quarta-feira, 8 de agosto de 2007

os esquecidos






As pessoas chegam ao átrio,
compram o programa,sentam-se na sala,dão uma vista de olhos.Esquecem-se,normalmente de olhar para os outros artífices de

sonhos:maquilhadores,costureiras,cabeleireiros,fotografos.Os que ficam na sombra dos

holofotes,os que não sobem ao palco para a devida vénia final,para receber as flores.




Conchita Prada vai-se reformar em Setembro.Não é licenciada,não tirou curso,nasceu com a vontade de emitir passaportes para a beleza,de abrir as cancelas para as personagens.






"Sienta en la silla,niña,qué me voy a hacer contigo?"E remexe naquela panafernália de pincéis suaves,de lápis,de cremes.Refilona com o seu quê de autoritarismo maternal.




"cállate!", e tira dez anos com a habilidade de desenhar o tempo.Gostava de o inventar.De brincar com as rugas,com os cansaços.Mas diz que por mais operações plásticas que se façam,nada tira a expressão da idade real nos olhos,nada disfarça o pescoço.


Acabado o trabalho,puxa,de inverno ou de verão,do seu

leque sevilhano.Abana-se:"Aún no,quieta".Fica a contemplar a obra.Tomba a cabeça para um lado,para o outro,pensa em retoques,enquanto a tela viva está até proíbida de pestanejar.

Depois chama o cabeleireiro,a seguir o fotógrafo acompanhado das costureiras que hão-de prender ou soltar um tecido insubmisso.




Quando o espelho aparece abrem-se as bocas.Ninguém se reconhece:o que é que me fizeste aos olhos?O meu nariz?A minha cova no queixo?Eu tenho a boca mais pequena.Enlouqueceste,mulher?

Conchita solta uma gargalhada.Foram-lhe contagiosas as personagens do cinema mudo.Gargalhada lançada com a cabeça caricaturalmente descaída para trás.Histriónica.


Em Setembro,arrumará a mala carregada de segredos,pequenos segredos,que bailarinos e actores nunca suspeitaram ter.
Mas o leque,esse,ficará para sempre.Carregado de abraços,com uma plateia de trinta e cinco anos de efémeros a curvarem-se na merecida vénia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pois é!
Muda-se tudo menos o mar dos olhos!
Lindos!



Vim aqui ao ciber ver o que andas a fazer. Mulher, tu metes medo...
fabulosos!


Beijos para vocês.
( já chegou? )


J. Fazenda, o teu fiel da arte.

Lizzie disse...

Eu meto medo?Credo,hóme,porquê?
Aqui de mar tão cansado!Cada vez que as ondas batem na rocha até me dá uma dor no sono,tão falha que ando dele.

Oh meu fiel,ainda não chegou nem chegaram,devem estar a chegar.Três carros vrum,vrum,autopista fora,a esta hora já deve ser auto-estrada,A6 de seu nome.

Continuação de boas férias(presumo).
Grande beijo na bochecha ensolarada.Nhum,nhum,nhum.