
Ai, Tony, que pasmo monótono é o desta missão…!
Foi-me pedido o milagre de evitar que aquela ali, ainda terrena e, com certeza, nunca futura hóspede do Paraíso, escreva mais uma torrente de disparates e incongruências. Como lhe é próprio.

O ano passado, por esta altura, antes de ir de férias, a que alguns chamam de período asteriscal, soltou-se-lhe prosa de pitonisa astrológica sobre o ano agora em fase de mudança no número da contagem.

Debruçada sobre o negro teclado cujas letras brancas lhe procuram os dedos, tal é a falta de destreza sobretudo quando em estado de interrompida, previu que aquele país rectangular, aquele ali, naquela ponta ao pé do mar, ia ser grande por mor de
dar novos Universos ao Universo,

da exportação para eles de pequeno computador disléxico mas com grande nome,
que Manuel Aristóteles ou António Platão, já não me lembro, ia ser eleito,
que haveria mais empregos que empregados,
que haveriam os meninos de saber, pelo menos, o nome do primeiro rei do território, que o último, ficará para mestrado à bolonhesa, sem bater nos professores com as armas que os pais lhes dão

e sobretudo, que os mortais deixariam de mandar garrafas de Água das Pedras, pela janelas dos seus carros.
Ah, Tony, tem tanto jeito para a leitura dos astros, em que não é especialmente crente, apesar de se julgar semi Virgem e semi Balança, como para cozinhar, nem que seja em síntese, um Pudim de Abade de Priscos.
Nem o El Mandarim, Tony…nem o El Mandarim, sejam as instruções em português, em castelhano ou em inglês.
Nada se concretizou!Mas vê a minha sorte, Tony que tão bem pias, que hoje lhe disse uma entusiasta hiperactiva que sempre anda atrás de Touros e Sagitários, que lhe parecem insonsos Peixes e Caranguejos e de pouca monta Carneiros, que Saturno, o Esperançoso, no próximo ano do calendário terreno, ia apanhar o Comboio da Mudança e tomar como destino o Rectângulo À Beira Mar Plantado. E que ali iria colocar a última peça do Lego do Apeadeiro da Felicidade.
Levou a minha vigiada protegida a sua chávena de chá sem açúcar para o amplo gabinete de trabalho que vários cansaços tornam minúsculo como costuma acontecer a quem ainda vive lá em baixo, vivo e sobre a Terra,
e pensou, com ar céptico e virado à introspecção, em vários relatos de cronistas passados e em acrobacias ilusórias de protagonistas presentes com estátua e nome de avenida desejados no futuro.
Bocejou pela vigésima vez, alisou a franja ridícula, coçou a nuca, girou o pé esquerdo, confirmou que tinha o brinco, palpou o colar, revirou os olhos, franziu o sobrolho, torceu a boca, arrepiou-se, tombou da cadeira e pensou com ponto de exclamação: só um milagre!
Ligou o computador e foi assim que, em vez de Eu continuar a desfrutar as delícias deste nosso jardim com as minhas congéneres,
recebi uma espécie de sms de superior desesperado e atónito, e por iluminação interior, para lhe travar o dislate da tecla, não fosse ela, desta vez, trocar a astrologia pela santidade e começar a espalhar, como pães em regaçoglórias,
Culturas equilibradas
abastanças
amores de qualquer género
e outras grandezas pelos seus pacientes comentadores, leitores anónimos e seguidores.
Tony do canto repenicado e límpido, outro remédio não tive que perder a minha beatitude e sossego de espírito como demonstra o meu sorriso lá em cima e enviar àquele cérebro, ordem para que outros afazeres lhe fizessem esquecer o nome de Santa Lizzie Benemérita e Abrangente com que se preparava para massacrar o teclado.
Logo lhe fiz lembrar que só tem mais dois dias para resolver o que tem a resolver, praticar o que tem que praticar, antes de viagem,

antes que possa melhor interromper-se dos dias comuns do mundo.
Deixemo-la ficar só com a mão ao alto e, virada para o ecrã, desejar boas festas ou asteriscos, e que cada um consiga ser o mais parecido possível com aquilo que para si imaginou.

E que para o ano, quando voltar, espero Eu aqui das alturas, mais fresca e lúcida,
me dê descanso e paz.Pensa ela e penso Eu, meu pequeno Tony, que sejam quais forem as voltas, sejam quais forem as datas, sejam quais forem as glórias ou as misérias, o mundo nunca parou.

Nem acreditei na cigana que, na segunda feira, entre churros, me leu a sina e disse que, livrasse-me eu das invejas, hija mia, e ainda ia casar, depois de muito lutar bravamente por mim,
com um homem muito rico, cariño, alto e bonito com barba de rei, corazón, ia ser muito feliz e viver até, exactamente, aos cem anos, guapa.
Como se fosse da idade de todas as mulheres.
Infelizmente, não tenho outro remédio senão resumir-me à minha.
Porque depois de acesso o lume, me podia recostar, a ler um dos livros que trouxe.
Podia-me deitar na cama de rede, em intervalo de árvores nuas, e ficar à espera que as nuvens abandonem o céu e o deixem sózinho. Só com o sol preparatório para o inverno.
A visão é um dom aleatório e caprichoso e na segunda feira os olhos fugiram-me mais para os pés ensaiantes que para a exuberância atlética do corpo.
E passe a hora correcta para o almoço e para as notícias.
Não me apetecem espécies de discos de vinil riscados e ronfenhos de incompetência e trafulhice. Vendas da alma a baixo custo.
Não me apetecem olhares resignados ou aflitos, desamparados ou à espera.
Não me apetecem vidas inertes cheias de astenia.


À laia de preâmbulo e como toda a gente sabe, a Monroe não nasceu Marilyn, nem loira, nem rica, nem famosa, nem ajuizada, nem de pai absolutamente certo. 
Segundo testemunhos de várias famílias de acolhimento, já em criança, Norma vagueava entre a tristeza, a confusão e a fantasia desafiadora.
Por estas e por outras nunca ninguém soube quando Marilyn falava verdade ou mentira, quando inventava calculadamente tragédias e infelicidades para cativar e comover o sexo oposto ou quando acreditava piamente nas vidas que de si construía.
Fez diversas e detalhadas descrições, de uma suposta violação em criança, para justificar a sua muito precoce voracidade por homens.











