segunda-feira, 10 de março de 2008

Dos beijos, abraços , espaços, povos e danças




Vem a presente prosa, ainda, a propósito das diferenças entre os povos.

Se se distinguem pela língua e traços físicos, também se distinguem por comunicações corporais e pela definição de espaço, ou seja, pelo nível de beijoquice e pela marcação de território entre cada pessoa.

Começando pela pertença territorial, os que a defendem mais são os nórdicos e os anglosaxónicos: tendem a manter a maior distãncia possível entre eles e o semelhante, não gostando, por norma de aproximações desnecessárias nem ajuntamentos: two`s company, three´s a croud.






Na rua, por exemplo, andam depressa e, andando em sentido contrário, nunca chocam; dois num elevador, botam os olhos no chão e cada um no seu canto. Nunca se olham nos olhos.

Os latinos são o oposto, encabeçados na arte de bem chocar a toda a sela pelos espanhóis: andam devagar e em grupo, e num elevador olham-se descaradamente e podem até perguntar ao desconhecido onde compraram os sapatos ou a gravata. Nada impede uma mulher de elogiar a beleza da outra que nunca houvera visto. Mas neste aprochego de massa são batidos pelos árabes. Os africanos ficam, entre todos, a meio da tabela, à excepção dos emigrantes que por motivos económicos, utilizam o mote castelhano de onde cabem dois, cabem três e ainda sobra.





À laia de curiosidade, sejam eles quais forem, quando "fechados" mais ou menos involuntariamente, os homens tornam-se agressivos, enquanto as mulheres tendem para a conversa, nem que seja ligeira.

Dizem também os especialistas que os beijos tiveram origem na falta da varinha mágica. As mães moíam a comida e depositavam-na boca ainda desdentada dos filhos. Forma superior de afecto e cuidado. Como evoluiu para o que sempre se praticou, não sei. Talvez o Freud saiba. Talvez não. Talvez assim-assim. Não faço ideia. Pois que não sou dada a teorias, se não se importam.

E mais uma vez, os anglo-saxónicos são ávaros na coisa. Pensa-se que por causa da asséptica moral protestante e arredores. Mesmo em relação aos filhos,lá para cima, só é próprio dar-se beijos em público até aos dez anos. A partir daí, sentem-se os envolvidos embaraçados.

Entre homens nem pensar e entre mulheres chega e sobra um leve encostar das faces. Exceptuam-se os homens árabes e russos, para falar nos mais conhecidos.

Os espanhóis batem italianos e demais latinidades: beijos a toda a hora, havendo mesmo regiões de Espanha, como La Mancha, em que as mulheres nas mais diversas situações, sugam a bochecha alheia com diversos beijos, repenicados e repetidos. Ainda recentemente, tive ocasião de demonstrar tal voracidade. Quem diria, eu que em criança, fugia de duas damas gémeas na aspiração , imaginando que com tal sucção, me guardariam a cabeça, junto aos seus palatos, ou mais para o lado, tipo hamster precavido. Ainda hoje, confesso, tenho medo dessa possibilidade de desenho animado.






E é tal o culto que ainda recentemente, numa exposição de uma amiga madrilena, tinhamos local reservado para deixar "autógrafo" de beiços. Um bocadinho de folgazão baton, e lá deixámos a marca do nosso estimulo e afecto, mas sem instintos de aspirar telas.





Entre amigas de bom coração longo e provado, e em ocasiões de grande alegria ou tristeza, dá-se beijo nos lábios. Os homens ficam-se mais pelos abraços, pancadas estremecentes nas costas , beijos na face ou no pescoço. Não é raro nos toureiros, esses pretensos mostruários de virilidade.

Parece que os abraços são invenção defensiva árabe: quando se encontravam, os nómadas estreitavam-se para assim palparem a existência de arma escondida nos panejamentos. Também costumavam apertar as duas mãos livres à vista e tacto de faca ou outra contundência.

Mais uma vez, Espanha está à cabeça: os abraços, são de oferta livre e em algazarra





entre los que se quieren, como amigos, ou como conhecidos em onda de solidariedade ou empatia, em privado ou na via pública. Mesmo que não seja nessa forma aconchegada e mútua de sentir o afecto, nuestros hermanos, complementam as palavras, até para as sublinhar com contacto físico, seja mão na mão, no ombro, no braço. Sempre ouvi dizer que os espanhóis têm os olhos nas mãos.

Ficam um bocadinho acima dos italianos, nos antipodas dos do norte, com árabes, africanos e asiáticos, por ordem decrescente, no meio.

Tudo isto tem, segundo alguns, tradução na dança, sobretudo contemporãnea. Os coreógrafos latinos terão mais tendência para os afectos, com movimentos mais intensos, expressivos e narrativos. Abordam as paixões e os desgostos como uma ponte quase directa entre as emoções e o corpo.







Os outros, sobretudo germânicos e afins, são mais filosófico-analitícos, ou seja mais conceptuais, ou seja ainda, mais frios e formais. Para eles o corpo é veículo de pensamento e não de emoção.





