Da palidez estética da tosse

E, assim de repente, lembro-me que no séc. XIX, a tosse a par do tom de pele, dentro da raça branca, bem entendido, a largura dos ombros, o calibre dos tornozelos e pulsos, eram factores, sobretudo na Europa, de distinção entre as humanas criaturas.
Uma tosse profunda, aquela em que o tossidor situado em cenário de Charles Dickens, parece compelido a expulsar até o esqueleto através dum sistema enferrujado e histérico de foles esquizofrénicos, sempre foi uma tosse desprezível:
obreira, indisciplinada, barulhenta, negra, com falta de graciosidade, símbolo de uma mente pouco sofisticada. Chamemos-lhe tosse de sarapinheira.
Outra espécie era a tosse subtil, discretamente expirada.
Como um suspiro vestido de lamento.
Chamemos a esta Tosse Chopin

Como um suspiro vestido de lamento.
Chamemos a esta Tosse Chopin

embora também se pudesse chamar de Tosse Lizzie Siddall, Tosse Dama das Camélias, Tosse Byron, Tosse Mimi de Puccini, Tosse Modigliani já que a Tosse Gauguin era capaz de ter um som mais nativo e exótico.
O factor tosse em forma de tossicula estava, claro está, relacionado com a chamada Doença Branca, a Tuberculose, e esta com um modo de estar artístico e romântico, avesso a ciências e desenvolvimento eufórico da maquinaria.
Como se sabe, em cada revolução industrial ou tecnológica, pretende-se uma osmose entre a alma e a máquina contrária a qualquer forma individualizada de sentir.
O factor tosse em forma de tossicula estava, claro está, relacionado com a chamada Doença Branca, a Tuberculose, e esta com um modo de estar artístico e romântico, avesso a ciências e desenvolvimento eufórico da maquinaria.
Como se sabe, em cada revolução industrial ou tecnológica, pretende-se uma osmose entre a alma e a máquina contrária a qualquer forma individualizada de sentir.

Ter tuberculose era um sinal artístico de grande sensibilidade.
O tuberculoso era por natureza melancólico, etéreo, a quem a febre baixa dava exaltação aos sentidos e sentimentos, fonte interior de toda a criatividade.
A ruína do corpo revela ao espírito as verdades supremas da alma.
Não é por acaso que qualquer decoradora de interiores inglesa ou alemã da época, recomendava para as paredes quadros em que constavam ruínas no meio de folhagens despenteadas.

Nos salões, havia mesmo quem desse aulas da arte de bem tossir a par da colocação de voz e colocação dos talheres.
Imagino que quer o espartilho quer o colete engomado ou armadilhado de “barbas de baleia” desempenhavam papel principal na contenção do espasmo tússico.
Alguns livros de etiqueta, quer para senhoras quer para cavalheiros, ensinam mesmo em que ocasiões se deve ou não tossir.
A tosse é, indiscutivelmente, um instrumento de sedução.
Manda o recato que uma senhora não demonstre a sua perversa tendência para tossir à vista de todo e qualquer cavalheiro.
Estes, à vista de senhora ou menina delicadas, quiçá moribundas, deveriam levar o lenço bordado à boca. De cambraia, simbolo da disponibilidade para morrer de amor.
E era sinal de êxtase o público tossicar durante os concertos, sobretudo nos de instrumentos a solo, coisa que tornava Wagner ainda mais iracundo e viperino do que nele era habitual.
Numa fase tardia, talvez fosse uma das poucas coisas em que ele e Nietzsche estavam de acordo.
Não faço ideia se as famosas tosses do S. Carlos, aquelas que surgem como se estivessem armazenadas para o efeito, terão tido nesses arroubos o seu embrião.
A top model desta altura era Lizzie Siddall,


senhora que, como já disse algures, várias vezes morreu, outras tantas ressuscitou. Menos aquela em que leis naturais lhe negaram definitivamente a eternidade física.
A sua imagem e personalidade, no entanto, sempre inspiraram, sobretudo em períodos de crise financeira ou de outros valores menos práticos.

Tornou-se a face do ideal de beleza feminino.
Note-se que a maquilhagem, ao contrário do séc. XVIII, se pretendia o mais natural possível.
A carregada de cor, ficava reservada para as prostitutas, em Inglaterra chamadas, sem rodeios, de Espanholas. Imagine-se o agravo diplomático!

Para adquirirem um look pálido, esvanecido, senhoras e cavalheiros eram aconselhados a tomar pequenas doses de arsénico ou grandes de vinagre, para que a pele se tornasse pálida e os olhos diáfanos.

