quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Como o prometido é devido cá segue

Relato o mais telegráfico possível sobre as minhas vivências e curiosidades sobre os Cohen, os Bergs, os Steins, os Witzs, os Normans ...

Considerar os judeus como uma massa fechada e uniforme é tão absurdo como dizer que cada cristão baptizado é rato de sacristia.

Vou por isso excluir já, antes que se faça tarde, os fundamentalistas quase todos de extrema direita, agarrados a um deus cego e autista, incapaz de acompanhar a evolução do mundo.
Dos outros foi tanto o sucesso espalhado que vi, que tentei perceber as origens do fenómeno.

Soube que os primeiros judeus a chegar aos Estados Unidos foram os portugueses, via Brasil, corria o séc. XVII. Estabeleceram-se nas zonas do norte. Ainda hoje há um centro de estudos da cultura portuguesa em Filadélfia.
Durante o correr do tempo, foram chegando outros sempre em estado de pobreza, já que os países que os expulsavam não tinham qualquer pudor em lhes cativar os saldos antes das expulsões. Muitas fazendas públicas e privadas lucraram com as partidas.

Ao contrário de outros refugiados ou emigrantes criaram uma arma de progresso que Martin Luther King sempre lamentou nunca ter sido posta em vigor pelos negros e outros: a educação.
Assim, por muito miseráveis que fossem, todas as crianças sem excepção ou desculpa, tinham que ir à escola, a funcionar, nos primórdios, nas sinagogas. Avaliavam-se as vocações e, os mais endinheirados contribuíam para uma espécie de bolsas financiadoras de estudos mais superiores. Essa geração já formada iria contribuir para a próxima. E assim sucessivamente. Surgiram grandes cientistas, artistas…com relevo para as ciências médicas. De facto nunca conheci nenhum judeu que não fosse hipocondríaco de corpo e alma.

Em meados do séc. XIX, chegou uma horda gigante de judeus alemães.

Começou o desenvolvimento das ciências económicas bem como a expansão da imprensa. Foi o nascimento dos mais baratos e “práticos” pocket books e do incremento das bibliotecas públicas, cuja frequência é uma tradição comum nos EUA.

Já mais para finais do séc., foi a vez dos judeus russos e arredores, com a sua devoção à música e à dança. Não tardou que o território fosse polvilhado de escolas de uma e outra arte. O Ballet tinha estatuto de sagrado.

Percebi, assim, porque é que o maior especialista de Canto Gregoriano em Boston era judeu, porque Daniel Berenboim

tem dedicado toda a vida a divulgar a música como instrumento universal de paz, , porque Leonard Bernstein criou várias actividades no sentido da música chamada erudita se tornar de gosto e compreensão popular, porque fui a um funeral judaico em que tive pena que o defunto não pudesse ouvir a Paixão Segundo São João de Bach executada em sua homenagem, porque a Batsheva Dance Company,

com sede em Israel ,tem dançado em todo o mundo também em missão pacífica, porque foi criada a série Fama, porque grande parte das companhias de dança continua a ser financiada, por vezes em regime de mecenato, por judeus (já neste blogue postei sobre Dorothy Norman, p ex), porque introduziram estas duas artes no cinema, porque as famílias se orgulham de ter um bailarino ou bailarina no seu seio, porque não há festa ou desgosto que não seja acompanhada de instrumento ou baile.

À música juntaram também as artes plásticas.

Percebi porque um colega, judeu praticante, me ofereceu, pelo aniversário, tendo Cristo como protagonista, uma reprodução do mestre dos seus encantos: Durer


Um dia comprei, num alfarrabista, um volumoso livro de histórias e lendas para crianças. Nada melhor para se ver a moral aconselhada.

Percebi que tudo se orienta para o trabalho, solidariedade, trabalho, tolerância, trabalho, luta, não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti, trabalho, não cuspas para o ar que te pode cair em cima, trabalho, nunca digas desta água não beberei mas esforça-te para não a beber, trabalho, cá se fazem cá se pagam, trabalho, quanto mais progredires cá em baixo mais feliz serás lá em cima. Trabalho.

Em algumas dessas lendas e histórias, percebi a origem da metáfora de Steven Spielberg, chamada E.T.

Também percebi o poder detido pelas mulheres na sociedade. Na prática espantosamente imenso e livre, circunstãncia magnificamente descrita, lembro-me agora a título de exemplo, nos romances Loves of Judith de Meir Shalev ou Me and my Michael de Amos Oz.

Começaram por se dedicar às causas sociais e ao ensino.

Foram elas que iniciaram o que hoje se chama de voluntariado. Organizaram a recepção de refugiados (não só judeus), encarregaram-se do tratamento e adopção de órfãos vindos de todos os lados.


