sexta-feira, 13 de dezembro de 2013



Prosa pouco natalícia acerca da verdade do espelho, ou não, conforme...que o Pai Natal me perdoe... 




Ninguém sabe onde e como  a figura começou.

 Nestas coisas não há o descanso nem a segurança das ciências exactas. Não Senhores.

Mas há quem defenda que veio do ritual praticado, mais coisa menos coisa, em várias partes do globo ou não fossem as pessoas parecidas nos instintos. Por mais voltas que se dê à geografia. Ou ao tempo.



Consta, então, que nas aldeias, chamemos-lhes assim, se celebrava uma festa anual de grande animação.

Nessa festa e em cada aldeia, espetava-se um poste na terra para marcar o centro do Mundo.
 Cada aldeia, como é costume, estava mais certa desse centro do que a vizinha e mais ainda das que ficavam distantes.

Ora, todos os rapazes da aldeia a que pertenciam, corriam a perna solta  para o poste.

O primeiro que lhe tocasse era considerado uma espécie de rei da comunidade. E era, então, mais importante que o Rei de todas as Comunidades, o tal que vivia tão longe e tão alto  que ninguém via.


 Continuando, o vencedor tinha todas as honrarias e glórias: as vestes mais aprumadas, finas e limpas e o sonho de todas as raparigas lhe receberem as sementes que lhes  dariam filhos também eles gloriosos e fortes.


Do último a chegar, apontava-lhe o povo a sua fraqueza, a falta de força,  velocidade e jeito quando não a deformidade que lhe coubesse em sorte ao nascer.


Seria mancebo andrajoso, humilde e sem préstimo e assim haveria de morrer quer a vida lhe fosse curta ou longa.

Esmolaria sustento embalado em desprezo.



Se outras não levasse, já lhe bastariam as bofetadas de riso, tantas que até ele acabaria por se rir de si.

Esta característica patética de rir para fora foi-lhe tão exigida que se habituou a pintar uma boca de berrantes cores  com os cantos virados para cima.

No meio do riso, poucos repararam, e  reparam, que aquela com que nasceu está condenada a viver com os cantos virados para baixo.


Há quem diga que não há gente mais triste que a que faz rir.


E como as gentes tinham gáudio em ver lágrimas, neles e nos condenados em vias de morte pública,


 também se habituou a desenhar-lhes o percurso pelas faces abaixo.


 E das quedas e tropeços, outras das suas apreciadas pecularidades, ficavam-lhe só mais  gargalhadas que o faziam tão tonto que voltava a cair.

 Como se o seu chão morasse no ar.

Não era raro, pois não, ser comprado e levado para outras aldeias , vilas e cidades.



Como não foram nem são raras as sofisticações e suas derivadas. Como as obras de Arte. Em todos os campos e metáforas.



Nem as considerações letradas acerca de vencidos e vencedores, resignados ou lutadores, verdadeiros ou falsos, alegres ou tristes submersos, todos espelhos paradoxais de que se foge, rindo.

(Conheci um que isso mesmo se considerava: um espelho polido dos outros, os de cara lavada.)

Dizem que quanto mais desgraçado mais ensinava as crianças a rir.

Como também se diz que a amargura guardada, engolida, tornava alguns irmãos  do Demo. De inocência tão morta quanto fétida.


Voltando aos protótipos, no séc. XIX, por exemplo, um de raça negra ficou célebre pelas suas danças.

O medo e a dor sempre criaram tantas ou mais coreografias de improviso que a alegria. Mesmo que seja debaixo de holofotes e veludos ao som da famosa valsa "Sobre las olas" de Juventino Rosas.


O seu último proprietário, homem que hoje seria considerado  empreendedor de sucesso com reportagem televisiva,  dado a descobrir os ridículos ou extraordinários que faziam rir ou espantar os povos,



 descobriu que, alçando-lhe o chicote ao som de pandeiretas e gaitas, o desfadado ficava com tal falta de tento e desengonço nas pernas que inaugurou um estilo mais tarde tornado famoso por Elvis (Pelvis) Presley e reproduzido pelo débil no filme Forest Gump, interpretado por Tom Hanks .

  Senhores, ainda que às vezes não pareça, quase nada nasce do nada.

Se ninguém sabe do início, duvido que alguém saiba do fim.

Porque Senhores, ainda ontem em passeio pelas redondezas da minha morada me deparei com esta porta:


Disse-me uma mulher  com mão cheia de milho para as galinhas e com gargalhada desdentada que o filho já muito adulto assim a tinha marcado, identificando, a todos os conterrâneos e forasteiros, a natureza dos ocupantes.

(Lembrei-me da ordem soltada por uma personagem do filme português, de que não gostei, "Sete pecados rurais": soltem o anão! E as bofetadas de feira em segundo plano, Senhores, e as bofetadas...)

E no sábado, à porta do supermercado e em promoção de circo de Natal, um homem com lantejoulas e falsa pronúncia espanholada, batia noutro. À laia de aperitivo para sova maior, suponho.  Que vacilava. Quase caía. Quase tropeçava nos sapatos.

No meio dos risos e do chiar dos carrinhos das compras, por muito que eu olhasse, para além da maquilhagem, não consegui descobrir o poste que não alcançou. Ou que meta lhe exigiram ou se exigiu.Ou  em que degredo voluntário a sua vontade se fechou.



Talvez, como qualquer outra pessoa, tenha direito à sua  margem de silêncio. Obviamente.



2 comentários:

bettips disse...

Passei para ver e estavas. No intrincado dos risos e no fio que te leva, nos leva a pensar. Nos gigantes e anões que nos cercam, e a que dás côr. E vida.
Bjinho

Lizzie disse...

Pois estou, embora um bocado ausente.

Porque ainda ando "refugiada" pelas bandas da sombra dos sons. Um dia destes ainda me aparece uma assombração vinda do séc.IX e me dá uma bofetada de História.:)

Quanto a pensar, era bom que fosse dote inteiramente completo e livre. Ao correr da evolução do Tempo.

Mas, mas...quando se junta uma parte daqui outra dali é coisa que se expande e se torna contagiosa.

Não são os anões nem os gigantes, que, coitados, não escolheram nascer assim, que ficam assustados e arranjam antibióticos e barreiras.

São os que escolhem deliberadamente ser de pensamento pequeno e não têm a mínima noção do tamanho diminuto da sua cabeça.

Já não vamos ter tempo de os ver nas prateleiras do futuro Museu da Estupidez. Se algum dia for criado...

ao menos aí já não podem dar ordens ao reflexo dos espelhos.

Bjs