quinta-feira, 10 de abril de 2014




Do dispendioso sorteio do paraíso à orientação moral de Usertzu III (1440-1412 a.C)


 Não, Senhores, sou tão anormalmente apátrida nas crenças redentoras que não me vai cair em posse um carro Audi no magnífico sorteio promovido pelas Finanças.

  Não sou diligente polícia fiscal.
 Não peço facturas  pelas insignificâncias ou relevâncias  que consumo.



Deus me livre de entrar na imoralidade de devassar o meu número de contribuinte fiscal a cada comerciante com que me cruzo ...haja recato, que tenho direito a ele e o Estado, entidade que estou longe de desejar ausente ou omnipotente, só me pode exigir na medida em que me der retorno.

 Agora e quando for velha e produtivamente inútil.



Um Senhor televisivo, afirmou que é uma questão de moral ajudar o fisco nas suas cobranças.

 Esta é uma maneira de motivar. A motivação é uma palavra feita espada ou flor que está na moda.

 A moral, ai a  moral, nunca nasceu de geração espontânea nem se aplicou sem recompensa ou castigo. No presente ou no futuro. Em vivo ou em morto.

A moral fabrica-se e vai-se construindo consoante as circunstâncias.

 Sem falar na moralidade da escravatura, da matança de velhos, de crianças à nascença, quando a população crescia mais que os recursos, lembro-me duma curiosa imoralidade/pecado inventada por Elizabeth I: comer carne à sexta-feira. Dava-lhe jeito ao desenvolvimento da economia das pescas e à recruta de futuros "fuzileiros" comer peixe.

Continuando, hoje, já com tanta História, e se calhar tanto tempo de inteligências e estupidezes, riquezas e misérias a formar, por comparação, a sensibilidade, cada um já deveria ter a sua. Talvez a isso se chame liberdade.

A não ser, claro, que  se compre em pacote. Em kit  de pensamento já pronto a usar.

É mais fácil , cómodo e talvez seguro, utilizar os pensamentos dos outros que pôr  em prática os próprios.



 Talvez por isso um dedicado soldado nazi tenha exclamado em festa e regozijo que "Nós Alemães somos tão felizes. Estamos livres da liberdade".

 Dizia que  moral também se vai construindo.

Pela propaganda.  Tanta e de tanta maneira.



" As pessoas querem é um emprego mas não querem trabalhar"
" Viveram como ricos e agora..."

   Pelas artes.





(Só pelas morais do corpo em relação à Dança poderia escrever 365 posts. Desde, e volto à desaforada Elizabeth I de Inglaterra, que permitiu que se vissem os artelhos das damas em galhardas voadoras, aos postulados nazis e soviéticos, passando pelos quase dogmáticos nus e despidos do pós modernismo dos anos 60. Do séc.XX.)

Pelas formas de terrorismo religioso ou partidário porque nem só de bombas em comboios, edifícios ou outros apetrechos se moldam comportamentos.



Depois de morto há o paraíso e o inferno. E os assim-assim para o purgatório. Sujeitos a tentações moderadas compensadas pela militância nas virtudes.


Em tempos mais místicos, situavam-se no Além. Agora também na superfície da terra.


Para os pobrezinhos católicos do Sul e respectivos apêndices além mar, desde que não hereges, bruxos, doentes mentais virados à  desobediência, o Céu esteve sempre garantido. Quanto mais se sofre nesta vida mais compensado se será na outra.
 As "virtudes da escravatura" de que falava Nietzsche.



Senhores, penemos agora que daqui a 250 anos constaremos da lista da Forbes. Comeremos bifes todos os dias, adoeceremos para afastar o tédio, nasceremos doutorados, aconselharemos os caridosos a ocupar o tempo deixado livre pela desnecessária e quantas vezes egocêntrica piedade.


Para os protestantes do Norte é o oposto. A famosa "ética do trabalho" de Weber.
Só se chega lá, ao Céu, quanto mais se trabalhar, quanto menos alguém se entregar à folia, quanto mais riqueza se juntar. A abnegação. A austeridade.

Hoje em dia estes vistos para a entrada no Paraíso talvez andem com os carimbos trocados ou com fiscais de fronteira emprestados.

