quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Fica o do kitsch para outra altura que agora, por via de ter tido a honra de ser convidada a assinar uma petição espanhola contra a crueldade das touradas e a favor da criação de reservas, ter lido uma entrevista de senhora professora admiradora e defensora de marialvas e ter assistido a uma conversa na 2 com o famoso professor de literatura Amorós, devoto da morte e do sangue, me está a apetecer escrever uma

carta aberta aos paralíticos do tempo



Srs. Professores:

Antes de mais, não posso, à velocidade a que o tempo desde há umas décadas corre, deixar de me comover com a vossa sintonia ideológica. Que o Sr. Prof. se encoste a um tempo já morto até percebo, dada a sua provecta idade com refúgio na nostalgia, agora a Sra, nascida mulher, perdão, fêmea, rapariga nova…



E deixem-me também dizer-vos desde já que, embora pertencendo àquela massa tonta e desprezível dos urbanos, tomei conhecimento do vosso estimado mundo em infantis e adolescentes férias no Alentejo, uma espécie de Andaluzia frouxa. À portuguesa.

Dizem que a civilização é o evoluir do encontro interdependente entre a ciência, a razão, a justiça, a busca da beleza e formas de expressão artísticas várias no sentido de atingir ideais perfeitos para a vida no mundo. Toda esta interdependência gera cultura. Gera racionalidade.
Nenhum dos srs. Profs. acharia plausível hoje, suponho, a queima de um epiléptico por bruxaria, pois não?

E concordarão comigo que a medicina se tem esforçado por minorar a dor e o sofrimento!

E que a sociedade se dirige à absorção e dignificação dos diferentes do geral.

Ora o evoluir ocidental, desviou-se da cultura estritamente antropocêntrica apoiada por dogmas religiosos de que são tão devotos e houve quem descobrisse que os animais e as mulheres têm sistema nervoso, logo dor. E que são dotados de personalidade. E que merecem respeito.



A Srª Profª. admite tal coisa mas defende o superior direito humano de massacrar os animais em geral. Diz que é um símbolo de festa e alegria. Defende o ensino da tortura festiva às crianças. O contacto com a morte. E, pasmo: as “pessoas também têm dor quando levam uma vacina”.

Prodigiosa comparação, insigne pedagogia.

O Sr. Prof. diz que pessoas como eu têm uma visão Walt Disney dos animais: uma versão coitadinha e ternurenta, referindo-se, salvo erro e nomeadamente, aos cavalos dos picadores. Pois com ou sem Disney, sabe tão bem como eu, que são utilizados cavalos velhos, doentes, ulcerados para serem supliciados, com mais sofrimento ainda, na arena.

Sr Prof., no reinado de Isabel I, séc XVI, em Inglaterra, o mau trato a um cavalo já era punido e…Walt Disney, como sabe, ainda não tinha nascido. Fará coro com a Srª Profª. quando ela diz que as mulheres são fracas.

E saberão os dois que o touro quando entra na arena já esteve encurralado durante dias, sujeito a torturas várias como a impossibilidade de dormir ou choques eléctricos que lhe geram pânico. Agitação, no dizer dela.


Também se esqueceu de dizer que são quase cegos, como a senhora se esqueceu do forcado rabejador que ao torcer o rabo do bicho lhe provoca tonturas, logo inacção. O rabo do bicho é o prolongamento da medula espinal.

Caro Prof. devia ter dito que o matador Bravo que tanto com tanto extase idolatra foi preso várias vezes por desacatos e pelas cargas de pancada quase mortais que dava às mulheres;

que o matador português Pedrito se gaba de deixar filhos espalhados pelo mundo, afastando qualquer responsabilidade, como qualquer macho que se preze;

que Hemingway era psicótico e alcoólico, gerando infelicidade onde chegava.

e Picasso, enfim, além de maltratar física e psicologicamente as mulheres, não era propriamente simpático para os homens que não viviam para demonstrar até à exaustão, o seu poder de machos dominantes. Olhe as brincadeiras dele e Breton com o talentoso e sensível Miró.

Srª. Prof., agora de mulher para mulher, sempre lhe digo que nem todas como a senhora gostam de ser dominadas pelo poder já anacrónico do centro testicular masculino,



nem todas andam com a sua adorada e repetida palavra virilidade como filtro nos afectos quando se apaixonam ou amam, nem todas acham legitima, no séc. XXI, a condição exclusiva de retaguarda. Virilidade fica muito para além das mulheres, copos e touros.


