quarta-feira, 2 de julho de 2014


Para a minha Mãe,para a Judite, para a Núria e para toda a gente capaz de um amor maior e que conhece a verdadeira dimensão do vazio. Em todas as circunstâncias. Em todo o mundo.

O silêncio obsceno que invade o futuro.


A minha mãe pouco fala disso. Tem medo  que as palavras avulsas, lançadas para o espaço lhe sujem a memória.

Diz que a gravidez lhe foi um estado íntimo. Um amor que cresce embalado numa água que parece infinita. No escuro onde só ela sentia a luz dentro do corpo.


Diz que a água nunca se esgota. Mesmo depois de desaguada num chão indiferente. Diz que  a SUA água permanece mesmo quando o ser que envolve é já maior que o seu próprio corpo.

Talvez se pergunte para onde fugiu a água quando o coração tão fraco e confuso no seu ritmo deixou de bater e ficou enclausurado numa  caixa de madeira. Junto à raiz de uma árvore no Cemitério dos Ingleses. Talvez ainda hoje a água continue a alimentar a vida em cada folha.


A seguir toda a sua água nasceu assustada. Com medo que as mãos não a segurassem. Nem segurem.
Nunca se sabe quando as mãos se tornam distraídas por aquela coisa arbitrária que dá  pelo nome de destino.


Depois veio o silêncio. Só interrompido pelo tic-tac, tic-tac, tic-tac do relógio de parede. Big Ben a horas certas. A marcar o tempo que, teimoso, continua o passo do mundo.

Por isso uma vez entrei numa casa americana e vi que todos os relógios tinham sido parados. Um ritual para enganar o tempo. Para suspender o segundo anterior.


 Até que a resignação mande o tempo seguir em frente. Outra vez.


Talvez hoje, que é futuro, a medicina já discipline os corações do passado. Talvez hoje já existam maestros capazes, de bisturi em riste, acertar os compassos.

A dor tem destas viagens. Se fosse hoje...


A Núria gostava de ter um fio que puxasse o tapete do tempo.


 Como tecedeira que Deus não conhece, desviaria o trajecto da linha da avenida, pegaria no pé do condutor, empurrava-o para o travão, encher-lhe-ia os olhos da cor vermelha do semáforo. Adiaria a hora do jogo de futebol para lhe diminuir a pressa cega.

Suspenderia todos os erros do Universo.

 Nem que fosse pelo tempo que dura um espirro do Diabo.


Quem não gostaria de criar obediência neste fado.

Um bater de asas de borboleta em Tóquio provoca uma tempestade em Nova Iorque. É o que dizem.

O amor tinge a alma de loucura.

 Dançou o silêncio,  durante cinco horas.


 Até que uma bofetada lhe soltou o choro e resumiu todos os cansaços.


 E adormecia com a cabeça refugiada num ombro.


 A amizade também gera água.

 Enquanto Madrid acordava e na televisão (mais um atropelamento criminoso, homicídio por negligência) o seu rosto vinha de ontem e os olhos recusavam, parados, a gente conhecida ou vaga e circunstancialmente presente, que murmurava palavras adequadas.


 Como se a dor fosse coisa que possa ser invadida. Por estranhos que não sabiam que a mesa estava posta para duas. Só faltava o pão, à venda em frente, do outro lado da avenida.



E o tempo amputado não tivesse futuro. Apesar da emigração das águas. Para um ponto cardeal de coisa nenhuma.




2 comentários:

bettips disse...

De Amor e Falta (se) fala a ausência. Bjinho meu
B

Lizzie disse...

...e do peso do vazio, Bettips.

Um vazio que se expande a partir de, por exemplo, um livro aberto num sofá. O entusiasmo suspenso da entrada na universidade.

A memória parada no centro dos dias que correm.

Hajam ombros para soltar os gritos. Porque o nascimento da maior das solidões pode durar apenas um segundo.


Bjs