sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Prefácio
à laia de esclarecimentos e respostas ao post  imediatamente abaixo em geral menos a quem chamou filha de uma meretriz (isto é para traduzir palavrões que não ficam elegantes  em perfácios) à Raínha de Inglaterra e a mim própria: nem uma nem outra nos enquadramos nessa milenar categoria, por um lado, e proxenetas (mais uma tradução) colonizadores, houve-os com fartura.

 Por acaso ainda hoje refilei de mansinho porque não notei um pequeno toque, um sopro, um suspiro,  de pimenta verde moída na sopa de peixe. adoro especiarias exactamente na razão inversa em que escuto e sigo conselhos de governos.



 Além disso, intrépido e sanguíneo comentador, se algum dia lhe passar esse ódio faça um exercício: em vez de Lizzie, bote o seu nome. Depois conte-me o que lhe pareceu. 

 Da mesma forma que não confundo os povos com quem os governa, também respeito as ideologias de cada um, sobretudo quando são manifestações de bom carácter, personalidade,  formação e altruísmo. Os sonhos poderão não ser motor mas serão, com certeza,o combustível que o alimenta. 



O que os poderes fazem com essas genuínas convicções/espectativas  das pessoas já é uma coisa diferente. São os tais limites em que a mudança para uma sociedade melhor, leia-se com aprofundamento da dignidade, se transforma em ditadura institucionalizada ou subjacente. (Quando as pessoas comuns não se expressam porque têm medo de perder o emprego ou de ser rejeitadas por uma qualquer estrutura ou de serem culpadas por situações, acaba-se a democracia.)



Tal coisa está a um passinho da corrupção ( neste momento o mundo está afogado nela) e da imposição de modelos únicos, ultrapassando mesmo a soberania dos países. Uma coisa acaba por levar à outra e quer uma quer outra implicam o sacrifício de inocentes. E discordantes.

Sentidos únicos, sem poder ultrapassar,  abusos de poder e  fechadinhos em gabinetes, lobbies, sociedades escondidas, ganãncias e tal, são coisas que me poêm a roer malaguetas.

Por isso tenho amigos de boa vontade em todos os quadrantes. Menos nos neo nazis. Conheço três assumidos e acabar em churrasco não sei se será a morte que mais me convém.

Claro que gosto, que coisa esta das interpretações daquilo que uma pessoa escreve, de Shostakovich 


e de Richard Strauss. 


Já lidei com eles muitas vezes. Que conflitos interiores e amarguras tiveram aquelas alminhas...

Agora,sinceramente, ando preocupada com o Richard, porque a última coisa que merecia era que a abertura da sua fabulosa "Assim falava Zaratustra" fosse fundo musical para um spot publicitário da Benfica TV. Se aquele homem fosse meu marido, ia a toque de caixa e à frente do rolo da massa buscar o remoto da televisão ao lago.Gaseava-o. Depois de viúva, divorciava-me. Além de todos os outros defeitos sou do Sporting embora nem saiba o nome do guarda redes. Nem de nenhum.Acontece. Por este andar ainda temos Mahler para o Cristiano Ronaldo, Bach para o Messi e, sei lá, as Cantigas de Afonso X para o José Mourinho.

O que eu não admito é ser "proíbida", como já fui e acho que ninguém deve ser, de falar de e com Wagner, sobretudo quando o "proíbidor" perora sobre condições históricas que não conhece, acha que o compositor é nazi mesmo depois de já estar morto (finou-se, salvo erro, em 1883), tem culpa que o Hitler tivesse uma paixão patológica pela música "heróica" dele e o confunda com a mulher Cosima, essa sim, anti-semita e apoiante do suposto último  degrau de Adolfo.
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Pois quanto a Fernando Lopes Graça, em vez de ficar a olhar para o mar, que hoje na minha praia esteve especialmente Sebastiãnico todo o dia, lá foi sms para aqui e para ali. Não ando com bibliotecas atrás, não senhor. É mais vê aí na estante, ao fundo,ao pé da janela.Ai não, se calhar é na outra que está...



Temos pois: Obras Literárias de Fernando Lopes Graça, vol.XIII, Disto e daquilo, Edições Cosmos. Lisboa 1973, Da arte bailatória, pág.175 e seguintes.



E, já agora, uma adivinha: de que lado terá saído este pedaço de prosa que aqui vos deixo?



Os meus cumprimentos.