Sou tão mulher como a senhora, acho eu, e gosto de homens que reconheçam categorias intermédias entre a santa e a prostituta (puta), sendo as primeiras as suas legitimas, recatadas, sofridas e submissas esposas e as outras todas as demais, casadas ou não.


Gosto de homens que não tenham vergonha de abraçar afectivamente as mulheres, que me mostrem, com brilho nos olhos, as fotografias das filhas sem lhes chamar, como sabe, os nomes ordinários que os seus homens lhes chamam, que assumam que nunca frequentaram prostitutas ou as levaram para o campo abandonando-as despidas e violadas (como sabe ser corrente os seus fazerem), que saibam dar e receber, que saibam que não são máquinas de erecção constante e que utilizem o cérebro, aquele que se situa no interior da caixa craneana.


Eu, como tantas das tais intermédias, gostamos de homens livres.

Como considero Homens (não desmaie) os que amam outros homens. Srª Profª, despidos no corpo e na alma, garanto-lhe, já vi vários, são tão homens quanto (assim em quantitativo) os seus.

E, Sr. Professor, não compare o bailado à tourada: no Ballet (baille, balé) trabalha-se para a harmonia melódica do movimento,

nos Toros exibe-se a performance do carrasco.

Nem ligue o flamenco à tourada. Tal como o fado, existe apenas uma pequena parcela que lhe aproveita o mote.

Muito menos utilizem o argumento estafado de “quem não gostar não veja”.


Também nunca vi ao vivo nenhuma mulher ser lapidada, ser vítima da excisão do clítoris ou vendida como coisa, mas tenho o direito de me revoltar e opinar sobre o assunto, virada para a nascente do futuro.

Confesso que tive uma certa pena de si quando disse que há menos touradas mas mais público. E quando enalteceu a raça da gente espanhola. Tentativa patética de virar o sentido do relógio, ao saber do progressivo desinteresse e falta de gente nas praças.

Cada vez são mais os que defendem, como eu, a beleza dos Miuras, mas em reservas, onde se lhes possa admirar, em liberdade, a pujança.


Caros Profs, os ingleses não deixaram de ser ingleses por terem proibido a caça à raposa e a outros animais correspondendo à vontade antiga de Isabel II.

Srs. Profs., nem os senhores nem o vosso Deus furioso têm poder para segurar o tempo.


O vosso mundo está agónico. Chegou a hora de sofrer a estocada final, de se lhe cortar uma orelha e exibir a cabeça numa qualquer taberna, situada lá para os lados da Praça da História.

Com licença

Lisboa, 19 de Novembro de 2008

Lizzie

p.s. aqui vos deixo um exemplo de um flamenco sensível, dirão amaricado (mariconero), de quem chora uma partida, longe, em qualquer terra, das praças de touros. Os homens também têm autorização para chorar.


el adiós - paquito corrales

26 comentários:

the joker disse...

BRAVO!

Vanda disse...

Lizzie,


as tuas palavras são a mais bela pega de caras que assisti na minha vida!


Depois de teres pegado o Touro (a questão) pelos cornos (perdoem-me a expressão mas tenho uma costela alcochetana) não esqueceste uma única farpa.

Bravo, meu. Também.

Anónimo disse...

Bravo mesmo!

pront'habitar disse...

Aqui, bato palmas de pé!

Arábica disse...

Lizzie,



...as tradições ainda são o que eram...desafortunadamente...

Anónimo disse...

ofereço-lhe uma rosa






MULHER-CORAGEM!!!!!!!!!!!!!




**

Lizzie disse...

Joker:
no que toca a este, obrigada mais uma vez!

Respondendo aqui ao de baixo, olhe que não acho o inglês uma língua preguiçosa. Prefiro chamar-lhe sintética.
E,já agora...:) quando tenho que ler, ou estudar, alguma coisa técnica, prefiro a esquematização inglesa = americana e castelhana à catalã (já vou entendendo alguma coisa). Vão directos ao assunto, são sucintos, práticos, ao contrário dos catalães, especialistas em confusão e "palha".

Quanto a musicalidade, tanto o castelhano de Madrid como o inglês bem falado de Londres, são sinfonias. O catalão é brusco.

Os escoceses, coitados, parece que têm sempre a boca cheia de " chicken pies". E a ferver:)

Lizzie disse...

Vanda:
gostava lá eu de forçar o bicho a levar comigo em cima,agarrada aos cornos, a tapar-lhe a vista:))

Quanto a farpas, faltam algumas...ainda mais chocantes na crueldade e nos másculos comportamentos.

