziam coro aos seus uivos de dor. Recusou-se a ver os filhos (tinha acabado de dar à luz o décimo quinto), a comer, a lavar-se, a mudar de roupa. Vomitava continuamente. Receavam que enlouquecesse e dizem que foi salva pelo canto de um arcanjo, inglês e de sangue plebeu, que dizem também figura proto-histórica da Isadora Duncan. Obrigada por mais este primor que nos deixaste, mui bem assecundado pela réplica da Emma, cujo final me fez sorrir. Réplicas e réplicas.

Lizzie disse...

P.

Elegante, não sei mas absolutamente saturada e adoentada de certeza.
Foi pena não me teres ido cumprimentar. Os senhores são sérios mas não mordem. Talvez seja eu que estou muito longe daquele mundo.

Quanto ao Pedro e Inês, sabes que não sou crítica nem tenho formação para isso e só a Olga saberá o que criou visto de dentro, mas de facto, no seu todo, não me parece. Só talvez uma parte, segundos, dançada pela Ana Lacerda.
Mas continuo a dizer que não sei assim como não sei por ali além de história da dança. Por acaso lembrei-me disto porque foi discutido em Madrid no fim de semana passado. Enfim vou-me lembrando...sem método.

Um abraço e para a próxima já sabes

Lizzie disse...

De insónias estamos iguais, Meu Anjo.
Estive a ler a história de um rapaz atordoado que se esqueceu de prantar. Um miúdo de 16 anos que anda entre uma mãe louca a construir um poema que nunca ninguém há-de ler, um pai ausente e um psiquiatra que quer que toda a gente seja feliz à força nem que para isso, se amarrote ainda mais a infelicidade alheia.
É uma autobiografia de um escritor da terra da Sontag e que,aliás a cita bastas vezes.
Assim sonolenta toma lá sofás e sestas e sestas deles.

Haddock disse...

...
credo!! o que vodes sabeis!! nós só nos lembrávamos da écharpe...
que sensação de "pé de chumbo"!!