sexta-feira, 1 de junho de 2012



Breve, ou nem por isso, crónica das andanças pela elasticidade do Tempo.

Andava eu, Senhoras e Senhores, às voltas e voltas sobre Lisboa, especulativa e fixando-me na suspeita que tal impossibilidade de aterrar se devia, talvez, mais ao congestionamento logístico provocado pela chegada de certo e mediático jogador de futebol do que ao facto inesperado de o aeroporto ter mudado, através de portaria ou decreto com efeitos retroactivos, de sítio, quando me ocorreu por necessidade de alguma fantasia, a sabedoria de Einstein.



Dizia a abrangente criatura, como toda a gente sabe, que o Tempo é relativo e que , por isso e como exemplo da questão, se uma criança desse a volta ao mundo à velocidade da luz, quando chegasse ao ponto de partida, todos os seus colegas de escola já estariam provavelmente mortos de velhos, a paisagem transformada e mais tudo o resto que a passagem do tempo implica.



Se Einstein não se importar, diria eu em jeito de moral da prosa, que quem pára envelhece mais do que quem se move.



Mas voltando à fantasia, foi ela potenciada por ter estado num país em que nas imagens da televisão pátria, (porque daquela língua em que os fonemas tanto parecem enrolar-se na boca como pão seco em pessoa falha de apetite como, de repente, parecem rajadas de metralhadora desgovernada e enferrujada, não percebo patavina) Portugal não aparece nem em forma de Galo de Barcelos quanto mais em postal da Torre de Belém , Terreiro do Paço ou Palácio de S.Bento com o respectivo recheio.



Fiquei-me pelas ruínas das glória pretéritas de Atenas


e sobretudo pela Porta de Alcalá e outros sítios que me são costumeiros em Madrid.

Imaginei então que enquanto andei de viagem, o tempo tinha tido tal desenvoltura por cá que ficaria eu paralisada de espanto com a evolução.

Tinham desaparecido as longas filas de pessoas de vida olheirenta e enrugada à espera de comprimidos fabricados em coragens e desesperos passados de quem aspergiu ocidentes e civilizações pelos cantos mais escondidos do mundo.



As pessoas sairiam mais cedo do trabalho que quase toda a gente teria, porque em vez de se tratarem por engenheiros, doutores e afins desde que nasciam,  orgulho digno e instruído nas profissões que exerceriam.





As notícias seriam verdadeiras porque os políticos seriam mais sábios que actores de argumentos alheios, tão alheios que dos autores apenas se suspeitava a identidade pelas habituais figuras de estilo utilizadas.
Teriam sido instruídos na hermenêutica do pudor. Por exemplo.


Os velhos não andariam, em segredo, a pedir esmolas à Morte

 e as crianças saberiam que a sua vontade voluntariosa cresceria a um ritmo mais lento que o desenvolvimento do seu corpo.


A Justiça tinha-se tornado mais esclarecida que cega e finalmente tinha saído da porta da vizinha quadrilheira, intriguista e cheia da mais velha profissão do mundo, para levar a balança, que não precisava de ser a mais digital do mundo, a arranjar porque, coitada, andava com a mola do fiel num desleixo partido.


Seria um alívio ver que a população se tinha curado do vírus chamado Guinness Book inoculado nela, como sempre acontece, quando a miséria debilita a imunidade. De facto, por estranho que pareça, já ninguém corria maratonas colectivas com a bandeira da caridade na mão.


Também não veria animais maltratados ou abandonados ou as duas coisa juntas , na estrada.


Nem o camião TIR estacionado à entrada da minha morada só porque o camionista com a sede da cerveja em tertúlia viril, fica cego quanto a edifícios e alheias propriedades e trânsitos.



Nenhuma das minhas árvores ou plantas inocentes sofreria a inquisição de um foguete clandestino no festejo nem por causa dele os meus cães acordariam os medos face aos ruidosos engenhos humanos.