E tu sabes que a ambição de qualquer mulher é andar pela rua acompanhada do seu homem toureiro ou forcado? Ser escolhida, entre várias, pelo simbolo do poder masculino?? É a srª profª que diz!

Pois o meu sonho é andar de braço dado com o Bill Gates, ou com o Obama:))que chatice o Walt Disney já ter morrido:)

Bom fim de semana, beijinhos

Lizzie disse...

AnónimoS:

obrigada!

Lizzie disse...

Pront´habitar:

não dou a volta à praça (porque acho os redondéis, tipo circo sangrento romano,claustrofóbicos) mas faço-lhe uma vénia de agradecimento.

Lizzie disse...

Arabica:

antes de mais, não sabia que a palavra castelhana que tanto uso-desafortunadamiente- também existia em português. Já aprendi qualquer coisa.

Quanto a tradições, as más,claro, já vão mais sobrevivendo que vivendo. É tudo uma questão de gerações.Talvez os filhos dos filhos destes marialvas, já vejam este tipo de mentalidades como um conto distante.

Sabe que há vinte anos atrás, Madrid tinha uma tourada todos os dias. Agora tem uma por semana e os jornais comentam em caixinhas que só os aficionados leêm. O mito perde-se, e cada vez mais os granadeiros se queixam de falências, berrando a perda da identidade espanhola. Da raça.
Já ouvi, a propósito, discursos verdadeiramente nazis. Franquistas. Se há coisa que a maioria dos espanhóis preza é, de facto, a liberdade.

Parece-me, que ainda a uns tempos de distância, já ouvimos o toque de finados.

A. disse...

...vénia.de madrugada.cansada.




um beijo.imenso.como Tu.
*

Anónimo disse...

Tu tão Tu!


"harmonia melódica do movimento"!



A melhor das definições!!!!



Odeio touradas!



Mil beijos!!!!!!



P.

Emma Larbos disse...

Lizzie,
Tenho andado por outras arenas mas, dando aqui um pulo, não pude deixar de rabiscar também o meu nome neste abaixo-assinado!
Vivi mais de uma dezena de anos no Ribatejo, numa das cidades mais emblemáticas em matéria de touradas e conheço bem o ambiente, visto de dentro. Lembro-me de me terem explicado um dia que as farpas são um alívio para o animal: dá-se-lhe uma acumulação excessiva de sangue, em resultado da tensão, que lhe provoca sofrimento, aliviado pelas farpas. E diziam-me isto com um ar sério e respeitável, perante o meu queixo caído.
E também conheço bem o espécime toureiro. Podia contar muitas coisas sobre a virilidade que apregoam mas não vale a pena. Andei na escola com alguns que ainda hoje se vêem no Campo Pequeno e eram tão burros!!! Sem ofensa para os burros, claro!

Frioleiras disse...

neste mundo agónico... adorei o teu Post, pois então!
bjs de bom fim de semana !!!

Alien8 disse...

Lizzie,

E eis como se desfere uma estocada decisiva nos defensores da "festa brava"!

Fazia eu o meu zapping, e também dei de caras com aquele Sr. Prof. idoso. Ainda o ouvi dizer que muitos artistas e etc. tinham aprendido a gostar das touradas, mas a alguns tiveram que lhes ser explicados estes e aqueles pormenores, para que entrassem no espírito e na beleza da coisa... e aí não tive mais pachorra e continuei o meu zapping.

É impressionante, neste como em outros casos, a falta total de perspectiva histórica por parte de pessoas que bem deveriam tê-la!

A tua abordagem (em mais do que um sentido:) é um banho de perspectiva histórica para os defensores do indefensável.

Agrandate niña!

OLÉ!

Lizzie disse...

Responderei aos vossos simpáticos comentários logo que o psiquiatra dos computadores trate do meu, que imagine-se, me virou as costas e diz que não conhece as nossas palavras secretas de parte nenhuma:(

Até lá, que este tem outras funções e dono.

Lizzie disse...

Passarinho, aparece-me uma vénia colorida que não consigo ver. É uma vénia, infelizmente e de certeza fechada.

Não sabia, à noite, que tinha havido uma madrugada desperta. A noite não a mostrou. Como sempre estava fresca:)pronta a vencer qualquer rampa.:)

Ou foi dos meus olhos ou, de facto, há rampas muito inclinadas?:)))

Um beijo direito e "imenso como Tu"

Lizzie disse...

