segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Vai este em resposta aos simpáticos comentários da Boa Viajante Bettips (ladies first) e do Senhor Augusto, Único Entre Mil, que sempre é melhor a prosa ir com imagem do que ficar reduzida a caixa.
Peço, desde já, desculpa por este vir a ter ainda mais erros do que o costume mas com Doña Rosa a prever, cirandando, recaídas de pneumonias só porque vou ao terraço apanhar ar, com o barulho castelhano e o cheiro a pimentos que vem da cozinha, com as coplas aflamengadas de Conchita Piquer, “Té daré mis sueños…” mais o “lo dudo, lo dudo,lo dudo” do Trio Odemira cá do sítio, não há espírito que se concentre.
Mas cá vai e de boa vontade:

Da manobra de estacionar as sementes plantadas nas nuvens, em céu geralmente limpo ou pouco nublado.



Senhores acima citados e outros:

Não sei se faço sementeiras ou se sou semeada.

Certo é , segundo me dizem, que é pouco o hábito de andar pelos campos a olhar para mim, que ponho é a mente a jeito para ser fecundada.

Entram-se-me as sementes pelos olhos, pelos ouvidos, pelo corpo descansado e calmo ( porque melhor sou semeada em bonança que em tempestade), fundem-se com a memória e sinto-as crescer numa anarquia sem parança, mas sem desejo algum de Guinness ou mais sofisticada honraria porque nestas coisas mais manda o futuro que o volúvel presente.




Se for semeada por qualquer coisa que sempre foi eterna e permanente e que eterna e permanente haverá de ser, logo o meu fantasma verá porque assim sempre ensinou a sábia Mãe História e não me apetece esforçar-me para ficar sentada na montra da grandeza.

Para mim como, suponho, para qualquer um dos vossos terrenos, existe um muro que impede as sementes de chegar a solo fértil: a falta de tempo.


Onde é que já se viu um terreno ser engravidado a prestações, ter filhos a crédito mesmo que em suaves prestações?
Seja fecundado hoje e comece a germinar três meses mais tarde?

Mais certo é a ventania dos dias levar as sementes para longe da vontade deixando as terras com uma secura sem remédio.


Quantas crostas não têm os sulcos da amargura, da fúria, da tristeza…seja lá qual for a plantação.



E para além do tempo existe um míldio que nem a mais atenta Família Prudêncio que não bebe, não fuma, não come, se havia mais não me lembro, pode exterminar:



aqueles germes, pessoas formatadas, maquinais e sem interesse, que mais parecem as moscas da fruta e que nada têm a ver com as colheitas mas que se instalam e andam à volta no correr trabalhoso dos dias e atacam a paciência numa infecção mental sem fim.





É aí que ponho os olhos em alvo como a maior parte dos S. Sebastiãos.



Tal como ele, também sinto que fui dada por Deus ao Diabo (credo cruzes canhoto vade retro Satanás) para adopção.


Mas se ele, coitado, se habituou à caracterização do êxtase melodramático, a mim dá-me para arrancar qualquer seta que me perfure e tantas vezes, oh tantas, pego sem que ninguém adivinhe, num cavalo doido e parto para terreno que me recebe, em Beleza, a alma fugidia levando na armadura o lema “Desculpe, estava distraída”.



E ou me engano ou também muitos de vós são Condes da Distracção, porque talvez muitos já tenham chegado à conclusão que quanto mais moscas se matam mais elas parecem nascer até da própria morte.

E já agora, resta-me dizer-vos que nunca se sabe de que saco saltam sementes que fecundam a imaginação fazendo nascer obra.

