sexta-feira, 14 de março de 2008

Os clubes das fadas acordadas




Os clubes de leitura femininos, como respeitável instituição, nasceram nos finais do séc. XIX, princípios do XX com a saída das mulheres para a vida pública, quando o mundo se estendeu para além das casas de família, quando as fadas do lar perderam o condão de serem invisíveis para o mundo.


Foram fundados, os primeiros, em Boston, Filadélfia e Nova Iorque, por judias, raça que entre todas as outras emigrantes em terras americanas, tinha exigência no saber ler e escrever independentemente do género. Os ricos eram obrigados a pagar contribuição para as escolas públicas dos pobres, agregadas às sinagogas. Infelizmente, para os latinos, as crianças eram meros instrumentos de trabalho braçal precoce.

Nos Estados Unidos a literatura feminina até então, tinha como doutrina exclusiva a santificada missão da esposa dedicada , devota e orientadora na arte de bem obedecer para filhos e sobretudo filhas de forma a adiar eternamente o fim do mundo.





Com o tempo a andar mais depressa, surgiram as amizades bostonianas, de que já falei, e uma nova prosa como se de safari pela selva calada dos sentimentos e desejos do comum das mulheres se tratasse. Tinham começado a olhar para fora da janela como Kate Chopin,






ou atirando-se, algumas, dela abaixo como Charlotte Perkins que teve o mau gosto de se suicidar com clorofórmio.




Começaram a ler e a trocar impressões. Fizeram pactos: eu compro este, tu aquele e depois encontramo-nos no chá e trocamos. E tornou-se numa bola de neve até que alguns lanches já tinham nome, administração e casa , forrados de livros ao som de discussões e comentários, rezam os relatos que alguns bastante inflamados.







Curiosamente, na pintura e fotografia americanas choviam as poses de mulheres a ler, tal devia ser o fascínio, também existente na Europa, de tal estranheza. Mas só isso dá para mais dez posts dado que as artes europeias também tinha essa apetência desde tempos remotos.




Os clubes tornaram-se temáticos consoante os interesses: poesia, história, arte, dança, economia, política, culinária, índios e cowboys, amores cor de rosa e azuis às pintas, pornografia,… tudo a troco de quota mensal ou convite honorário e nem a restauração dos bons costumes familiares nos anos cinquenta os fecharam, tornando-se alguns deliciosamente subversivos na ironia como os são descritos neste precioso livro em letra e design.





Alguns começaram a chamar pessoas para contarem a sua experiência. Foi assim que um dia, já com outras bebidas que não só chá, diga-se em abono da qualidade do whisky americano do Kentuky, me vi sentada com mais duas num amplo sofá pós moderno num loft com milhares de livros, em frente a muitas numa animação de pergunta- resposta, sem obrigação nem enfado de levar bocejante palestra preparada, que nenhuma de nós tinha tempo nem competência para escrever grande coisa a não ser Redacção nas suas respectivas línguas.

Mas ao menos algumas ficaram a saber que Portugal tem longa história e nunca foi uma colónia do Brasil e existem mais profissões que não só a de especialista em couves. As verdades são para se dizerem ponto final parágrafo


E, em companhia de debate, com cúmplice ou sem (e que bom que é ter cúmplice em tal acto), continua a ser bom abrir as portas para o mundo visto por outros olhos que não os exclusivos e já monótonos nossos.



Uma forma simples de, como elas, sermos assim:



Acho eu...

16 comentários:

Emma Larbos disse...

Lizzie, onde deu um fanico ao Blogger à hora em que eu andei blogando. Fartei-me de escrever comentários e nenhum ficou no seu sítio. Também tinha comentado os cemitérios e acabo de ver que o comentário morreu. Não faz mal. Felizmente que os parabéns para a Nnanna chegaram a tempo de evitar a avaria.

Sobre os clubes de leitura americanos, tem piada que ainda ontem estava vendo uma sitcom americana onde se satirizavam umas senhoras da alta sociedade, fúteis e um pouco tontas que, a pretexto de um clube de leitura, se reuniam para tomar chá, bisbilhotarem a vida dos outros e darem expressão às suas superficiais preocupações. Não tinham sequer chegado a ler o livro que se tinham proposto comentar. Parece, portanto, que o costume se mantém mas que não evoluíu no melhor sentido.
Quanto às leituras femininas na Europa. Desde pelo menos o século XIV que as mulheres da nobreza e da alta burguesia (as outras tinham de trabalhar, tal como os homens; destes também só os nobres e burgueses é que sabiam ler)eram educadas para saber ler, liam, encomendavam e mandavam copiar livros e até os ecreviam. É claro que não podiam ler qualquer coisa mas os homens também não.
A educação segundo o princípio "os homens estudam e as mulheres é melhor que sejam ignorantes" é coisa que (no que diz respeito a Portugal) vem do séc.XVII em diante.
Pena que a evolução não tenha sido linear.

Emma Larbos disse...

Errata:
"ontem deu" e não "onde deu"
"escreviam" e não "ecreviam"

Haddock disse...

antros de conspiração, diríamos.
assim como os aparentemente inocentes clubes da tupperware...
a pretexto de frivolidades e outros lavores femininos, trocavam-se "indecências" ou ideias e preparavam-se revoluções de costumes... em lume brando, mandava a prudência.
as mais apressadas, lá se afogavam no clorofórmio...

bela crónica feminina!


vénia...

Lizzie disse...

Mi Emma, aqui só falo dos clubes de leitura e não de galinheiros, que os há e bastantes e, tens razão, sobretudo em mulheres abastadas que não trabalham. Dentro ou fora deles são de uma futilidade impressionante. E cada vez estão pior.
Os outros, alguns, funcionam como autênticas bibliotecas abertas ao público. Têm aliás, consultoras nas diversas áreas.Orientam as discussões.
De qualquer forma devo confessar que a ideia de ir debater a hora marcada e por rotina (embora seja um importante modo de convívio naquele americano modelo social) me irrita um bocadinho.

