sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sei lá porquê, depois de uma reunião falada em versão habitual de coisa nenhuma e visitando os meus relaxantes e apaziguadores patos, veio-me à ideia a circunstância sempre reciclável



do anis que perfumava a divina caverna de Platão, aquela onde moravam as mulheres despidas em cenário de cor vermelha de Castela.




Senhores, deixai-me desde já confessar, antes que se note, que o considerado amável, de geometria arrumada e ilustrado Renascimento nunca foi do meu agrado, talvez por ter tal período ido ao armazém onde os Clássicos tinham sido arrumados.

Perdoai-me mas nunca me entendi, por exemplo, com a mitologia grega: nunca sei quem é filho ou pai de quem, que mães deram à luz sobrinhos, que sobrinhos chamavam irmãos aos avós e por aí fora.

Mas pronto, sei que Vénus era criação de extraordinária formosura e virada para as situações difusas de amor pulverizado, chamemos-lhe assim.


Ora no Renascimento nasceram umas terrenas em tudo filhas de Vénus, tanto que Raphael, embevecido, muito nessa qualidade divina as pintou para figurarem em galerias recatadas situadas em palácios afectos à burguesia ascendente.

Giorgionne, Tiziano, Tintoretto, entre outros de menos fama, também assíduos frequentadores de antros Olimpicos, imortalizaram por encomenda, a beleza de tais damas, sempre acompanhadas de motivos vegetais e florais como o louro ou as rosas, símbolos dos ímpetos de Afrodite.

Para realçar a beleza muitas aparecem recostadas ou semi envoltas em panejamentos do então chamado vermelho de Castela, hoje em dia utilizado como lingerie feminina de duvidosa reputação.


Estas belezas estonteantes, chamadas de cortesãs, começavam a sua aprendizagem nas artes de bem entreter no início da adolescência.

Frequentavam escolas especializadas existentes na Península Itálica – o fermento da Reforma já as proibia no Norte - onde do currículo constavam aulas de filosofia, poesia, comentário e intriga política a toda a sela, etiqueta de sedutores costumes, música, bem como a arte de bem despoletar e satisfazer os apetites carnais masculinos utilizando para esta última, entre outros engenhos de atenta psicologia utilitária, a função da dança.

Notem senhores que na altura, esta ultima modalidade não se enquadrava nos cânones sociais, nem populares

nem aristocráticos,


da arte de bailar já que os primeiros, sendo também atrevidos e profanos, se mantinham razoavelmente vestidos e os segundos cultivavam a cortês elegância nos modos.

Passando este parêntesis e continuando, as damas que figuravam no quadro de honra na aprendizagem, arranjavam simultãneos mecenas , tornando-se empresárias em nome individual de tal sucesso que outra baixela não se via nos banquetes e demais festas que não fosse prata. Nem no leito os mais raros tecidos.


Contratavam também raparigas de vasta e abrangente cultura que, utilizando-a e deslocando no sentido descendente o cérebro anatómico dos frequentadores dos salões, conseguiam extorquir segredos e intenções estratégicas na conquista dos mercados e dos poderes.

Por esse motivo, algumas e alguns, eram surpreendidos por mortes inesperadas, algumas de péssimo gosto estético, absolutamente nada dignas de um Olimpo reciclado.

Note-se que circulavam nas cidades, uma espécie de Guia Michelin para as tais tertúlias culturais mencionando a excelência da qualidade de cada menu físico e mental.

Bom, mas voltemos à tal dança recatada e seus adereços de sedução, profusamente relatados a título de conselho, quer por poetas quer por empresárias sempre em estilo metafórico, mitológico e ensinada na técnica por árabes, muitos deles diminuídos nas suas potências reprodutoras.

Deviam as damas, pois, cobrir-se de um pó branco porque a alvura da carne era sinal de terreno virgem nas tarefas mais terrenas para além de a palidez ser genética na aristocracia que se queria copiar.

A tez morena ficava para quem não era entendido na filosofia de Socrátes.

Deviam ainda, abreviando, tomar anis bem como besuntar todas as partes mais apelativas na anatomia feminina com a mesma bebida. Tal essência, além de ser considerada bebida representativa de alto estatuto económico, era também símbolo da eterna feminilidade.

Não sei se é por isso que qualquer senhora de bem ou remediada, no século em que nascemos (espero que isto não seja lido por ninguém que tenha nascido já neste século), oferecia às visitas mulheres um cálice de anis, reservando o whisky ou o brandy para os homens.

Considerava-se então que o cheiro do anis misturado com o do suor, gerava inebriantes espirais afrodisíacas nos participantes.

