do anis que perfumava a divina caverna de Platão, aquela onde moravam as mulheres despidas em cenário de cor vermelha de Castela.
Senhores, deixai-me desde já confessar, antes que se note, que o considerado amável, de geometria arrumada e ilustrado Renascimento nunca foi do meu agrado, talvez por ter tal período ido ao armazém onde os Clássicos tinham sido arrumados.
Perdoai-me mas nunca me entendi, por exemplo, com a mitologia grega: nunca sei quem é filho ou pai de quem, que mães deram à luz sobrinhos, que sobrinhos chamavam irmãos aos avós e por aí fora.
Mas pronto, sei que Vénus era criação de extraordinária formosura e virada para as situações difusas de amor pulverizado, chamemos-lhe assim.
Ora no Renascimento nasceram umas terrenas em tudo filhas de Vénus, tanto que Raphael, embevecido, muito nessa qualidade divina as pintou para figurarem em galerias recatadas situadas em palácios afectos à burguesia ascendente. Giorgionne, Tiziano, Tintoretto, entre outros de menos fama, também assíduos frequentadores de antros Olimpicos, imortalizaram por encomenda, a beleza de tais damas, sempre acompanhadas de motivos vegetais e florais como o louro ou as rosas, símbolos dos ímpetos de Afrodite.
Para realçar a beleza muitas aparecem recostadas ou semi envoltas em panejamentos do então chamado vermelho de Castela, hoje em dia utilizado como lingerie feminina de duvidosa reputação.
Estas belezas estonteantes, chamadas de cortesãs, começavam a sua aprendizagem nas artes de bem entreter no início da adolescência.
Frequentavam escolas especializadas existentes na Península Itálica – o fermento da Reforma já as proibia no Norte - onde do currículo constavam aulas de filosofia, poesia, comentário e intriga política a toda a sela, etiqueta de sedutores costumes, música, bem como a arte de bem despoletar e satisfazer os apetites carnais masculinos utilizando para esta última, entre outros engenhos de atenta psicologia utilitária, a função da dança.
Notem senhores que na altura, esta ultima modalidade não se enquadrava nos cânones sociais, nem populares nem aristocráticos,
da arte de bailar já que os primeiros, sendo também atrevidos e profanos, se mantinham razoavelmente vestidos e os segundos cultivavam a cortês elegância nos modos.
Passando este parêntesis e continuando, as damas que figuravam no quadro de honra na aprendizagem, arranjavam simultãneos mecenas , tornando-se empresárias em nome individual de tal sucesso que outra baixela não se via nos banquetes e demais festas que não fosse prata. Nem no leito os mais raros tecidos.
Contratavam também raparigas de vasta e abrangente cultura que, utilizando-a e deslocando no sentido descendente o cérebro anatómico dos frequentadores dos salões, conseguiam extorquir segredos e intenções estratégicas na conquista dos mercados e dos poderes.
Por esse motivo, algumas e alguns, eram surpreendidos por mortes inesperadas, algumas de péssimo gosto estético, absolutamente nada dignas de um Olimpo reciclado.
Note-se que circulavam nas cidades, uma espécie de Guia Michelin para as tais tertúlias culturais mencionando a excelência da qualidade de cada menu físico e mental.
Bom, mas voltemos à tal dança recatada e seus adereços de sedução, profusamente relatados a título de conselho, quer por poetas quer por empresárias sempre em estilo metafórico, mitológico e ensinada na técnica por árabes, muitos deles diminuídos nas suas potências reprodutoras.
Deviam as damas, pois, cobrir-se de um pó branco porque a alvura da carne era sinal de terreno virgem nas tarefas mais terrenas para além de a palidez ser genética na aristocracia que se queria copiar.
A tez morena ficava para quem não era entendido na filosofia de Socrátes.
Deviam ainda, abreviando, tomar anis bem como besuntar todas as partes mais apelativas na anatomia feminina com a mesma bebida. Tal essência, além de ser considerada bebida representativa de alto estatuto económico, era também símbolo da eterna feminilidade.
Não sei se é por isso que qualquer senhora de bem ou remediada, no século em que nascemos (espero que isto não seja lido por ninguém que tenha nascido já neste século), oferecia às visitas mulheres um cálice de anis, reservando o whisky ou o brandy para os homens.
Considerava-se então que o cheiro do anis misturado com o do suor, gerava inebriantes espirais afrodisíacas nos participantes.
As danças, de corpo integralmente exposto, eram praticadas na vertical ou na horizontal, sempre em fundo negro ou vermelho (o tal de Castela) de forma a que fosse salientada a excitante brancura do corpo bem como a sua forma de exuberantes circulos.
Os movimentos eram desenhados para demonstrar o ardor do desejo feminino.
Existiam até os destinados a expor a “coelha” ( não é por acaso que tal bicho é o símbolo da revista Playboy), nome dado à “gruta divina” ou “doce caverna de Platão” como os exaltados poetas chamavam ao glorificado destino dos seus prazeres.
Embora as tertúlias cultas no corpo e no espírito tenham continuado a existir e ser celebradas e frequentadas por pintores como o caso de Picasso
e Modigliani, também amante dos contrastes entre forma e fundo, por exemplo, as tais danças caíram em desuso, pelo menos de uma forma institucional.
Como a História, às vezes, parece dar muitas voltas, foram restauradas nos anos 60 e 70, do séc. XX, tendo estas damas renascentistas por modelo, por algumas ditas coreógrafas e bailarinas, todas aderentes ao feminismo pós moderno, como forma de reivindicar igualdade entre homens e mulheres na satisfação dos ímpetos.
Se umas contestavam , no domínio das artes plásticas, a utilização despudorada e burguesa do corpo feminino ao longo da história,
outras foram expondo e supliciando o próprio corpo, mesmo nas suas partes mais sensíveis, como protesto, em performances e happenings públicos a que, na minha opinião alarvemente, chamavam Dança.
Para elas, as tais ligadas à terra e às formigas de que falo no anterior, eram reaccionárias, vendadas, presas de e a rituais antigos. Se com ou sem anis não sei, mas uma francesa resolveu fazer espectáculos em teatros e em cuja dança se limitava à cópula sem simulacros nem truques, com homens vários, anónimos em fila de espera na plateia, mas dispostos a participar activa e solidariamente no protesto revolucionário.
Qual mártir esvaída, vítima da histórica voracidade masculina, acabou por ser levada numa ambulãncia até ao hospital mais próximo.
Tudo isto, apoiado em teorias de filósofos que, provavelmente, nunca passaram pelo pensamento dos próprios.
Enfim...oh patinho, toma lá um bocadinho de pão que é côdea saída do meu coração. Apanha!