"Tenho" uma coleçcão de imagens medievas de mulheres a escrever e a ler. Olho muitas vezes para elas.
Para além da beleza, acho-as muito intemporais.

E pois, é pena...

Lizzie disse...

Capitão:
foram mesmo antros de conspiração, sim senhor, nas artes como na política, pois que choveram sufragistas e divórcios. Algumas até descobriram que eram inteligentes.E houve um grupo delas que deu reviravolta de 180º na história da dança ao meter a conspiração numa universidade.

E tendes razão, algumas saíram do banho-maria e afogaram-se, mas tal coisa também era moda na época, lá como na Europa.Umas submergiam no clorofórmio, outras nos rios. Faz parte das mudanças bruscas, do temperamento bipolar ou da encenação mediática.

Continência

pentelho real disse...

Lizzie, fiquei encantada com o seu postal.não só pelo que ele nos conta, pois o assunto não me era estranho, mas também pela bonita forma visual com que é apresentado e, a última fotografia fecha-o com chave de ouro.

independentemente disso verifiquei, não só neste post, que tem a sorte de ter, maioritariamente, excelentes comentadores.

por tudo, parabéns.

Haddock disse...

lizzie, a propósito de mulheres inteligentes e muito à frente (?) do seu tempo, mas desta feita na arte da dança...


http://br.youtube.com/watch?v=4r6hTS4DxJc


de nada... (e prometemos que não mandamos mais tubagens!)

A. disse...

...Bem hajas.

*

Emma Larbos disse...

É verdade, Lizzie, entre elas és capaz de ter também uma ou outra imagem de Santa Ana tendo ao colo a Virgem Maria, à qual ensina a ler e que tem, por sua vez, no colo o Menino Jesus. É uma iconografia que se difunde sobretudo no séc.XV. Nessa altura as mães é que eram as professoras das primeiras letras dos filhos. Era uma das suas funções. A imagem da mãe criadora do corpo e do espírito é uma coisa muito bonita.

Lizzie disse...

Alteza:
os mais agradecidos agradecimentos.
E nem imagina o orgulho que tenho nas pessoas que me costumam visitar.




Curvando-vos a cabeça

Lizzie disse...

Capitão:
enfiamos no cesto dos patéticos onde já estão, salvaguardadas as devidas distãncias, a mulher do Roland Petit, Zizi Jeanmaire, e o Merce Cunningham.
Aquela, com a idade que tem, continua a dizer que tem pernas de vinte anos. Deprimente.
Este, já completamente descoordenado, dançou (?) uma peça, agarrado à barra, caindo de vez em quando.Aflitivo.
Repare que somos de opinião que a dança se entranha e nunca passa e cada corpo tem a sua forma de expressão mas,tornar a decadência física um espectáculo de circo freak, já é outra coisa. Se é que é dança.
Compreendemos e apoiamos o vosso intercalar ponto de interrogação.
Os que estão à frente no tempo não têm necessáriamente que ter a doença do protagonismo a qualquer preço.

Obrigada e continência.

(podeis mandar tubagens quando vos apetecer, por quem sois)

Lizzie disse...

Passarinho:
É tudo uma questão de sentir, mais do que pensar.
E não me comovas...:)



Afagos

Lizzie disse...

Mi Emma:
acertaste. Muitas são de facto da Stª Ana e mais muitas de senhoras aristocráticas, penso eu.
Duas delas acho deliciosas: dama na cama, a escrever, papéis espalhados, tinteiro ao lado. Acho muito contemporâneo. Onde é que eu já vi aquilo? Tinham sorte de não ter despertador.
Acho ternurenta a imagem da mãe de corpo e espírito. A Berthe Morrisot ilustra tal amplitude em quadros e desenhos, mas cá para mim, as medievais têm beleza sem fim. Quanto mais olho mais descubro. Então aquelas em que os anjos participam, curiosos, na aula...maravilhoso. Fico sempre doida para saber o simbolismo de cada desproporção, de cada elemento.

Emma Larbos disse...

Também acho, Lizzie, mas enfim, eu sou suspeita...

Graça Brites disse...

E que belíssima forma de abrir as portas para o mundo...e ele, o livro, não é só a satisfação da aprendizagem, nem apenas o prazer de conhecer o mundo e os outros. É também um objecto de enorme paixão. Tenho com os livros uma relação tão intensa que me custa sempre falar deles. Assim como aqueles sentimentos privados que guardamos nos recônditos porque se fossem contados correriam o risco de serem banalizados.
Embora ache muito interessantes esses e outros clubes de leitura, prefiro lê-los e remoê-los num universo ainda mais restrito. Enfim, gostos. Há malucos para tudo.:) E claro, adorei saber das fadas porque é sempre delicioso vir cá ver quais os pássaros que decidiste soltar.
Beijinho.
Cici

Lizzie disse...

Pois, Cici, também gosto mais de ler as folhas com mundos lá dentro sózinha ou bem acompanhada e sem obrigações de escolha. Lá no meu "santuário" tenho uma mesa incubadora onde os vou pondo em lista de espera, todos desordenados e ao monte, uma espécie de metáfora do apetite. Às vezes a curiosidade mete uma cunha ao interesse e o último a chegar é lido primeiro. Depende das gaiolas que me apetecer abrir, porque maiores ou menores todas acabam por ter pássaros. Também gosto de abrir várias ao mesmo tempo.
Acho que (se não abriste já) gostarias de soltar o Awakening da Kate Chopin. Contos com elegância.
Beijinhos