Pradaria fatal
directed by
Lizzie M Girl
produced by
Memory Studios
Não sei como se mede o barulho do silêncio
Talvez em mais nenhum sítio tenha visto tantos gritos como no Texas.
É disso que me lembro, a imagem que ficou: gritos disparados em desesperos. E com silenciador a ocultar o estardalaço do crime.
E uns a correr para o que nunca foram, outros a trote para o que nunca tiveram.
Conheci um cowboy muito rico, com a riqueza que parece só haver ali.
Além das empresas industriais, tinha duas universidades, uma orquestra sinfónica, uma companhia de dança. Mandou construir um teatro, que não queria arte arrendada com ensaio emprestado. Ouvimo-lo dizer que gostava de tudo completo.
Não disse, mas soubemos, que tinha uma espécie de polícia privada.
Alguns agentes estavam encarregues de ir buscar uma das filhas, quando fugia em busca de amores urgentes, desvairados e cegos ao afecto, aos móteis gasolineiros.
Ali se juntava às outras mulheres de risos estridentes, baton para além da moldura dos lábios, na esperança que surgisse do nada o homem televisivo e salvador face à história, às vezes de aparência longa, dos prantos.

O homem que lhes amparasse a cintura nas danças lânguidas, e fora de ritmo, ao som de juke-box e não se importasse com o preenchimento das rugas com creme Pond´s.
Também a iam buscar às minas, cheias de homens desdenhosos, mas tementes, pela leviandade rica da filha do patrão.
Outros agentes, iam atrás de um dos filhos, tradicionalmente Marlboro macho activo, fã de medir bravura com os marinheiros ancorados em S. Francisco.

Já tinha passado a época dos acampamentos hippies em formato peace and love milionário.
Outros acompanhavam a mulher a Paris. À L´Opera. Ao Metropolitan de Nova Iorque, ao Scala

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Confessou-nos ela, em girls talking.
Conjuntamente com a sua idade real. É mais fácil falar com quem iria partir já amanhã. Já iam longe os tempos em que era morena, eleita Miss Austin, graças à beleza e à exuberância dos seus relevos anatomicamente tão femininos. Verficámos, de várias maneiras, tratar-se duma obsessão texana.

Se o marido, the fucking guy, lhe expunha a passagem do tempo através das amantes, modelos barbies, ela bebia e dançava em celeiros, fora um ou outro Dior ou Balenciaga, atirados para o cloro da piscina. Adorava poesia simbolista. Palavras dela.
A outra, amiga de longa data, tão loira, alta e igualmente insuflada nos atributos físicos, tinha incendiado o presente das bodas de prata, um mero Rolls Royce, enquanto declamava Walt Whitman. Ou Sylvia Plath. Já não me lembro qual o citado. Mas era grande.
Só se chora durante os dois primeiros anos de casamento. Girl, a infelicidade é uma questão de hábito. Ou de preço, pensámos nós, girls armadas ao pragmático hiper realista.
Mas o cowboy sénior usava um fato Versage, com um chapéu permanente da classe e uma botas de picareta, que dariam para a prospecção de petróleo, cheias de adereços dourados.
Para que precisaria de esporas se andava de carro longo na devida proporção das estradas do território? De avião privado. De helicóptero.
Em fase de cumprimentos, era de tal aperto de mão, que imaginei a minha pendurada na parede como troféu de hospitalidade. E logo a direita, que me faz tanta falta.
O homem deu uma festa em casa. De agradecimento pelo espectáculo que tinha pago.
Morava a duzentos km de Dallas, no meio de um reino de sol. Como se ali o astro fosse exclusivo e tivesse deixado todo o resto da Terra às escuras.
De qualquer forma, aquilo pareceu-nos logo cenário de ficção.
Deparamo-nos com Picassos, Renoirs, Pissaros a acompanhar outros de ampla tradição texana,
espalhados pela sala principal. E os retratos de família, a lembrar o orgulho de vencer na terra das oportunidades.

Como em qualquer outro sítio naquele Estado, nem o Picassiano período azul, escapava ao cheiro da carne grelhada e frita, das maçarocas de milho assadas com manteiga. Nem uma sardinha, uma garoupa, um cherne, um tamboril, um camarão tigre.


Nós, tão novinhos e esbugalhados, não conseguimos perceber porque coño os mais velhos, como o cowboy, tratavam com tanto respeito e educação a empregadagem in the family, enquanto os novos pareciam esmagar baratas acessórias com brutalidade nas palavras e nos gestos.
Haveríamos de perceber, um bocadinho, quando chegámos à crise de 2008. Uns anos mais tarde.
O homem tinha, debaixo do chapéu, um ar triste, como tantos ares tristes, sem pudor, haveríamos de ver pelos caminhos. À beira das estradas, muitas palavras exteriores tinham morrido.

Fez discurso solene de agradecimento. O poder parou a algazarra.
Com piadas sem graça e graça sem piada. Esperava que a rude América nos estivesse a tratar bem, a nós os magestáticos e refinados europeus.

Ninguém dormiu com o alarido daquele alvoroço: gritos de mulheres, berros de homens, crazy bitch, bastard, son of a gun.
De madrugada, os empregados limpavam destroços de copos, recolhiam sapatos e chapéus da piscina. Uma dama dormia, desalinhada, numa cadeira. De um pavilhão chegavam umas notas reconhecidas de Chopin. La Señora gostava de tocar piano à primeira claridade do dia . Antes de se deitar.
E, por alguma razão, quando fechámos, já no ar, os olhos, vimos numa tela preta, o desfilar de nomes encimado por um personagens e interpretes, ou cast in order of apearence.
E até o sol se foi tornando mais discreto. No nosso caminho para o norte.

(Vamos até ao celeiro, esperemos que por mais de trinta segundos.)
i can help - billy swan