Estou-me a lembrar que uma vez fui ali ao terraço madrileno e olhei para o céu e lá estava uma pequena nuvem sozinha, tresmalhada do rebanho, órfã perdida num céu magenta de fim de tarde atravessada por um traço de avião de longo curso e, senhores, pegou ela no arado das minhas memórias, umas enviadas pelo Paraíso de Deus, outras pelo Inferno do Demónio


( nem numas nem noutras ninguém manda nem escolhe horário de visita)


e levou meses e meses a lavrar-me e tanto me lavrou e a tantos terrenos foi ter que às tantas, coitada, já nem me lembrava dela nem do seu estranho nome: Ponto De Partida.

A mais recente sementeira, deu-se quando andava eu em passeio lento e com aroma oitocentista, ou não tivessem os males pulmonares uma fragrância de Romantismo, pelas paisagens da minha morada portuguesa, quando fui pulverizada, através de um pormenor

que se ligou a outro,

por um silo de sementes.

Mais uma vez a memória se mostrou mais atrevida que qualquer Deus ou seu Oposto e, se me mostrou o conteúdo, um acidente mostrou-me a forma. Uma forma que procurava há anos.

Foi com pensamento entusiasmado de terra regada, que cheguei a casa, descalcei as botas, abaniquei o fogo da lareira, me apropriei do meu silêncio e me pus na labuta sorridente da ceifa.

Como é que a tradução das paisagens portuguesas saltou de horta em horta e foi parar aos gestos pantomímicos e vagamente cinematográficos da menina anoréctica de serviço numa caixa do Carrefour de Madrid e a um senhor bonito e misterioso que vai comprar Ducados à tabacaria ali em frente, não faço ideia nem é questão douta que me rale.

O certo é que todos são simbolos, referências e motivos daquilo a que se chama inspiração.


Quando depois de amanhã voltar para a lide rotineira, que por acaso é em Lisboa mas podia ser em qualquer sítio da Europa Velha, não sonharão as moscas e os moscos da fruta pequena




que dentro de mim nasce um prado onde vai correndo a seiva em que realmente me sinto bem gerada.

Agora, se me dão licença, vou lá dentro comer um churro genuíno e beber um cacau sem açúcar bem quentinho ao som de uma rivigorante tocatta de Widor,



tudo espécies de estufa à prova da geada corriqueira.
Aqui os horários são pouco agricolas. Será o jantar só lá para as dez ou onze.

Posto isto despeço-me com amizade, até à próxima oportunidade.


6 comentários:

bettips disse...

Graças ao "anti-ciclone centrado a NW dos Açores", aquelas ilhas perdidas na bruma dos prados, entre miragens fumegantes da terra que aí respira, assim te vejo inspirar inspiração
e descalçando botas
fazendo piruetas bufas
tal como os quadros desse admirável Brueghel (onde os corvos)
(e que graça admirarmos os mesmos santos olheirentos, gostarmos dos flamengos que tão bem retratam a maledicência e maldade da época)
- eis que te surgem sementes das nuvens ou das miragens das águas!
Maças e pêras com bicho da fruta, pois então, não sujeitas a pulverizadores de mentalidades.
Boas noites
B

Lizzie disse...

Quanto a santos, às vezes devo parecer Santa Jorgina e o Dragão (sem ofença para o Fêquêpê), isto porque viro a lança para defender S.Sebastião e a Joana d´Arc dos Berlusconis que as moscas têm dentro.

Ainda hoje me disseram: "aquele que é maricas quer falar consigo".
Fiz-me de inglesa seráfica estúpida com toque de flameco e castanhola e foi "quem?" e "quem?" até ser dito o nome que consta do Arquivo de Identificação.

Ai, pobres dos que não dançam de roda segundo a coreografia do Deus inventado, mutante e conveniente das moscas da fruta, casadas ou não com o caruncho.

Porque todos os que são inspirados, com ou sem obra, são água ou fogo do Demo, o tal que segundo elas, anda a sujar botas na lama do Tejo e tem hálito de furnas, gosta de espanhóis vivos quando já deveriam estar todos mortos, muito piores ainda que os "amaricados" dos ingleses e aquele da banda desenhada que se chama Brueghel mais o outro, um tal Bach que não passa na RFM, vira o disco e toca o mesmo, toca o mesmo e vira o disco e por aí fora, assim mais ou menos porque os artistas são todos malucos e não estão certificados pelas normas da União Europeia.