E para o olhar adquirir um brilho vítreo, lavavam-se com água contaminada de sumo de limão ou laranja.
Para a pele do rosto adquirir um tom ceroso,

nada como umas horas de pachos de vinagre seguida de um bife em sangue sobre a cutis, para além da naturalidade da cosmética francesa já então em pleno desenvolvimento.

Apesar do risco de cegueira, os cavalheiros deviam masturbar-se compulsivamente. A palidez e a tosse subtil ficavam, sem dúvida, asseguradas.

Antes de entrar numa sala, devia-se também beliscar as maças do rosto para que surgisse aquele rubor tão habitual em qualquer sanatório.
Ou beber um cálice de Oporto Wine, reservando-se o gim para o povo.
Também convinha o próprio, ou terceiro, mordiscar os lábios de forma a inflamá-los.
Lord Byron, intimo de qualquer espelho que encontrasse, morreu com a certeza de a sua palidez, quando no caixão, ser ainda capaz de provocar tosses e devaneios nas senhoras que o velassem.

Às bailarinas de Ballet erudito, era contudo permitido o uso exaustivo de maquilhagem, sobretudo o eye liner escuro e as chamadas bases, de forma a acentuar o dramatismo dos enredos dançantes.
Conta-se que uma russa, em Moscovo, tinha por hábito desmaiar de fraqueza, depois das performances, à saída do camarim, de forma a ser carregada em braços pelos admiradores que por sua vez se matavam pelo privilégio do carrego.

Dizia um critico que a divina artista até a tossir parecia voar em direcção ao Olimpo.
Lamento, mas de momento não me lembro do seu nome. Devia ser uma TussiOva Desmaiovitch qualquer. Suponho.
Note-se que tal languidez em palco e fora dele, provocaram fartos ataques de mau génio nas inovadoras damas americanas da dança moderna a quem pulmões e orgulho muscular não faltavam.

E por aqui me fico, ainda com tosse mal educada de carvoaria, relembrando o enjoativo xarope à base de cenoura,

os milagres em forma rebuçado
e o relaxante vapor de água, tudo da infância, não sendo já do tempo das papas de linhaça nem do alimentício e paliativo fígado cru envolto em açúcar.
Sejam quais forem os hábitos do mundo, qualquer tosse, teatral ou não, talvez se cure com um fim de tarde em que a brisa de Outono conta histórias à flor de uma qualquer memória que ainda hoje deixa rasto pelo Tempo.

Apesar do risco de cegueira, os cavalheiros deviam masturbar-se compulsivamente. A palidez e a tosse subtil ficavam, sem dúvida, asseguradas.

Antes de entrar numa sala, devia-se também beliscar as maças do rosto para que surgisse aquele rubor tão habitual em qualquer sanatório.
Ou beber um cálice de Oporto Wine, reservando-se o gim para o povo.
Também convinha o próprio, ou terceiro, mordiscar os lábios de forma a inflamá-los.
Lord Byron, intimo de qualquer espelho que encontrasse, morreu com a certeza de a sua palidez, quando no caixão, ser ainda capaz de provocar tosses e devaneios nas senhoras que o velassem.

Às bailarinas de Ballet erudito, era contudo permitido o uso exaustivo de maquilhagem, sobretudo o eye liner escuro e as chamadas bases, de forma a acentuar o dramatismo dos enredos dançantes.
Conta-se que uma russa, em Moscovo, tinha por hábito desmaiar de fraqueza, depois das performances, à saída do camarim, de forma a ser carregada em braços pelos admiradores que por sua vez se matavam pelo privilégio do carrego.

Dizia um critico que a divina artista até a tossir parecia voar em direcção ao Olimpo.
Lamento, mas de momento não me lembro do seu nome. Devia ser uma TussiOva Desmaiovitch qualquer. Suponho.
Note-se que tal languidez em palco e fora dele, provocaram fartos ataques de mau génio nas inovadoras damas americanas da dança moderna a quem pulmões e orgulho muscular não faltavam.

E por aqui me fico, ainda com tosse mal educada de carvoaria, relembrando o enjoativo xarope à base de cenoura,

os milagres em forma rebuçado

Sejam quais forem os hábitos do mundo, qualquer tosse, teatral ou não, talvez se cure com um fim de tarde em que a brisa de Outono conta histórias à flor de uma qualquer memória que ainda hoje deixa rasto pelo Tempo.