Ouvindo pessoas piedosas, credenciadas em moral  e membros de administrações pátrias, uma pessoa fica na dúvida em relação à geografia de Deus: entraremos como desgraçadinhos ou mesmo desempregados temos que trabalhar e enriquecer?



Para os outros, que não têm Paraíso nem Inferno para além da vida, esta culpa de existir com dúvidas ou discordâncias, redime-se nos campos de concentração, nas prisões ou no exílio. A moral que leva à salvação, ao futuro glorioso  está em seguir o líder. Mesmo que já oriente em forma de estátua, cartaz ou t shirt.



Sem mácula nem vício, nem fraqueza nem vaidade simulada. É essa a natureza do mito. Mesmo sendo humano, ser capaz de soprar o vazio do Universo.



"Nunca sejas o primeiro a parar de aplaudir numa ovação de pé"


Seja lá a moral qual for, a submissão de todos a um, é o que mais se parece à igualdade. À harmonia.

Sem líder ou bandeira, como disse um filósofo de que não me lembro o nome e citado por um director do Bolshoi, "uma multidão sem líder é como um rebanho sem pastor".


Outras formas de incutir morais são os castigos evidentes por comportamentos menos dignos.


Madre Teresa de Calcutá demonstrou que a SIDA é castigo justo para o retorno de Somorra. Uma forma de extinguir os gays, especialmente os gays, que uma sociedade sem valores morais permitiu que andassem à solta a espalhar perversões como seres infectos da família pai-homem,mãe-mulher, que são.


Outra forma é condenar quem foge à ideia certa ao ostracismo.


 Significa ser excluído do grupo. De uma forma ou de outra, toda a gente se identifica num ou noutro aspecto com um grupo. Talvez seja uma forma de a pessoa se situar. Ser excluído pode ser perder o rumo. Ser varrido na sua história. Ser remetido a uma solidão calada. Envergonhada.


É aí que entra o "politicamente correcto". É mais fácil dizer o que se espera que se diga do que o que se pensa. Ou o que se deseja.

Deixo-vos agora uma citação do faraó Usertzu III que uma professora de dança colou numa parede e distribuiu pelos membros da companhia, quando algumas cabeças consideraram imoral que o coreógrafo e bailarino Bill T. Jones,



 nascido negro e homossexual e, por acidente génio e corajoso, apresentasse os seus dotes  num teatro norte americano. No sul.


Serviu de inspiração ao longo da História. Foi plagiada por ditadores de direita e esquerda no século XX. Utilizando os termos segundo os fins em vista.
E parece que continua, neste XXI nos sistemas onde a Dignidade arde em lume brando. Como se também do fogo lento não nascesse a cinza. E a forma mais silenciosa do nada.

A minha palavra é lei. Eu ataco quem me atacar. Quem bater em retirada é um vil cobarde. Homem derrotado na sua própria terra não é homem nenhum. Assim é o negro, quando o atacam ele foge. Os negros não têm coragem. São fracos e tímidos. Eu capturei-lhes as mulheres. Apoderei-me dos seus bens. Qualquer filho meu que permita a passagem desta barreira deixa de ser meu filho, nunca o engendrei. Erigi uma estátua em minha efígie não só para a contemplarem mas também para lutarem por ela...


2 comentários:

bettips disse...

A moral não é uma parede em branco, a moral é compassiva com as desgraças dos outros, a moral é... uma QUESTÃO de identidade.
A moral é transparente como a garrafa acima: meio cheia ou meio vazia, mas permite ver para lá de. E espelha.
Bjinho

Lizzie disse...

Bettips,
pois.

Acertas-te em cheio na interpretação da garrafa.

Para além do que dizes, anda há gerações e gerações, embora seja mais nova do que o pequeno móvel que está atrás, a assistir às cambiantes da moral. Pelo menos em três países.

E lidou sobretudo com mulheres. É uma garrafa protocolar para licores.

E as mulheres são uma das "categorias" onde a moral teve mais termómetro para medir a evolução (ou retrocesso) das identidades e das dignidades.

Ou como acessórios ou como protagonistas do poder. Ou do contra-poder, claro.

Talvez, neste jogo, o mais difícil seja a transparência. O poder ou o desejo dele embaciam, logo ou depois, a simplicidade do vidro.

Bjs