Mas não faz mal. O que importa é que se ande sobre as águas que se têm na alma.Uma água que não tem secura nem crostas e se deixa levar para longe pelo vento.


Beijinhos

augusto, um entre mil disse...

Senhora,

são as recaídas um pouco como as sementes: não podemos nunca ter a certeza de quando irão pegar e germinar. se umas precisam mais de chuva e outras precisam mais de sol, também há as que querem sol e chuva.
posto isto, que não faço ideia se é falso ou verdadeiro, avancemos, que a boa semente tanto medra em terra arada como em terra por amanhar. já a romântica pneumonia (não tão romântica como a antiga tuberculose galopante), parece vingar melhor nas intempéries, preferindo os terrenos menos protegidos.

e tendes razão, Senhora: é tanta a variedade de sementes que trazemos no nosso avental de semeadores que, o muro que chamais de falta de tempo não permite, mesmo que a nossa mão as atire à terra,que consigamos olhar flores e colher delas todos os frutos.

...
flic flac
...

porque me foi dito há muito tempo por pessoa bastante erudita e nada tendenciosa, que o diabo nada mais era que um anjo que saiu do coro dos outros anjos e começou a cantar uma letra que punha em causa o que estava instituído pelo senhor todo poderoso, julgo que preferiria ser adoptado (será que o novo acordo eliminou este "p" ?) julgo que preferiria ser adoptado por um anjo com ideias próprias que por um anjo não pensante e seguidor de ideias de outros.

...
flic flac para trás,
...

já me cresce a água na boca pois não me sai da cabeça a palavra pimentos.


e, já agora, sempre vou opinando que, fazerdes sementeiras ou serdes semeada,...é bom e vale a pena colher os frutos (assim como julgo que gostais de estar em Lisboa ou em terras de Doña Rosa).

e aceitai, Senhora os meus respeitos e, também as minhas desculpas pois acho que misturei, por aqui, as minhas ideias.

Lizzie disse...

Senhor:
...
balancé
...
ai de mim que ainda não estou livre de recaída pois a terra ainda está frágil, segundo me foi dito por mais entendida que Doña Rosa que, aliás e mais empírica, me obrigou a beberagem fervida que consta de:

duas limas inteiras com casca
gengibre
canela
em lume brando durante 10 minutos
depois o mel (que odeio).

Ainda levei com urtigas mas isso, ocorre-me agora, entrará em post, se para tanto tiver hoje tempo.

...
aplomb
...

Haverá coisa mais castelhana que pimentos nem que seja para dar sugestão de gosto? Até em bebidas.

...
Pas de cheval
...

Senhor, gosto por gosto, mais prefiro Madrid por várias razões. Terra que me é mais fértil e ousada.
Mas depois também fico com saudades do Tejo.
Ando com as sementes às costas: lá boto sementes lisboetas, cá nascem plantas que abanam como castanholas.

...
plié
...

são bem vindas, bem recebidas, as suas opinações, com ou sem acordo ortográfico que parece agora também adoptado (ou saído da planura dos anjos curvados) pelo diabo quem o não segue.

e com

cabriole

de si me despeço apresentando os meus mais respeitosos agradecimentos e cumprimentos

Alien8 disse...

Impossível resistir a esta despedida. Ou aos churros, que nunca se sabe, na verdade, de onde aparecem as sementes. Mas lá que aparecem, aparecem!

Lizzie disse...

Ai Alien, pois claro que vão aparecendo a toda a gente e cada um sabe das suas. O pior é arranjar terreno para as plantar que as estações, essas, todas servem.

Quanto a churros, olha, que se lixem as dietas...


Um grande abraço para vocês!