Pêzinha:
então não é harmónico e melódico, mesmo quando salpicado de tragédia?

Saiu-me, o meu forte não são as definições. Às vezes são redutoras e dão-me sono.


Eu tão Eu, ou seja, com sono:)

Beijos

Lizzie disse...

Emma:

obrigada por assinares.

Quanto às farpas, imagina que é essa a teoria da Srª Profª. Diz, aliás, que antigamente também se sangravam as pessoas para obterem calma interior (Emma, fecha a boca que o meu queixo já vai no chão).

Ou seja, primeiro dão-se choques eléctricos e etc, para excitar o bicho até aos limites (alguns morrem de stress), depois sangram-se para ficarem mais calmos...

E quanto a burrice, já sabes que estudar e ler livros é para os efeminados. Toureiro que se preze, vive das tradições orais, de preferência, que ler e saber são perdas de tempo. Isso é coisa para as legitimas no recato do lar no intervalo entre uma avé-maria e um Padre Nosso pelo sucesso na faena.

Os homens vão para a guerra, as mulheres rezam e choram.

Lizzie disse...

Frioleiras:

pois que existe uma grande diferença entra não gostar de animais e maltratá-los. Ou gostar de ver maltratar.

Ainda há-de nascer um Aristóteles que me explique a lógica deles. Gostam todos, dizem, de bichos ao mesmo tempo que os matam.

Conheci um cavaleiro famoso que volta e meia batia na mulher porque...até gostava dela! Ia à caça e se visse um animal excepcionalmente bonito, matáva-o. Porque era bonito.

Cá, deste lado da civilização, não consigo perceber tais paradoxos a não ser por delírios patológicos de posse.

Lizzie disse...

Alien:

Vaya hombre!

Em relação ao Sr. Prof., fiquei presa e boquiaberta com o torcer da realidade. Tanta falácia e omissão, tanto endeusamento.Vê lá tu que ele citou autores que se referiram à tourada pela negativa, de modo irónico, e vai daí o velhote apresenta-os como defensores.

Não passou de um coleccionador de nomes sonantes.

Fui ouvindo enquanto fazia outra coisa, até porque a legendagem estava péssima: houve expressões obscenas da parte do senhor que não foram traduzidas enquanto outras foram adulteradas. Palavras parecidas em espanhol e português podem ter sentidos diferentes.

E sentido de evolução histórica é coisa que estes defensores não têm de todo.
Fez-me lembrar um outro que justificava os fornos nazis com as fogueiras da inquisição. Enfim, tradições e métodos...


Abraço para vocês.

Vanda disse...

Lizzie,


...A ambição de qualquer mulher é andar de braço dado com o seu homem toureiro, ou forcado?

Felizmente não me parece que seja verdade!! :)


E olha que tive bons amigos que brincavam às "lides", nos meus tempos de juventude!!

Embora associadas à bravura, faziam parte de uma tradição que há muito, é posta em causa e com argumentos tão fortes como os que aqui apresentas.

Felizmente a inteligência e a sensibilidade tem vindo a ganhar terreno perante esse querer manter a tradição a todo o custo...

Conheces o fado do "Embuçado" ?

Pois começa assim:

"Noutro tempo a Fidalguia
Que deu brado nas toiradas
Andava p'la Mouraria
Onde muito falar se ouvia
Dos Cantos e Guitarradas"


Está bem de ver que Touros e Touradas eram coisa de fidalgos e como o próprio fado o diz, de "outro tempo" :)


Julgo que há pessoas no nosso país a precisarem de uma actualização urgente :))

Brinquei algumas vezes nas ruas de Alcochete, aquando das festas do Barrete Verde, quando havia largada de touros.

Entre os meus 11 e 15 anos.


Dessa idade até hoje, qualquer um tem o direito de crescer :)


Beijinhos

Lizzie disse...

Vanda, o problema é que há pessoas que não crescem, talvez por medo de conhecer e enfrentar um mundo desconhecido.

É mais confortável para essas mulheres terem um encosto tradicional, que romper barreiras e fazerem-se à vida com autonomia.

Quando era miúda, as minhas lides perigosas eram...atravessar a Av. de Roma para os carros fazerem tangentes. Adorávamos:))

Mas pronto, também cresci:)

Beijo

Inês R. Gomes disse...

Sublime, ácido e feroz!!

Bravo!

Lizzie disse...

Muito obrigada Inês!

Este é o marketing do sofrimento vazio.

E, que os vossos mestrados corram bem:)