As danças, de corpo integralmente exposto, eram praticadas na vertical ou na horizontal, sempre em fundo negro ou vermelho (o tal de Castela) de forma a que fosse salientada a excitante brancura do corpo bem como a sua forma de exuberantes circulos.

Os movimentos eram desenhados para demonstrar o ardor do desejo feminino.

Existiam até os destinados a expor a “coelha” ( não é por acaso que tal bicho é o símbolo da revista Playboy), nome dado à “gruta divina” ou “doce caverna de Platão” como os exaltados poetas chamavam ao glorificado destino dos seus prazeres.

Embora as tertúlias cultas no corpo e no espírito tenham continuado a existir e ser celebradas e frequentadas por pintores como o caso de Picasso



e Modigliani,

também amante dos contrastes entre forma e fundo, por exemplo, as tais danças caíram em desuso, pelo menos de uma forma institucional.

Como a História, às vezes, parece dar muitas voltas, foram restauradas nos anos 60 e 70, do séc. XX, tendo estas damas renascentistas por modelo, por algumas ditas coreógrafas e bailarinas, todas aderentes ao feminismo pós moderno, como forma de reivindicar igualdade entre homens e mulheres na satisfação dos ímpetos.

Se umas contestavam , no domínio das artes plásticas, a utilização despudorada e burguesa do corpo feminino ao longo da história,


outras foram expondo e supliciando o próprio corpo, mesmo nas suas partes mais sensíveis, como protesto, em performances e happenings públicos a que, na minha opinião alarvemente, chamavam Dança.

Para elas, as tais ligadas à terra e às formigas de que falo no anterior, eram reaccionárias, vendadas, presas de e a rituais antigos.

Se com ou sem anis não sei, mas uma francesa resolveu fazer espectáculos em teatros e em cuja dança se limitava à cópula sem simulacros nem truques, com homens vários, anónimos em fila de espera na plateia, mas dispostos a participar activa e solidariamente no protesto revolucionário.

Qual mártir esvaída, vítima da histórica voracidade masculina, acabou por ser levada numa ambulãncia até ao hospital mais próximo.

Tudo isto, apoiado em teorias de filósofos que, provavelmente, nunca passaram pelo pensamento dos próprios.


Enfim...oh patinho, toma lá um bocadinho de pão que é côdea saída do meu coração. Apanha!


terça-feira, 17 de maio de 2011

Como o prometido é devido, cá segue prosa


De como o pão é filho das mulheres e das formigas


Parece que no princípio, os deuses do Norte na circunferência do Mundo e quando criaram os homens e as mulheres, as mulheres e os homens, os fizeram complementares mas sem que um fosse mais adereço ou fraco que o outro na decoração da vida.



Por isso, deram força muscular aos homens e boa visão à distância nos campos, além da capacidade de produzir sementes fecundadoras das mulheres.

Às mulheres, deram a capacidade de gerar a vida dentro delas e visão aproximada, virada para a atenção a tudo quanto é tão pequeno que nem os deuses notam a existência.



Um dia, enquanto os homens andavam na guerra com outros ou na caça, não se sabe ao certo qual a habitual circunstância, as mulheres, como sempre, andavam a vaguear com os filhos, nas redondezas do acampamento da terra que tinham escolhido naquela fase da lua ou do sol.


Também como sempre, andavam de olhos no chão porque, como toda a gente sabe, por mais filho que se seja, nunca ninguém nasceu com asas e por isso mais se gatinha que se voa.


E encontraram as formigas que, ao que consta e já naquela altura, eram seres de grande ciência e engenho, agricultores, com grandes rituais de banho e com mais respeito aos mortos e aos vencidos que alguma vez as mulheres tinham visto e apreciado nos seus guerreiros e caçadores.



E as mulheres viram que as formigas arrastavam, com grande esforço, uns pequenos grãos para as suas moradas e que deles todos comiam depois de outras formigas os transformarem em pó e que esse pó assim as alimentava mesmo quando as neves vindas do céu queimavam todo o calor da abastança dos homens.

Mais viram as mulheres, observadoras como os deuses as criaram, que as formigas não andavam com as tendas às costas e que nunca escolhiam poiso definitivo muito longe dos rios ou outras fontes de água.

Ora o Vento ( entidade muito ligada à música e à dança e de que também hei-de falar com honra), que lá pelas bandas da Inglaterra, Germânia, Escandinávia e Nativos da América do Norte, era naquele tempo também Deus completo, com os seus dias de bom humor virado à generosidade ou neura teimosa e destruidora, resolveu soprar os grãos que as formigas tinham deixado para trás, depositando-os em pequenos buracos na Terra.

