quinta-feira, 2 de janeiro de 2014



Do ano que já nasceu com um número antigo. Coitadinho...




Não sou nada cronológica. Uma desgraça.
 Não fixo acontecimentos nos calendários nem ando de agenda executiva na carteira.
 Usa-se imenso e assim ninguém pode ser acusado de desleixado ou sofrer da romântica negligência artística e menos ainda de ter um tempo pouco produtivo.


 Porque, Senhores, tudo o que se anota  é tempo ocupado.
O ócio e o delírio são o chão das desgraças. Pessoais e sociais, como toda a gente bronzeada a sul de Merkel e a Oeste de Calvino e Lutero sabe. Ou DEVIA saber.


 Mas não, não tenho fixação exacta e datada do passado.
 Os acontecimentos andam-me à solta no Tempo. São-me vadios. Sem regras. Nem fronteiras definidas. As minhas referências são outras. Lamento.

Mesmo assim, vivendo neste mundo, não escapo a mudar o calendário de secretária que, generosa e gratuitamente, a farmácia me oferece todos os anos. Na esperança que muito a frequente. Suponho.
Nem escapei hoje, junto à clínica de fisioterapia, à oferta de um de uma agência funerária. Tem uma paisagem  suave e fresca. Parece-me que é um paraíso plagiado dos Alpes. Talvez seja.


E como toda a gente, com um sorriso, fantasio desejos que são uma espécie de arquitectura da felicidade.


(Falo em desejos e não em previsões porque as falhei, nesta casa, quando, há uns anos, num sonho premonitório vi o computador Magalhães a ser exportado para Marte. Senhores, não tenho préstimo como Pitonisa. É a realidade e há que enfrentá-la.)

Gostava, por exemplo, que a fobia que desenvolvi neste ano passado aos anúncios musicados do OLX me passasse. São-me penosos e temo pela integridade física da televisão  que, de resto, tem sido o electrodoméstico menos utilizado e mais em risco neste ano que acabou.


Também gostaria que a Casa dos Segredos não tivesse tanta audiência e muito menos relação directa com os estacionamentos indevidos no lugares reservados a deficientes ou com o abandono de animais nas estradas e velhos nos hospitais.

Mas adiante que estou a ficar com azia.

Um dia alguém perguntou a um psiquiatra como se distinguia uma pessoa "normal" de uma "doida varrida", ou quase . Respondeu o sábio da mente que os primeiros sabem contar a sua própria história e os segundos não fazem ideia dela.

Bem gostaria eu que fosse arranjada terapêutica urgente para esta maleita que se espalha, ou se pretende espalhada, por montes e vales. Diz-se que quem não tem memória, pessoa ou país, de facto, não existe. E o que a televisão e a imprensa me mostram, em geral, claro, são pequenas porções de nada recheadas  de pensamentos estagnados.


 E os que assim ficam, sentados nas crenças, envelhecem os anos.

E este ano já nasceu com uma certa idade mas iludido com a juventude. Um viçoso de corpo decadente. Um cultor das aparências.

Acho que foi Malraux que disse que pensar era comparar. De certa forma, uma pessoa já sabe o que políticos e comentadores, ai tantos,  vão dizer. E nem sequer tenho a certeza que dizem o que pensam.


E o que eu gostaria é que viessem a nascer pensamentos novinhos em folha. De todos os quadrantes. Não faço ideia quais, mas novos tal como foram nascendo noutras épocas. Com respeito do pai e da mãe, claro.

Sem serem nem demasiado apressados para o futuro nem com o torcicolo de quem só olha para trás. Nos outros tempos , todas as pressas para um lado ou para outro deram tropeços, talvez por aquela coisa a que se chama vagamente a vertigem do poder. Consta que é muito fácil sofrer de tonturas mesmo quando já não se repara que se anda aos tombos.


Muito gostaria eu de ver andar direito porque me parece que os tontos atribuem o seu cambalear aos terramotos que, se calhar, nem sequer existem embora eles tanto falem na escala de Richter. Parece que os gregos preferiam chamar escala de plutocracia, mas enfim.


Também gostaria que acabasse este culto orgulhoso, oficial e contagioso  do feio, do grotesco, do fácil, da criatividade domesticada.

Esta espécie de Ovomaltine multi calórico servido às almas que se querem inocentes e pouco trabalhadas no ofício do pensar e do sentir. Tão caras às ditaduras. E às ditadurazinhas que são pensos calculados nas feridas das democracias doentes.




Gostaria daquelas grandes obras inovadoras que acrescentam e que crescem quando alguém as interpreta.

Seja qual for o meio. Interpretar é também uma forma de criar. Ainda que em silêncio e na intimidade da solidão.

E neste novo ano, talvez nasçam obras, algures, em várias partes do Mundo, em que o futuro, quando os anos tiverem números mais novos, veja os criadores delas, como uns felizes inquilinos de Deus. Saiba-se ou não a morada Dele.

Agora à lareira, a ouvir uns estudos sempre novos de Bach, depois de ter folheado e mais uma vez descoberto Giotto num livro gordo,  é o único desejo vestido de certeza que ainda tenho.


2 comentários:

clickit disse...

Bem acho que upps!!! o meu coment. não entrou... e não sei que dizia ao correr de prantear os dias.
Falava de lixo e nicho, da demasiada daquele e da falta deste.
Abçs

Lizzie disse...

Clickit,

já me aconteceu andar de vassoura na mão.Já fiz,ou tentei,a minha parte.

De vez em quando, boto a mão na anca e armo-me em cidadã.Só cidadã. Porque acho que têm que me prestar contas.

Mas uns varrem e outros espalham. Ou ajudam a espalhar.

É pena. Mais pena ainda que talvez seja (ainda) uma característica...daria uma longuíssima conversa à lareira. Pois dava.

Mal comparado foi assim que os Incas perderam a guerra. Segundo alguns.

Mas pronto, amarrotei algumas ilusões, se é que algum dia as tive, e recolho-me ao nicho. À procura de oxigénio. De paliação para o cansaço. Os vários cansaços. É a única maneira de não se morrer de asfixia.

Enfim...


Bjs