sábado, 24 de novembro de 2012


O canto oscuro de Rembrandt



Nesta minha hibernação por ora interrompida, mais por obrigação do que por vontade, sofrendo eu como sofro do mal civizacional, cultural, geográfico e racial da perguiça,


 outro remédio não tive, muitas vezes, que ficar inexpressivamente e tomada de inércia a vasculhar programas de televisão, não fosse eu viajar para o outro mundo sem opinião mais ou menos fundamentada sobre a caixa que mudou o mundo ou que sem o mudar, porque nunca foi bom, mais o mostrou de forma rápida e sem mensageiro a cavalo pelos montes nem pombo a cruzar os ares.

Não sei se pela larga paisagem movimentada que tive durante uns dias

se pelas notícias que fui vendo em vários canais de diversas línguas apresentadas por loiros e morenos mais os assim-assim, lembrei-me deste quadro de Rembrandt,

tão vulgar e reproduzido a legitimar licenciaturas e esperanças em consultórios médicos, sobretudo quando a idade dos mesmos já lhes garantia a sabedoria e notoriedade necessárias para serem negociantes entre a vida e a morte,
a injecção bebível ou intramuscular passando pela confissão do ronco pulmonar e a decifração da linguagem da tosse.




Ora no referido quadro, a Lição de Anatomia do Dr. Tulp, os únicos personagens reais e a desempenhar verdadeiramente a sua função são o cadáver, um desgraçado acabadinho de enforcar por ter roubado um casaco e o Dr. Tulp que lhe analisa o braço.

 Mesmo este último, digamos que foi ali posar rapidamente porque ocupou toda a sua vida profissional como político e empresário, ou empresário e político.
 Ao que suponho, naquele tempo a ordem dos factores era arbitrária.

Todos os outros eram tudo menos médicos ou disso aprendizes.

O que acontece, para quem não saiba, é que na Holanda daquele tempo, se tornava obrigatório entrar num quadro de grupo como prova da ascenção social e poder. E para isso se pagavam fortunas, mais ao chefe da tribo que permitia a pose junto a si que aos pintores.


Estes estavam sujeitos a regras: nunca deixar uma figura na sombra, o chiaroscuro usava-se imenso sobretudo depois de Caravaggio, e arranjar as coisas de maneira que todos tivessem o seu protagonismo relativo.

Naquele tempo, esta moda começou quando os comerciantes e outros, como os banqueiros começaram a ter muito poder, ou seja, um poder novo, calvinista, mais moderno do que o que então havia, sobretudo depois de acabarem de guerrear com a Espanha e com a Inglaterra, salvo erro que de historiadora tenho muito pouco e só ligo ao que acho graça.


 Mexeram nas artes todas mas se me ponho a falar da dança não saio daqui tão cedo, palavrosa como sou.
Adiante.

Começaram a receber população que vinha da Flandes. Daí resultou que havia mais gente que trabalho e por isso, contentes, começaram a pagar pouco aos que conseguiam trabalhar muito.

Naquele tempo, um país era tanto mais rico quanto mais pobres tinha, ou seja, quanto menos pessoas podiam comer bifes todos os dias.


Já agora, também mandaram muitos do quadro de excedentes para a América. Muitos montaram barraca em Manhattan e com medo dos ingleses do outro lado da rua, construiram um muro de segurança que ficou conhecido como Wall Street.

Mas por outro lado, os banqueiros e os comerciantes dos retratos de grupo, convenceram as pessoas a comprar muitas casas a crédito.
Rembrandt foi um deles. Era filho de um moleiro e da filha de um padeiro. Tal fruto de farináceos comprou uma casa de luxo quando era o mais cotado pintor de retratos  a solo e de grupos de.


Depois teve tanto êxito que   surgiram 35500  pintores a imitá-lo na técnica e no tema.
Eram mais fraquinhos, não tinham a mesma técnica nem talento, mas vendiam o ofício por um preço mais barato.


Dizem as más línguas que muitos quadros que andam aí nos museus com a marca Rembrandt são contrafacções. Cá para mim tanto faz desde que goste.


Rembrandt, além doutros problemas de grande envergadura, deixou de poder pagar ao banco, porque os seus clientes começaram a baixar as encomendas e a diminuir o preço. Foi despejado. Naquele tempo era assim.

Em vez de comer bifes a toda a hora, começou só a comer uma vez por dia: pão e arenque, ou a variável, arenque e pão.

Perdeu a casa e ainda teve uma lição de moral muito em voga na época: não se pode viver acima das possibilidades nem gastar mais do que se tem

 porque os dos grupos tinham feito o milagre de gastar muito menos do que tinham


 e por isso é que alimentavam mal os escravos que roubavam aos portugueses,

quando descobriram o caminho marítimo para Angola ou punham os índios americanos à briga que era para, enquanto eles se matavam uns aos outros, eles ficarem com as terras férteis.

 
Podia contar mais coisas mas isto já vai longo e estou à pressa. Peço desculpa pelos erros ortográficos mas como toda a gente que aqui se senta já sabe, sofro, como Rembrandt, de dislexia crónica.

Naquele tempo, como hoje, era mal com remédio mas sem cura. Acho eu.


7 comentários:

bettips disse...

Eu quero um retrato de grupo, fino, intelectual, sem jurássico nem euros, sem americanidades nem germandades nem irmandades: um grupo assim, descabelado pelas artes e culturas, pelos mundos. Eu quero um mundo assim, feito grupo.
E ir podendo pagar a renda do bocadito de ar onde vivo. E mandar-te um abraço. (que as crises e as doenças chronicles me têm afastado de espreitar o tal mundoalternativo...)

Lizzie disse...

Pois, Bettips,

talvez seja coincidência mas acabo de sair de um retrato de grupo sujo e feio onde nunca sorri ou se se sorri, era a única. Nunca tive esgares de circunstância. Nunca fui habituada ao sorriso maquilhado de quem engana. Sou mais bobo travesso que submisso.

O grupo da finança apagou a luz da sala da Arte e da História, das lendas ternas e eternas.Por enquanto ficam estes retratos às escuras Excepto para os olhos de gato adaptados à escuridão.E Andam por aí belos gatos vadios, a recusar dono. Felizmente.

Agora mudo-me, tinha-te falado em mudança.
Vou deixar crescer àrvores nas pontas dos dedos pelo menos até o corpo me obedecer.

(Já me vai obedecendo mais com o tratamento)

E pronto.

Sacudo o pó e faço-me ao caminho. talvez ao encontro da minha verdadeira natureza. Portugal, afinal, sempre me foi longe.

Um grande abraço para ti.

bettips disse...

Até sempre
com verde na ponta dos dedos
deslizante como gato vadio!
(quero histórias de sucesso artístico, moral, humano...)
Bj

Lizzie disse...

Vou voltar um dia destes. Acenderei nem que seja uma vela na sala. Agora ando com beethoven, chopin, fauré...continua abaixo

Lizzie disse...

...cesária évora, ella e mais uns tantos, imagens e corpos que falam da solidão femenina. Sem ganho mas por luz e amor. Bjs

ocupaAredeglobo disse...

linda postagem, helena; fascinante. gestei muito, delicada, poética, incisiva, implacável com os de cima, contra os quadros rembrandt das vidas atuais.
salve,
b
l

Lizzie disse...




Ocupa,

obrigada!