Indo para o campo das chamadas danças de salão, compare-se, por exemplo, a elegância cheia de normas e etiquetas, da valsa, com o sangue tão quente que quase entra em ebulição, do tango. Estou a falar, claro, nas versões genuínas e não televisivas das duas.

Resta-me ainda, entre muitas outras coisas, dizer que, nos anos oitenta, uns senhores alemães, de que não me lembro os nomes, defendiam que os povos do sul, gesticulam e tocam-se mais por terem uma linguagem mais deficiente, acrescida de pouco vocabulário, resultantes da ignorância generalizada, isto é, a linguagem corporal preenche uma lacuna de sabedoria.

Seja como fôr, e como não custumo falar de mãos nos bolsos deixo-vos esta imagem





acompanhada de um abraço.

11 comentários:

Lizzie disse...

Breves esclecimentos, pelo menos os que me lembro agora, assim de repente:

do que conheço, não existem estudos de beijoquice e abracite comparadas que autonomizem Portugal. Para a estranja, fica na geografia geral da Peninsula Ibérica.

A métrica do espaço é medida, em geral, em braços e suas partes. Assim, os alemães e nórdicos falam entre si guardando a distãncia de um braço total e meio (comprido),os franceses entre o cotovelo e a mão, italianos e espanhóis, uma mão aberta. Portugueses não sei, mas acho que depende do duche diário ou não, do interlocutor.

Já agora, o povo que faz mais caretas a falar,a par, acho eu, de uma apresentadora da 2, e o que chora e ri com mais facilidade, é o judeu.

A. disse...

:)


...tantos e tantos.daqueles
bem sentidos e fortes.


**

A. disse...

...

http://i203.photobucket.com/albums/aa239/aidl/PedroIns5_edited.jpg








...é teu, Eli.

Lizzie disse...

E mais um esclarecimento:
a sétima imagem corresponde ao "Pedro e Inês" de Olga Roriz, para mim, uma das maiores senhoras da dança portuguesa, especialista em sublinhar a quente as emoções.
Na dita imagem estão "la muerta" (cruzes canhoto, salvo seja) Ana Lacerda e o "delirante" (credo) Chistian Schwarm.

Lizzie disse...

É meu, Passarinho,lindíssimo e já guardado. Obrigada.





Com a minha parte espanhola, um grande abraço, assim a levantar-te no ar.

A. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
A. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
nnannarella disse...

"tea for two" - lindo fado ajazzado. linda letra!...:)


acho que os italianos são muito mais desinibidos a beijar e a abraçar do que os espanhóis.
mas eles são muito primos, afinal...

os beijos têm a cor pálida do hélium, mesmo perfumados a incenso do cambodja.
pergunta a lady Orlando...

ainda assim, duches e duches deles!

Haddock disse...

muito completo o ensaio, lizzie!
só faltam os esquimós, com a sua estranha apetência narigal, mas deve ser a única coisa descoberta, tanto é o frio.
e lembrámo-nos agora dos canadianos, para quem qualquer acidental cotovelada pode ser interpretada como assédio sexual. ouvimos dizer... que nunca lá estivémos e temos muito cuidado com os cotovelos, cujas dores são tramadas... dizem, que também não somos dados a tê-las.
temos a dizer, porém, que apesar de acharmos piada aos nossos brandos costumes, aborrece-nos que nos falem a tocar... quem quer enfantizar o que diz que ponha um ponto de exclamação e não se agarre aos nossos braços, apre! e depois a distância com interlocutor tem um importante efeito preventivo dos vapores da eventual halitose alheia e por isso achamos civilizado....
de resto, ficamos chateados quando nos deixam de bochecha pendurada à espera do segundo e protocolar beijo...


vénia...

Lizzie disse...

Capitão:
estamos de acordo convosco: haveis imaginado a trabalheira que teriam os esquimós para dar beijos que não fossem de nariz?

Quanto às cotoveladas no Canadá, é tal coisa certa. Supomos que vem por influência dos índios da região, que em fase nupcial têm a mania de ter dança cotovelar.
Cá para estas bandas, tocar com o cotovelo é sinal de cumplicidade. Tal com o piscar de olho.

Quanto a toques estamos divididas: quando estamos com gente não ligada à dança, ficamos irritadas com a mania de nos mexerem ou de falarem em cima de nós.
Em território dançarino, pertencemos à classe dos tácteis: os bailarinos estão habituados a sentir o corpo uns dos outros e por isso é uma festa de contacto fisíco, sem conotações sexuais: o corpo é um elemento de expressão como a fala ou o olhar.

Folgamos por não terdes dores de cotovelo. Nós também achamos que não precisamos de analgésicos: dão trabalho e têm efeitos secundários.
Preferimos dormir.

Continência

Lizzie disse...

Meu Anjo, deve depender das zonas de Itália e de Espanha. Se na zona de Madrid para baixo é um corropio beijocal, lá mais para cima já é tudo mais contido.


Perfumes e perfumes