Foram impulsionadoras das amizades bostonianas de que também já falei aqui.

São histriónicas, espaventosas, combativas (Bette Midler pode servir de paradigma)


e, entre elas, briguentas. Discutem por causa dos filhos, dos maridos, do trabalho, do cão, do gato, da roupa, do carro, do alfinete. Mas ai de quem ataque a parceira de luta.
Assisti a grandes discussões com ponto final do género “estás com cara de frio, ainda apanhas uma pneumonia, anda ali beber um chá quente.”
“ e tu tens ido ao ginecologista?”
Desconcertantes e por vezes difíceis.


Com os filhos são insuportavelmente claustrofóbicas. Woody Allen fez um genial retrato na parte que lhe coube nas Histórias de Nova Iorque.

Aliás, também nunca conheci gente com mais senso de humor que os judeus. Muitos são os livros e séries de televisão em que gozam e ironizam descaradamente consigo próprios.

Já agora, se há coisa que não me esqueço é de ter uma velha senhora judia a oferecer-me, sem motivo de celebração ou trato mais estreito e só por achar que eu tinha dom para determinada actividade, um caderno em branco com 400 páginas. Disse-me que viria confirmar o preenchimento ao fim de um ano. E veio.

Ainda hoje me lembro, em dias de maior vazio ou preguiça, do tal caderno.
E talvez me tenha também ensinado a gostar de oferecer alguns.

Por tudo aquilo que disse acima sobretudo em relação às artes e às mulheres, percebi porque árabes e judeus não se entendem. Como mulher, mesmo profissionalmente, sempre me foi fácil lidar com os segundos e difícil, quando não incompatível, a comunicação com os primeiros.

Os judeus sempre nos convidaram para as suas festas e casas, tão alegres e simpáticos como os gregos, apesar de (às vezes até divertidamente) neuróticos. E sempre, com abertura e generosidade , ensinaram tudo o que achavam que precisávamos aprender para crescer.

Aprendemos, cada um, a dificil exigência interior, pessoal. Muitas vezes à custa de dor.

Mas nunca nem num grupo nem no outro vi qualquer satisfação com guerras ou terrorismos, muito antes pelo contrário, apesar de ouvir os árabes falar dos palestinianos como, agora vou ser bruta mas realista, os portugueses falam dos ciganos. Todos os que conheci, naquele mundo tão grande e diverso, tinham medo de ser confundidos com eles.

Foi sempre em paz e sem decreto ou lei, que os árabes, judeus, indianos, cristãos acordavam substituir-se no trabalho de forma a que cada grupo pudesse celebrar as suas tradições.

Quem nos dera que as palavras pudessem substituir a violência.
O sangue derramado nunca é Arte ou Vida.

E a morte é um silêncio, para todos, irreversível.






Jazz suite nº 2 finale - dmitri schostakovich

17 comentários:

audrey disse...

há muito tempo que não me sabia
tão bem ler um


texto


como este............

COMUNGO contigo, Lizzie, INTEIRAMENTE............

(há muitos, muitos anos, tive a sorte de 'passar' por um kibutz...
e pensei que adoraria viver num... tudo se dividia, todos e todas trabalhavam, conjuntamente. Não senti "cheiro" a ódios mas antes uma comunidade comunitária que tudo dividia e, como dizes, uma alegria conjunta ao fim do dia.
não vi ódio, não...
mas os tempos também mudaram e a tv mostra sempre os males que fazem os maus da fita (neste caso, para eles, os judeus). numa guerra há sempre dois lados, duas vías e bons e maus.
confesso que sempre tive simpatia pelos judeus.
mas, sionismo não é judaismo
tal como ser cristão não é concordar com a inquisição.

A. disse...

:/

Obrigada Obrigada Obrigada Obrigada
Obrigada Obrigada Obrigada... Obrigada Obrigada...
Obrigada...











...obrigada.minha tão caríssima Eli.
amanhã...trimmmm.até já já.

beijos e beijos.
*

Lizzie disse...

Boto aqui, correndo o risco dos malditos trinta segundos, uma música do judeu soviético Shostakovich onde se nota bem a influência do folclore judaico e que foi dançada em Nova Iorque, com coreografia também inspirada nas danças tradicionais, por um conjunto de vários bailarinos de diversas companhias, nacionalidades e religiões. O cenário era de um egipsio e os figurinos de uma turca, à saída insultados.
O espéctaculo, também de música e ópera, foi em intenção da paz.

Já volto.

Arábica disse...

Querida Lizzie,


mas a guerra, o ódio e a intolerância nunca foram praticados entre as pessoas bonitas de que nos falas...

Está acima delas.