Abreviando, desses grãos cresceram espigas cheias de muitos grãos que as mulheres moeram, como as formigas, até ao pó que depois amassaram e cozeram e a que todos, em várias línguas e modos, chamaram o pão nosso de cada dia.

Quando os homens voltaram dos seus afazeres distantes e distraídos das pequenas coisas que dão vida ao mundo, encontraram as mulheres a engravidar a terra com as mãos regando-as com o sangue que saía pela foz do seu ventre a cada volta da lua e a dançar uma dança com os braços a imitar as espigas de cereal em acto de amor com o vento.

E as mulheres disseram aos homens que não partiriam da terra por elas engravidada e que tal como as formigas, ali queriam casa com parança.
E que haveriam de dançar rente ao chão em cada nosso mês de Março e em cada mês de Agosto com os braços a agradecerem ao sol.

No séc. XVII, um monge inglês em viagem por território índio, além de descrever as tais danças com pormenor exaustivo, chamando-as de parábolas, viu-as como representação e presença da Virgem Maria (também ela, como a terra recebeu a semente divina e daí gerou o alimento da salvação).



Também escreveu que, para o futuro, valia mais aquele ouro que o outro que os espanhóis ratavam no sul. D. Quixote, na sua loucura acertada, disse o mesmo.

As mulheres determinaram que em cada grão estava o seu corpo e o seu espírito e que por isso o pão nunca deveria ser pisado e se, por distracção, o fosse, devia ser beijado.

E que nunca nele entraria gume e que só as mulheres o haveriam de partir e distribuir com as suas mãos. Mais tarde, quando Cristo substituiu os outros deuses, também às mulheres coube fazer o sinal da cruz por cima do pão a ser amassado.

E que quando se enterravam os mortos, no conjunto de bens que os acompanhavam, sempre devia ir um pão, colocado junto ao coração (nos índios homens porque nas mulheres é posto em cima do local sagrado que é o ventre) ou junto à cabeça (Inglaterra e Norte da Europa).

Também é por isto tudo que ainda hoje nos Nortes, Europeu e Americano, existe a coincidente tradição de as mulheres porem uns grãos de cereal no parapeito das janelas para que o vento os leve para junto dos viajantes sem rumo a quem a fome ameaça e a solidão fere.


E ainda lá para cima na Europa, se diz que quem não ganhar o pão com o suor do esforço há-de ser renegado pela mãe que o gerou e escravo de um destino que o engolirá para uma terra eterna sem luz.

Tal como uma criança não deve ser deitada nua no chão, também o pão deve ter sempre como resguardo, na terra ou na mesa, um pano, prato ou outro apetrecho protector.



Também em terras inglesas se vêem umas pedras que não são mais que mulheres más que assim foram castigadas por terem recusado oferecer pão a quem o pediu.

E ainda hoje é tradição nortenha guardar uma espiga de cereal dentro de um livro para que a sabedoria e a curiosidade cresçam sem esmorecer.


E, para abreviar, que a lista é longa, todos os países do sul e do norte, do leste e do oeste, em situação de crise ou guerra, apresentam à lenda ou à história uma mulher ligada ao pão como salvadora. Que a Padeira de Aljubarrota me desminta…

No princípio do séc. XX, também as mulheres, americanas, sobretudo, e seguidas pelas alemãs, amassaram novas formas de dança a que hoje se chama moderna.

Foram buscar inspiração a estas primeiras, de olhar e corpo afoitos virados para a criação expressiva, desprezando os bibelots dos movimentos domesticados da dança que então se praticava.
Mais lhes interessavam as forças ancestrais vindas do feminino que os artifícios das pontas e dos tutus.


Embora com interrupção nos anos 60 e 70, carregados nestas coisas de um intelectualismo hermético, tal instinto da ligação às pequenas coisas da terra que se alojam no coração e correm como movimento ainda se mantém.

Como a beleza da literatura das mulheres escandinavas que, séc. XX entrado, se resumiram em pão esforçado.

Todas tão gigantes como a formiga que arrasta a migalha e dela faz, silenciosamente, um universo.


quarta-feira, 4 de maio de 2011


estabelecimento das palavras exiladas
















...e a minha recepcionista matinal, Marie Antoinette de sua graça... longe de estar ao serviço ou ao dispôr de alguém!


Nas matinas e nas vésperas temos Don Antonio Manuel Windsor de Goya y Casals Godofredo da Cruz Dormiente Churchill da Silva IV, um vosso criado não comestível. Nunca!!!!!