sábado, 3 de agosto de 2013



Prosa um bocado salteada de como o distraído e negligente Grande Viajante se esqueceu dos sítios por onde andou.

Consta que em tempos idos, o Grande Viajante, também conhecido por uma espécie de Deus, olhou para a floresta e chamou um por um todos os animais que lá viviam.

 Apresentou-lhes a sua mais recente criação. Tratava-se de um ser que andava na vertical e só em duas pernas que pouco corriam e nada trepavam, que tinha dois braços com extremidades habilidosas mas de pouca utilidade se não tivessem objectos a prolongá-las, uma cabeça com dois olhos que viam pouco, umas orelhas meias surdas, um nariz que confundia odores e uma boca cheia de palavras mas de pouco sentido e lembrança.



Resumindo, a maior parte dos animais riu-se de semelhante aventesma tão pouco preparada para as necessidades imediatas do dia a dia. Imaginai o riso das pulgas, por exemplo. Deixada sozinha, logo morreria de fome, de sede e facilmente serviria de manjar a qualquer um deles.

Houve então um que teve pena de tal fragilidade e, farejando a criatura, se deitou a seu lado, arreganhando a dentuça aos que já salivavam pela carne tenra ou gargalhavam da inutilidade.


O Grande Viajante achou-o parecido com a Mãe Terra, perguntou-lhe o nome e ele respondeu que se chamava Cão, e o grande Criador determinou que a partir daquele momento seria o melhor e mais amigo da desamparada criatura, tanto que até a acompanharia na canoa que lhe levaria a alma na última viagem para o Reino do Universo.


Sentenciou, ainda, que o Cão se pareceria com a criatura que acompanhasse e a criatura com o Cão que lhe fosse companhia.

As criaturas volúveis, mais por moda que por conhecimento ou gosto, violaram muitas vezes este príncípio porque pessoas  agitadas arranjam cães pachorrentos e humanos calmos vão desencantar cães doidos e depois acaba-se a amizade depressa. Uns e outros ficam com vontade de divórcio como é costume entre os bípedes mesmo sem cães à mistura.



Por acaso, lembrei-me agora que  apesar de ficar no outro lado do mundo onde esta história é contada, na floresta medieval cristã, tornou-se costume, aos pés e nos túmulos das mulheres, talhar a figura de um cão.
E, ao longo da História, sempre as mulheres foram apresentadas com cães. Mas isto dava outra prosa.



 Para os homens  e suponho que ainda  sem intenções clubísticas, mandava o uso que fosse um leão que, a bem dizer, sempre tem mais força nos maxilares.

Mais tarde que a criação de todas as coisas, quase todas as florestas cultivaram esta amizade


 à excepção dos que ouviam, não sei se distorcidamente, a voz de Alá.

 Estes achavam, e acham, que os Cães eram seres tão desprezíveis e parecidos com o Demónio à solta, que os comparavam aos inimigos e por isso lhes davam e dão o tratamento que gostariam de ter presente à vista deles. Por isso, mais tarde no séc.XX, por exemplo, os cães passaram a chamar-se Israelitas, Americanos, Ingleses e etc.  Também, os Chineses quando embirraram com o Tibete, mataram todos os Cães que sempre lá viveram e se chamam Lhsa Apso


tirando aqueles que uns ingleses e franceses conseguiram esconder, levando-os para Inglaterra  e França para que não deixasse de existir o cão mais inteligente que a comunidade canina já produziu. Com o orgulho que as pessoas têm nas suas palavras dizem que as estes "só lhes falta falar".

(Um já foi um grande meu companheiro nesta morada portuguesa mas porque não deixei que um humano, não chinês, matasse coelhos e gatos com espingarda à porta desta residência, foi alimentado por ele com carne temperada com 605 forte, entrada rapidíssima para a morte.)

E sem Alá nos ensinamentos, também Robespierre, aquele que achava que só a violência criava uma Humanidade nova, mandou sacrificar todos os cães (e gatos) afectos à aristocracia, à  burguesia e regra geral, a toda a gente, ainda que miserável,que não concordassem com ele.

Sempre assim foi, embora eu nunca tivesse traduzido nada na linguagem dos animais que se parecesse com parlamentos, ditadores, comentadores ou coisas parecidas.


 Por tudo isto,  talvez para evitar desgostos, o Grande Viajante, não tem passado, acho eu, muitas vezes pela terra para ver a criatura que produziu.