E muitas delas, sofrem com as consequências, não estão de acordo, insurgem-se.


Ontem, tive a oportunidade de ouvir um deles.

Gostei muito.


Acredito que ele seja um visionário, porque acredita num futuro de paz e de partilha.

Que assim seja.


Um beijo

Alien8 disse...

Lizzie,

Gostei da tua narrativa. Traz ao de cima o que é bom, dezpreza in limine o que não é. Eu, pela minha parte, tive boas experiências com árabes. Com judeus nunca tive experiências, excepto nas artes e na cultura, nos nomes de que falas e em outros.

Calhou assim.

Mas faço inteiramente minhas as palavras da Arabica. Era isso mesmo que eu quereria dizer.

Acrescentando, (sobretudo para quem, como tu, conhece bem Espanha, e a título de exemplo), Sevilha, Córdova, Granada, o Alhambra, as universidades que floresciam na Península Ibérica quando os Cristãos se entretinham a liquidar-se mutuamente à espadeirada, a literatura, sobretudo a poesia, a arquitectura, a Matemática...

Ou seja, todos os povos têm qualidades e defeitos, características próprias, de que podemos ou não gostar.

Dizer que os judeus é que são bons e superiores aos árabes é coisa com que de todo não concordo. Nem com a inversa, obviamente.

Um abraço.

Alien8 disse...

E, Lizzie,

Esqueci-me de dizer que estou inteiramente de acordo com a tua conclusão. Como não poderia estar?

Até nas palavras é certeira.

P.S.: No post anterior deixei a pedida explicação dos óculos de ver ao perto.

Lizzie disse...

Audrey:

tens toda a razão: em todos existe o bom e o mau. Infelizmente os media mostram mais um lado mau do que o outro e esquecem-se de mostrar o lado bom dos dois.
Gostava que mostrassem que em Israel há convivência (muitos palestinianos trabalham lá, até há casamentos mistos) e cosmopolitismo e não só guerra.E que, por exemplo, Telavive faz lembrar uma mistura entre Barcelona ou Madrid (sobretudo pela pluralidade da vida nocturna) e Nova Iorque, onde, em cada esquina, se ouvem várias línguas.

Há um dito catalão que se podia aplicar ali:
así son los catalanes,
de las piedras hacen panes.

Respondendo ao de baixo, pois que já não sei se a minha cidade é Lisboa, Madrid ou qualquer outro sítio onde esteja a geografia dos meus afectos.

Lizzie disse...

Passarinho:

Com todo o gosto
Com todo o prazer
Com toda a lembrança
Com todo o afecto
Com todo o respeito

Como se fosse um caderno de 400 páginas mas sem data marcada:)

Abraço gigantíssimo.

Lizzie disse...

Arábica:

lamento não ser assim tão imediatamente visionária. A minha unica crença é na educação e na escola que ensine todos a distinguir o trigo do joio. Que desenvolva o espirito aberto e critico e o respeito.Em que se perceba que não é pondo bombas à cintura que se constrói alguma coisa. O outro lado também não gosta de explodir.

As ervas daninhas dos dois lados não fazem a floresta.
Em terra calma tão longe dos conflitos, vi provocações e actos de delinquência que nunca me passaram pela cabeça. Gostava de os apagar da memória, mas não consigo. Preferiria lembrar-me só de alguns virem, por pertencerem ao mesmo grupo, sei lá,religioso, pedir desculpa pelos actos praticados pelos outros. E os árabes repudiavam tanto esses actos como os judeus e nós. Às vezes ainda com mais vigor.

E olha que o Amos Oz já ganhou um prémio, ou mais,em Israel. E lendo os jornais, os artigos de opinião, lê-se de tudo. Pelo menos foi isso que vi há uns anos.

Talvez um dia percebam que a água chega para todos.

Besos

Lizzie disse...

Alien:
tu nem imaginas o que eu me ri e continuo a rir!
Vou ver se ponho umas almofadas na cadeira para ter uma visão em plano superior ao ecran.:))

Aqui só falo da minha experiência lá e por, infelizmente, muita gente com quem falo no dia a dia ter uma visão errada dos judeus, por os confundir com seitas judaicas, por ainda ter culturalmente a imagem que lhes veio da propaganda católica desde os tempos da inquisição. Os judeus não prestam e ponto final.

Em algumas artes,sobretudo na dança, é de facto difícil coordenar culturas.
Mesmo os mais diferenciados têm dificuldade em aceitar a liberdade sexual e de escolha das mulheres, a sua autonomia, em aceitar os gays.E aqui é que o caldo se entornava mais. Conheci um ensaiador turco, bom profissional, mas não olhava nos olhos alguns bailarinos e de não dizia TU tens que isto ou aquilo, era mais Tem que ser feito assim ou assado. E outras coisas. Nós mulheres sentíamos um certo desprezo, uma certa reserva mental. Não havia uma comunicação franca e aberta nem de um lado nem do outro.Mas também não havia agressões.

