Tudo começou, de forma metódica, com um rei diletante, Eduardo VII e Adolf ( umas vezes com von outras sem) Meyer, personagem de biografia confusa e variável.
Apesar das reprimendas da mãe, a sóbria e enlutada rainha Victoria, Eduardo abria os salões para, entre outras, duas grandes paixões: os desenhadores de vestimentas e as bailarinas de Ballet propriamente dito, as únicas executantes de passos, consideradas com estatuto, bons modos e formação para frequentarem a aristocracia.
Depois de muito se insinuar na corte, qual toupeira de faro apurado, o amante da fotografia Adolf foi feito barão pelo monarca. Tinham os mesmos gostos, ou quase já que o brasonado de fresco foi o primeiro homossexual assumido a tornar-se empresário com chancela da corte, fundando conjuntamente com a sua mulher Olga, uma empresa de divulgação da moda através da fotografia.
E apadrinhado por Eduardo foi parar aos Estados Unidos conhecendo Condé Nast, patrão da Vogue,
revista empenhada em libertar as mulheres do espartilho da barbuda moral puritana.
E lá apareciam as bailarinas como modelos.
Os fotógrafos e costureiros queriam ilustrar as vestes, em corpos trabalhados, com expressão corporal e facial. Além disso, eram esguias de figura, tinham o que se chama ainda hoje “bom cabide”, ou seja, pescoço alto formando com os ombros perfeita linha recta. Estou a falar do tipo clássico. As bailarinas do moderno/contemporâneo nem sempre correspondem integralmente a este padrão de elegãncia.
Estava-se no auge da divulgação democrática do teatro e, na dança, vivia-se uma revolução espiralada.
Condé não queria as vulgares modelos de pintores ou bailarinas de vaudeville, quer umas quer outras conotadas com vida vazia de interesses e cheiíssima de amores: queria mulheres de pensamento forte e decidido, que inspirassem as americanas a correr para o futuro. Com ousadia. Por outras palavras, queria mulheres que escolhessem os amantes e não que fossem apaticamente escolhidas ou moldadas.
Foi assim que Irene Castle, bailarina ligada à escola russa
fundou a primeira agência de modelos e inventou uma forma de andar própria na passerelle, muito diferente da desmanchada, equídea e tão artificial que conhecemos hoje.
À Vogue juntou-se Harper´s Bazar. Os directores, todos nacionalistas e gente ligada por afeição à dança e aos novos movimentos da arte em geral, aproveitavam as cada vez maiores tiragens, para, com proveito mútuo, publicitar e vender novos produtos e conceitos.
Muitos foram os fotógrafos europeus que correram para Nova Iorque para transformar a aparente futilidade da roupa em obra de arte. Nascia a fotografia de moda, com leis e técnicas próprias.
Anos trinta fora, Martha Graham, Doris Humphrey, Agnes de Mille foram-se tornando modelos e heroínas nacionais, apesar da crescente concorrência das actrizes e actores de cinema.


Nos anos quarenta, apesar dos esforços de Balanchine e das exuberâncias milionárias de Dior, as revistas e os fotógrafos preferiam mulheres de aparência comum. Onde é que já se viu extraordinário glamour com toda a destruição e sofrimento da guerra como fundo?
Nos anos cinquenta exaltou-se à caricatura a anatomia feminina. Queriam-se as mulheres produtoras de grandes famílias.
Nos sessenta e setenta cultivou-se o ar marcadamente urbano, noctívago, proletário, anoréctico e decadente.
Anos oitenta: mistura.
Anos noventa: ele há gente para tudo.
Entretanto na Europa a presença da dança era muito menor. Preferiam-se as modelos profissionais, as damas da aristocracia e alta burguesia.
À excepção de Espanha (ainda hoje, que eu saiba, o país que mais utiliza gente ligada à dança como modelo de moda e, ou, publicidade ), onde as carismáticas e sensuais bailaoras de flamenco abriram as portas a outros tipos de dança e, todas, foram imagem de diversos protótipos de mulheres consoante o tipo de sociedade e gosto pretendidos.



A moda nunca foi nem donzela virgem nem vazia de estratégias.
E, até hoje, sempre se foram fazendo passagens coreografadas, interpretadas e transformadas em álbuns de arte fotográfica, algumas com temática de arrepiar os cabelos a qualquer inquisitorial bispo,

a fazer estremecer qualquer patriarcal modelo de família

ou envergonhar o garbo de qualquer másculo toureiro.

Já nos fins dos anos 80 e durante os 90 começou a ser implementada uma corrente de opinião, envolvendo gente de todos os ramos incluindo escritores, estilistas, fotógrafos, bailarinos, coreógrafos e também Almodôvar e Carmen Maura, por ex. defendendo a liberdade de cada um ser como é e vestir, sem ditaduras, o que a sua própria pele, ou identificação com o seu grupo, lhe pedir. Apesar de feios, estrábicos, magros, gordos, altos, baixos, velhos ou imberbes, todos têm direito a andar vestidos. E dentro do possível, a serem felizes com o que lhes coube na genética.
(Quem coreografou, ensaiou, desenhou , fotografou e produziu não esquece a gratificação da experiência da passagem da teoria à práctica.)
Abandonou-se o autoritário termo Moda e passou-se ao mais aberto Tendência.
Porque, afinal, neste mundo, o que interessa um bom corpo, uma boa cara, um bom trapinho sem o recheio de uma grande alma lá dentro?
