A conspiração do relógio teimoso

Vou tentar resumo resumido de trabalhos e análises de gente que olha para as mulheres neste nosso ocidental e primeiro mundo, desde sempre até ao tempo presente. E mais digo ser gente espanhola e americana. Existirão outras visões, mas não conheço.

Então, dizem unânimes, que nesta época, como noutras que se seguiram a grandes guerras, as mulheres eram vistas em função da sua capacidade reprodutora. Os media publicitavam a família numerosa, harmónica e feliz: mãe fada do lar, pai trabalhador e esforçado. Honestíssimo.
Em Espanha, um Franco, síntese de ditadura e da mais conservadora Igreja, por pouco não legislava pela abolição da alma das mulheres.
Com os anos sessenta e setenta, em vários sítios, nasce o feminismo filho das incubações de Simone de Beauvoir: defende-se o poder (libertação) das mulheres através da cópia dos comportamentos masculinos.
nos anos oitenta as mulheres que já tinham frequentado escolas e universidades em massa, começam a exercer todo o tipo de profissões. Chegam aos quadros das empresas, inundam hospitais, julgam processos, projectam estradas e etc. Quer se queira quer não, o poder económico liberta. E o trabalho não é incompatível com a feminilidade.

Dá-se a liberdade de chorar e ter outros sentimentos fracos aos homens. Reconhecem-se-lhes a capacidade de ter afectos.

Na publicidade eles partilham tarefas domésticas, mudam fraldas; as mulheres conduzem carros e chegam a casa cansadas de reuniões e viagens. Giselle Halimi defende que não importa o tempo que se passa com os filhos mas sim a qualidade de afectos e formação que se transmite.
Avançando
Amos Oz, entre outros com a mesma temática, escreve um romance em que se desenrolam os conflitos, mesmo domésticos, entre a modernidade e séculos de educação patriarcal, e Lúcia Etxebarria no seu Amor, curiosidad, prozac y dudas, pega nos sentimentos e maneiras de estar no tempo de quatro irmãs. Se umas deitaram o peso história fora,

outras, por medo ou carência, preferem o comodismo da vivência com um prolongamento do pai.
A justificação das causas varia, mas nos anos noventa dá-se um golpe contra revolucionário: a ditadura de protótipos de beleza, o restauro dos viris comportamentos, a vergonha acompanhada de solidão da velhice

e o domínio das marcas.
Os media impõem um tipo de mulher ideal: a magra, andrógina, sem as marcas naturais da feminilidade. Em 1994 algumas revistas femininas, simultãneamente, declaram a vergonha da celulite, o horror das rugas. As pivots de televisão de quarenta e tal anos são substituídas por Barbies, que, mesmo lendo o teleponto, se enganam no uso das mais diversas línguas.
Nas (com excepções) revistas de moda, a imagem dos modelos é manipulada até ao impossível. Um grupo de estudiosos americanos reproduz uma dessas imagens em boneca real com estrutura e peso e …a boneca cai. É fisicamente impossível que se mantenha em pé.
Estatisticamente, por maior que seja o feito, poucas mulheres acima dos cinquenta anos aparecem nas reportagens. Mesmo a senhoras que assumem a idade e o corpo sem mágoa ou medo, como Meryl Streep, Kathy Bates ou Carmen Maura, são propostas operações plásticas e outras manipulações de imagem.
Algumas companhias de dança, rejeitam nas audições o talento em favor da beleza e tenra idade.
Reproduzem-se como fungos as clínicas de recauchutagem, e disparam os distúrbios alimentares. Publicitam-se cirurgiões plásticos como se fossem os novos santos milagreiros.
As empresas recrutam mais a imagem que a competência.
Brian d´Amato, historiador de arte, publica um romance, didáctico e denunciador, com desfecho tão aterrador, estética e clinicamente, como as metamorfoses de Mickael Jackson.

As multinacionais da cosmética, inventando máquinas do tempo, facturam milhões.
As revistas masculinas , e a publicidade em geral, reavivam o homem caçador e será de bom mérito apresentar presa nova, bonita, e já agora, com um nível de inteligência e cultura geral que não o envergonhe. É o retorno ao macho dominante e agressivo, bem treinado e estimulado através do conteúdo dos jogos de vídeo e séries como as Tartarugas Ninja. Também a eles lhes é proíbido deixar correr naturalmente o tempo. O Viagra assegura o esplendor dos vinte anos.

Algumas revistas ensinam às adolescentes eternas comportamentos e truques de sedução. Nada como cair nas graças do dominador e ir Nova Iorque, Paris, Roma ou Madrid fora, fazer compras sem qualquer tipo de preocupação ou responsabilidade.
Uma prostituição recíproca dos afectos, como costuma dizer uma amiga minha, directora de uma companhia de dança.
Em algumas séries de televisão e telenovelas, as mulheres autónomas são as más da fita, e as submissas, embora sofram no decorrer do enredo, no fim, são recompensadas com felicidade eterna.

As escritoras light Candace Bushnell, inspiradora do Sex and the City, e Lauren Weisberger descrevem um mundo de avaliações, cálculos e marcas ou não vestisse o diabo Prada.
E, embora isto já sejam nomes a mais para o meu gosto, Elizabeth Wurtzel, cruíssima de texto e linguagem, narra o dia a dia de uma adolescente, mestre em culpar a mãe de quarenta e poucos anos, de se ter divorciado e não saber seduzir homem que as sustente e lhe compre as roupas e acessórios que o subir na vida impõe e obriga. O trabalho e a dignidade não compram Chanel.
.jpg)
Nos EUA e em Espanha, confundindo o trigo com o joio, movimentos ultra conservadores responsabilizam o lado demoníaco e tentador das Evas e a libertinagem gay pela quebra dos valores ancestrais mandados seguir por Deus. E ,como profetas, ouvem a ameaça do Pai castigar com crises económicas, guerras e doenças.
Segue-se a propaganda utilizando o seu maior trunfo: a culpa.

Já desde a Movida em Madrid, que os padres em homilias avisam os rebanhos que o mundo está à beira do Apocalipse. Cabe às mulheres regá-lo com as santas lágrimas da resignação e aos homens liderar as hostes no bom caminho. Aznar chega mesmo a incitar à cruzada, com o grito de crescei e multiplicai-vos no sentido de manter a raça espanhola. Tony Blair exibe em retrato de família o seu filho tardio.
Afinal desde quando é que uma mera costela, tirada de um Adão em repouso, tem mando na vida?