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De como Joachim di Fiore (1132-1202) voltou das cruzadas e desaguou em  espécies de D. Sebastião Redentor ensinando muita gente de pés molhados a subir degraus encerados.



Não me teria dado um ataque de lembrança  deste Joaquim se não tivesse visto  o primeiro ministro português dizer que não se demitia, que não abandonava Portugal, ou os portugueses ou lá qual foi a expressão bombeira e heróica de salvar a Pátria ,

porque o que interessa é o sumo da intenção, igual à do primeiro ministro espanhol, por sua vez parecida com a de Bush filho, a de Blair, a de Hitler, a de Estaline, a de Mao, lá tão longe,



a de Bin Laden, a de Robespierre e a de muitos outros para trás desprezando os avisos de Montesquieu de que o poder ou é bem distribuído e controlado ou cria maus hábitos.

Ora este Joaquim, pouco falado mesmo em debates ilustrados, foi às cruzadas e parece que lá foi palco de inspirações proféticas e místicas de tal monta e projecção que de uma ponta à outra da História não houve salvador que não o tivesse por inspiração mesmo que nunca tenha ouvido falar de semelhante criatura.

 Por acaso a ideia que tenho é que a classe política em exercício ouviu falar de muito pouca gente. Mas enfim...

Este monge previu que a humanidade passaria por três fases: a Idade do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo.

Parece que estes três degraus influenciaram Hegel, Marx e o Terceiro Reich já que justamente nesta última idade a Humanidade, logo a Sociedade atingiriam a utópica perfeição total,  sempre comandada por um líder nascido já porta voz directo de Deus.

Por outras palavras, em vez do pensamento de Maniqueu, aquele que achava que a humanidade seria sempre campo de batalha entre o bem e o mal sendo o conflito (bom e mau) inerente ao género humano grande e pequeno, o Joaquim achava que era possível moldar as criaturas, através dos tais líderes, de forma a criar uma união fraterna sem qualquer espécie de bulhas fosse pelas ideias fosse pelas batatas ou pelos pudins.


Não sei se foi o Joaquim, ou se já vinha de trás, nomeadamente de Cristo, que a ideia da criação de um mundo novo, do Homem Novo, tinha associada a extinção radical do mundo velho como se a História nunca tivesse existido e a geografia, o calor, o frio e outros factores fossem pechisbeque de pouco valor.


Ora a mulher de Tony Blair irritou os ingleses quando correu com os tradicionais gatos do nº 10 de Downing Street e o próprio invocou o seu parentesco com Deus para estar a seu lado na transformação da Inglaterra num glorioso país novinho em folha, e na guerra contra o Iraque, esquecendo-se que  os ingleses, ao contrário dos americanos, não gostam de misturar os negócios do Céu com os da Terra nestas coisas.
Blair, estatelou-se ainda antes de ter reparado que tinha caído.


Provavelmente, os mais sensatos dos portugueses e dos espanhóis, também não estão de acordo que se transfira o tão próprio sol do meio dia para o disciplinado sol da meia noite sobretudo quando tal Ajuste Estrutural implica desprezar velhos, reproduzir desempregados e mal educar crianças. Duvido que acreditem que adormecendo num velho, cansado e deprimido, acordem num país tão novo que se torna irreconhecível na modernidade e abastança.


Tais messias andam a esbracejar, para trás e para a frente, em equilibrio instável mas ainda não caíram. Mesmo assim vão gritando que os meios justificam os fins.

Mas voltando, uma das demonstrações que manipular o género humano , assim à bruta, repentinamente  e sem respeito dá mau resultado, foi logo no séc. XVI na Alemanha.

Uns lideres de massas de uma região, acharam que o eram por poderes divinos com tudo o que tal implica.

 Em termos simplistas, além de acabarem com toda e qualquer espécie de privacidade ( até nos afectos) e de propriedade, de forma a não existirem distracções,  apelos ao pecado e outras seduções do Imundo como as que se encontram nos livros, decretaram o fim da música e da dança.


 Ora como toda a gente sabe, mesmo os pés de chumbo, o corpo humano reage de forma visceral ao ritmo, nem que seja ele o martelo do ferreiro e, por gosto, ou des gosto, ao som melódico nem que venha do canto dos pássaros.

Por um lado, não tardou muito a que esses iluminados, e aos seus mais directos colaboradores, fossem chamadas as propriedades das gentes fraternalmente renovadas, tornando-se líderes mais ricos, com mais mando nos irmãos comuns.


