Andando ainda , qual magala, a toque de caixa, resolvi, em vez de escrever comentário de resposta ao Senhor Dom Augusto, Distinto entre Mil no post de baixo, fazer este novo.



Quanto a modificações em casa, pois cá eu, nem que já esteja no leito (que tão pouco tenho gozado) a horas tardias, lembro-me de mudar o sítio de móveis, quadros e o mais que seja.
Ilusão do novo, do diferente, do variado.
Como se a mudança implicasse um novo início, embora muitas vezes não saiba de quê nem para quê.


Só o despertador, mesmo mudado de sítio, teima em gargalhar à mesma indecente hora.
Ai o grandessíssimo filho dos bons costumes que anda sempre mais depressa que os meus perversos hábitos.
E agora vamos aos artistas, ou assim mais ou menos que, às vezes, é difícil discernir o que é doutamente classificado como Arte do ofício hábil de descascar batatas em fino corte.
Mas pronto, parece-me que é destino bicudo dos Artistas que têm a Arte no peito, andar à procura de obra que os satisfaça em pleno e sem paliativo mesmo quando sofrem de desmesura na grandeza do ego.
Estou-me a lembrar de dois narcisistas puros, como Durer

e o bailarino setecentista que inventou alguns dos passos daquela parte da Dança que se chama Ballet, o gracioso Gaetano Vestris (a quem já dediquei prosa de maledicência, se bem me lembro).

E talvez essa loucura compulsiva de conseguir expressão perfeita, seja o motor que os move: cada surpresa, se forem artistas que inventem a partir do coração, leva a outra. E a surpresa sucessiva de cada descoberta, é mote de grande vício sem cura.
Até Mondrian, que era geómetra na cabeça, perseguia o milímetro certo que não perturbasse o equilíbrio da conversa entre as cores .

Assim, mesmo os para nós perfeitos Mikhail Baryshinikov e


se viam tão imperfeitos que levavam a sua ambição interior de perfeição até ao sangue, como peregrinos em chão de terra árida.
Conheceis a história do escultor que começava a obra com grande penhasco de pedra bruta e a acabava, insatisfeito, do tamanho de um caroço de azeitona?
(Esta história sempre nos serviu de refrão para a desgarrada que cantávamos, seguido do outro “diz ao roto para o nu: porque não te vestes tu?”)

E tal, chamemos-lhe necessidade, pelo menos nos que conheço, é mais virada para dentro do que para o reconhecimento exterior.

Para muitos é uma questão de honestidade na glória, mais que a visibilidade dos prémios ou distinções.
Como pessoas, são normalmente discretos. Com o corpo exposto mas a alma escondida debaixo da primeira mesa que encontrem.
Quanto à tristeza, ( nestas coisas é estado que também tem moda e aproveitamento publicitário) que tais ansiedades e ambições trazem, será coisa do temperamento ligado à história de cada um.
Quanto à tristeza, ( nestas coisas é estado que também tem moda e aproveitamento publicitário) que tais ansiedades e ambições trazem, será coisa do temperamento ligado à história de cada um.

Seja ou não considerado oficialmente artista.
Ao longo do tempo sempre houve quem ligasse, até de forma anedótica, a tristeza e a melancolia extrema ao acto criativo e pensador.
Voltaire, consta, espremia os sacos lacrimais para mostrar a sensibilidade face aos mais idiotas poemas ou traços que socialmente lhe apresentavam.
Usava-se muito na altura o derramar águas sentimentais mesmo quando o coração era granítico.
Mais tarde criou-se o mito da infelicidade, a desgraça e a loucura, serem condição indispensável para o artista ser digno de tal estatuto.
Mais tarde criou-se o mito da infelicidade, a desgraça e a loucura, serem condição indispensável para o artista ser digno de tal estatuto.


Embora tal ideia dure e seja cultivada e regada ainda nos dias de hoje,

Outros, claro, encontraram na loucura ou excentricidade (por vezes estratégicas) uma forma de se exibirem na fama e serem completamente livres de todos os compromissos.
Como um certo pintor português que conheci quando era menina e moça que, por ser artista nas suas afirmativas palavras, desprezava compradores dos seus quadros a bom preço enquanto os filhos pequenos viviam da caridade alheia.

Talvez Matisse, por exemplo, lhe tivesse dado uma colorida bengalada.

Há um sentimento que talvez seja presente em todos: a solidão. A desejada ou a que lhes cabe em sorte no baralho.
Para além das fontes inspiradoras, cada um tende a recolher-se em luta consigo.
Por mais que ame ou seja amado.

Ou nem uma coisa nem outra.
E com esta me fico sem saber também se era bem isto que queria responder mas fica assim: apressado, imperfeito, incompleto e com erros. Como sempre.
Talvez amanhã, com a cabeça mais fresca e ainda mais mal dormida mude alguma coisa. Ou quase tudo.
De resto, fico-me com a felicidade de comunicar convosco.
Sem mais e respeitosamente
Sem mais e respeitosamente

