quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A conversa



A noite vai gotejando escuridão.Ilumina-se a conversa corrida.Vão surgindo palcos e peças de teatro vivido e por viver.Fala-se como se Godot espreitasse por entre os ramos das árvores,ou o trágico Shakespeare,ou o Ionesco,sei lá...saibam os actores ainda sem rosto.

Somos estóicos na atitude de olhar a vida com riso,nós os pequenos na grandeza de existir.Sentados na plateia,vamos compondo as personagens:um bocadinho de ironia aqui,um pedaço de melodrama ali.Vagueamos por entre a sensatez e o absurdo.A vida,a morte.Apalpamos os afectos,entre a macieza da seda e a rugosidade da serapilheira tosca.Definimos os figurinos.Poucas personagens andam completamente despidas.Guardamos-lhes um pouco de privacidade:uma estratégia para abrir as portas à imaginação.
Continuamos a rir da forma mais séria.Rimo-nos até da dor da ferroada de um insecto:uma perna e um braço marcados por ferrão desconhecido."Ay qué coño, te doele a tí?"

Levantamo-nos da esplanada,escolhemos caminho vigiados pelo canto das cigarras.Fugimos dos repuxos de água imprevisíveis,brincamos com os arbustos colocados no cenário.Continuamos a falar das teias.A urdir argumentos num tribunal imaginário.Está quase delineada a peça sem fim que se veja solucionado.Ficará para o próximo chá à luz da amizade.

Despedimo-nos ao som contagiante de movimento do "no llores chaparrita,qué tu amor está en el campo...ay,ay",canção cubana, ronfenha, dos anos trinta.

Atendo o telefone:" hablaran de qué,vosotros?"
"De todo,de nada,de la vida...Yo qué sé...?"

Deito-me,vejo uma aranha a tecer a teia na floreira da janela,debaixo do foco da lua, penso que seria necessário um palco maior.Vejo-o vir da esquerda alta em direcção à boca de cena,em passo cadenciado. Sorrio-lhe.Aninho-me.E adormeço.

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