Por outro, não demorou muito que estes comuns não começassem a cantar e a dançar e que a comunidade  se desfizesse à custa de mortos e feridos. Tendo virado o oposto do que se previa, não se chegou a concretizar o contágio por todos os outros reinos conhecidos, como era suposto.


Bush também não conseguiu acabar com algumas formas de arte perversas e de pessoas transviadas, como os gays, por exemplo, nem estender o Bem a todo o Eixo do Mal (para além do petróleo também dar um certo jeito à alimentação da causa, claro ).
A maioria dos americanos acabou por achar que Deus, com todos os defeitos, sempre é mais inteligente e menos anedótico. Ainda deve estar à espera que o Altíssimo lhe explique porque o empurrou da escada abaixo.


Já agora, Robespierre, o tal que achava que se criaria o Bem Novo assassinando o Mal Velho um por um (Garibaldi, salvo erro, exprimiu a limpeza com o desejo de ver "enforcado o último rei nas tripas do último padre") , proíbiu as simbólicas e decadentes danças aristocráticas.

 Certamente por distracção, não reparou que tais formas já tinham sido passadas , há algum tempo, para as populares e folclóricas.

Andam por aí até hoje, estilizadas, imagine-se  no passo cerimonioso em que o pai leva a noiva ao altar.

Também de nada serviu a Salazar ou Franco andarem com censuras.
 Liam-se pecados nos Arys dos Santos, nos Zecas Afonsos e noutras fontes artisticas. E mal calculou Franco que a copla de Juanito Valderrama chamada "el emigrante", considerada pelo regime um hino às virtudes de Espanha se viria a transformar imediatamente numa ironia de resistência e luto.


Por outro lado, também foi inútil a Fernando Lopes Graça omitir qualquer referência às inovações americanas na breve história da dança que escreveu, porque toda a gente, penso eu, acha graça, entre outras, às habilidades de Fred Astaire bem como aquele ressurgir de infância travessa de Gene Kelly a dançar à chuva, para não falar do sonho que muitos bailarinos e coreógrafos portugueses já tinham acerca de  estagiar na escola de Martha Graham em Nova Iorque. Ainda eu era uma criança.

Adiante.

Ao que diz quem mais se debruça sobre estas coisas, a partir do Iluminismo, o Joaquim, sempre  presente, tornou-se mais científico e de menos apoio divino.

 E a ciência e a tecnologia dão para tudo consoante quem as aplica. Einstein, com desgosto, que o diga. Pode ser, com os mesmos instrumentos, utensílio de vida ou de destruíção.

Tanto Hitler como Lenine e Estaline, partindo ambos de Joaquim, aderiram, já com supostos meios científicos, à teoria do Apocalipse e do renascimento a partir das cinzas.


Um a partir da selecção, exportável e metódica da espécie humana de forma a criar uma sociedade ideal, sem conflitos nem impecilhos. "Saudável" de corpo e alma.



O outro,  queria uma sociedade igual, também exportável, sem diferenças, comunitária. Depois do expurgo e baseado nas convicções científicas de Lisenko, o comportamento ideal seria herdado. "Ensinando-se" aos pais, os filhos já não teriam desvios. Muito menos os netos.


Os dois usaram e abusaram das palavras Povo e Liberdade, agarradas por eles no presente e sempre projectadas para o futuro. Por acaso não sei se existiu do lado de lá algum Volkswagen (Volk-povo, Wagen-carro, para quem não saiba).


Nas artes ambos preferiram as formas representativas às intuitivas. Todas serviram a propaganda. Não como forma de fazer crescer a sensibilidade e os pensamentos mas como forma de "educação" num sentido específico de ideologia.

 É muito triste quando a criatividade é classificada como correcta ou incorrecta. Neste último caso ou se esconde, ou morre, ou, se puder, foge.

Cá para mim não existem formas obrigatórias de cada um sentir o ritmo e é bom que, à vista de  uma mesma nuvem, uma pessoa diga que parece um pássaro, outra um Boeing 747 e outa ainda uma sardinha no pão. Fica a nuvem mais rica.

Por isso, talvez, a Utopia seja alcançada quando a ética, o respeito, a sensatez, a honra, a honestidade, alimentadas pela cultura sem grades nem omissões nos pensamentos e nas expressões, sejam superiores aos delírios do poder.

Ou à sofriguidão dele.


Não sei se o Joaquim alguma vez pensou nos limites.
Se calhar já está tão velho, tão gasto, tão usado, que já embrulhou a memória no tempo.


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