Adoro música árabe e delicio-me com alguns textos, sobretudo lá para as alturas da nossa idade média.

Pela minha experiência, falo só por mim, identifico-me mais com os judeus pela simples razão que os valores e os gostos estão mais de acordo com os que me foram dados de herança. Lidei com muitos sem saber que eram. Só sabia quando eles diziam. Até trabalhavam aos sábados e comiam gambas (mas só de viveiro).:))
E aqueles bolinhos de peixe com esvas?

Abraço para a Lola e para ti

Alien8 disse...

Lizzie,

Por acaso conheces o autor do tratado? :)

Beijo da Lola.

Bom fim de semana!

Arábica disse...

Lizzie,


Não sou tão viajada quanto tu, mas das minhas infimas experiencias, com árabes, judeus, ortodoxos, muçulmanos,posso concluir, que me dou bem com todas as boas pessoas com que tenho a sorte de me cruzar.

O meu amigo Zvi (do qual nada sei há perto de 30 anos) muitas vezes, partilhando da nossa mesa, nos disse que em Israel nada era tão linear como parecia...ou como se dizia...o ortodoxo Mário, que ainda não conseguia falar sem lágrimas nos olhos, da sua terra invadida e expoliada pelos turcos, em 1974, a norte de Nycosia, muitas vezes falou da raiva cega que durante muitos anos os consumiu perante tal massacre, brutalidade e injustiça, a que o mundo fechou os olhos...Mamadou, o guia senagalês,na sua voz rouca a falar de paz e desenvolvimento, também me recorda a marcha dos povos na sua longa História...de Marrocos, talvez traga ainda em mim, a simpatia da dona da gata Esmeralda, que a meu pedido, largou o balcão do café onde servia a mais fina patisserie, para comigo procurar um Hotel de confiança mas de preço acessivel, para um dos amigos do grupo que repentinamente caía doente...

É destas pessoas simples, que sempre que rebenta uma guerra me lembro. Quase sem nome, quase sem notoriedade, mas com um grande coraçao.

É delas também o mundo que desejamos.


Um beijinho

Lizzie disse...

Alien:
suspeito que seja um tal de 8neilA,provavelmente com a aloL ao lado. Sei lá que receita oftalmológica um copo de vinho quente, a aquecer as mãos pode pode trazer...

Beijos para ti e para a Lola, ou para a Lola e para ti:)

Lizzie disse...

Arabica:
em todo o lado há bom e mau.
Umas vezes manifestam-se uns, outras vezes outros.

Com certeza que as "tuas" pessoas não participariam nos recentes acontecimentos em Madrid, na violência que é atacar e insultar pessoas inocentes,lojas,na queima de bandeiras e simbolos judaicos, nos sapatos mostrados e atirados a quem vive pacificamente e longe dos conflitos.
Se se condena a guerra, como se pode atacar a paz?
A violência já se chama "zapatazo" e só espero que em Espanha, Inglaterra,França, Alemanha não seja o novo nome do princípio de um antisemitismo que a memória curta dos povos depressa parece esquecer.

Fiquei mais triste, com medo de voltar a ver o que já vi em nome de revoltas comandadas pela emoção e, nestas coisas, a emoção é um rastilho que chega ao dinamite muito rápidamente.
E, nestes casos, os que acendem os isqueiros, irónicamente, também têm nome anónimo, como provavelmente também está escondido quem manda acender.

Besos

Arábica disse...

Lizzie,


O mundo decerto não esqueceu o que esse povo já sofreu e decerto sabe discernir entre "governo" e "povo".


Aliás o meu comentário anterior vem de encontro a essa ideia; que a Paz seja possível, Lizzie, sem isqueiros, mas com a emoção própria de quem acima de tudo quer construir a Paz entre os povos e cimentar platafomas de entendimento e cooperação...o que, sei é dificil mas não, de todo, ímposivel.


Beijos, empadas de galinha e vinho quente, pois então :)

Arábica disse...

Lá para a estação do degelo, que espero com uma certa ansia de boémia e de vôo, ainda volto a por o avental para ter o prazer de cozinhar umas ervilhas com ovos :)




Pasteis de nata, que não seja por isso, há aqui na esquina uns sucedâneos (chamam-lhes irmãos) dos outros tão desejados :)

Beijos (com pimentos)

Alien8 disse...

Lizzie,

Não, não, o nome está lá, e poderá resolver-te um sério problema. Virtualmente, já se vê :)

Beijos da Lola e meus.