Para não alongar a lista, ficar-me-ia pelo espírito investigador de me dirigir à biblioteca mais próxima, para saber como tinha acabado a III Guerra Mundial , a que sem armas mas com muitas baixas, estava em curso quando levantei voo destas terras.

Mas logo que aterrei, vi que tinha envelhecido tanto como os que parados, esperaram.



Logo me surgiu outra compreensível fantasia, também impulsionada pela urgência.


Na impossibilidade de me tornar projéctil, senão em forma pelo menos em conteúdo, fico-me pela insolência de ir uns dias de férias, pelo menos enquanto tal instituição existe, começando esta ilusão de largueza na amplitude da alma no ultimo feriado do Corpo de Deus deste milénio.

Se a imponderabilidade do destino expresso nos vários SEs me permitir ,



 vou encostar a cabeça no ombro da noite, ouvir a música das ondas até que o embalo a transforme em silêncio.

Sentir no corpo o fio ténue do abandono, na sonolência. Ter dias lentos, passear devagarinho pelas horas.



 Ter tempo para carpinteirar a cadeira adiada: uma forma de respeitar uma árvore que se soltou da terra, sei lá se por loucura ou intempérie.

Ligar o canto do Oceano a vozes emprestadas a um trecho polifónico, lá das bandas da Renascença, que desde que o ouvi me soa a viagem para além de qualquer terra conhecida.


Talvez, no espaço para onde vou, tenha sossego e silêncio suficientes para ouvir este diálogo e supor-lhe os mistérios que inventarei.


Talvez me ria do que adiei rir. Talvez não precise de calibrar burocraticamente as palavras.



Senhoras e Senhores, talvez esta pequena parança que já me apetecia quase definitiva, me torne cada vez mais nova.




E que o Einstein me perdoe se desta forma lhe contrariar a lucidez da Física.



3 comentários:

Lizzie disse...

As minhas desculpas por não ter respondido aos simpáticos comentários a posts lá muito para o fundo na correnteza da publicação.

Mas entre idas e vindas, vindas e idas, não consegui o prodígio de esticar o tempo.

Ficará para depois...

Lizzie disse...

Ana Teresa:

está bem, não publico. A mim até me dá jeito porque assim escuso de me ruborizar na via pública:)

Muito obrigada!

De qualquer forma, eu não mordo... podiam-me ter cumprimentado. Credo.

Respondendo-lhe,os meus (nossos) próximos e últimos dias serão 29 e 30 (se não formos para o Hospital General com maleitas próprias da corrosão por ferrugem, claro).
Mas dia 30 a Carmen faz anos e por isso é capaz de ser mais complicado.

Então depois, podem-se apresentar ( na porta vermelha ao lado onde nos viu sair) mas só depois (desculpe) que antes reservo-me o tempo para palpar, em silêncio, as teias do labirinto que irei desfiar. Manias: fico antipática e impossível ao saltar para o outro universo tão pouco comum, espécie de alma transferida.

Pelo que me escreveu, presumo que lhe seria interessante fazer a comparação interpretativa com as damas do dia 27 e 28, ou seja com a Maria del Mar e a Núria.
Especialmente nas peças que referiu: partindo da mesma base, acho que se percebem escolas e personalidades diferentes.

Em tempos de crise, pois, se estiverem interessados em ir, diga-me por este meio, que o seu nome já tenho.

Um abraço e gazpacho como Dios manda, con caña e tal a ver qué Madrid no os mate, coño:))

bettips disse...

Julguei ver...
o resultado das neblinas da praia oeste. mas não, saltas para os tupperwares e para os céus, com asas luzidias de metal. Só a lengalenga do que vais pensando, e me fazes pensar, me consola, em sobressalto: julgo que as ervas do chão gostaram de ser vistas, em pormenor. Tal como as nuvens, as madeiras. E assim, férias valem a pena, são danças de fadas. E os duendes longe...
Bjinho