 Talvez nas Suas costas e enquanto andava em turismo nas galáxias, a criatura lembrou-se de criar o perigoso princípio de que o Homem é o Centro de Todas as Coisas. Umas vezes deu grandes obras, outras monumentais asneiras como a falta de respeito pelo que fica ao lado.


Por isso e em relação aos cães, a criatura usando engenhos vários, resolveu modificar a aparência e o temperamento dos primitivos amigos.

Na realidade poucos, como os Schnauzer, são como o Grande Viajante os inventou.


As criaturas encarregaram-se de lhe achatar os focinhos até ficarem com falta de ar,


 de lhes encurtar as pernas até ficarem sem suporte para o corpo, como os Dachshund,


 de lhes acentuar os ataques de mau génio como às amostras Pincher  mais tarde engrandecidas em raiva pelos nazis, nos potentes Dobermans e na criação de canídeas máquinas assassinas  pelos soviéticos. A lista, Senhores, não caberia aqui.


Por questões de negócio, de dinheiro tão do agrado das criaturas, inventaram-se concursos socialmente prestigiados, muitos deles baseados em deformidades acima descritas, em que ganha quem mais imperfeito (e sofredor) fôr. Filho de "imperfeito manipulado", mas com taça e prémio, renderá ao dono linhagem de farta conta bancária. Como eu sou criatura de gostar até de rafeiros, vira-latas, escarafuncha caixotes, parece-me esta selecção da espécie mania ariana de má memória.


Mais grave foi, também, a introdução de prolongamentos mentais frustados das criaturas nos seus amigos de sempre. A vaidade humana nunca se resume às coisas simples e pequenas, exportando-se para o que se não pode ser. É mais importante o que se tem do que se é.



Foi assim, com muito incesto à mistura, que se produziram cães que matam, que atacam antes de terem tempo de reconhecer os amigos.
Há já alguns anos que se tornou simbolo de poder, sobretudo em sítios e bairros onde civilização e cultura ficaram infelizmente à porta, ter cães que prolongam a dita vaidade dos donos, treinando-os para essas mesmíssimas demonstrações de poder.


(Normalmente andam estas coisas caninas associadas ao tunning automóvel como botar cinco tubos de escape num Fiat Punto para parecer um Ferrari. Adiante.)

Chegou-se ao ponto de organizar lutas de cães, em bairros periféricos, com apostas monetárias chorudas no potencial vencedor. Cada lutador é treinado com maus tratos e com frágeis animais de família, roubados em bairros residenciais como os Olivais ou o parque das Nações em Lisboa. Por exemplo.

Seguindo as teorias de uma criatura perversa chamada Trofim Lisenko, baseado noutra de nome Lamarck, se um pai ou uma mãe forem ensinados a matar (no caso dos humanos a comportarem-se segundo regras definidas superiormente de forma a se esquecerem de ter pensamento próprio) os filhos duplicarão essas habilidades e instintos.


E em certas florestas do chamado terceiro mundo, foram produzidos filhos de cães com essa natureza muitos deles, tornados possantes, enérgicos e assassinos mas fechados em apartamentos ou espaços de pouca dimensão.

Aqui para nós, Senhores, manteria a Rosa Mota aquele ar jovial , simpático e de boa saúde mental se confinada num T1 sem espaço para arejar os músculos?

Desde os anos 80 do Séc.XX, e até antes,  que em todas as florestas de norte a sul, de este a oeste, ninguém, sem ter condições especiais físicas ou psicológicas, pode possuir ou reproduzir estes animais de violência fabricada pelas criaturas. Antes ou depois de crimes, encarrega-se a Justiça de punir quem pensa em vez de quem reage.

No caso de alguém possuir clandestinamente um cão proíbido, porque geneticamente programado para agredir, é-lhe retirado. Se resultarem mortos ou feridos, são os donos a cumprir pena atrás das grades.

Quanto aos cães, especialistas determinam-lhes a sorte, a morte ou a vida. Uns voltam a acreditar na amizade das criaturas, que as há de respeito, ternura e agradecimento, outros já foram destruídos pelo sangue que, dizem, tem a cor do Inferno.


Dos que já tive (e dos que tenho), faço-os acompanhar de um pedacinho da minha alma quando eles entram na canoa rumo ao Universo.


Acima de tudo porque merecem e porque estou muito longe de ser o centro de todas as coisas.


Sem comentários: