terça-feira, 30 de outubro de 2007

Sermão de Stº António às pecadoras



De como grandes pecados se tornam menores à vista de outros maiores.

Por Lizzie Antónia Vieira
Irmãs de Lisboa, tomai tento no que vos digo que é meu tempo curto e inventado que foi o kinder surpresa e a coca-cola, está Meu Menino de mais peso em meu braço já cansado de tantos séculos de carrego e afago.


Irmãs Nnanna e Lizzie, outra que não a que vos escreve, tende compostura e modos que já dias são passados e não tendes escusa para nestes preparos vos apresentardes


Vós Irmã Emma, levantai-vos de vez que os alquimistas descobriram fabricação de ouro em forma de vitamina a que chamaram de Guronsan e desculpa não tendes para não laborar em V.ofício onde me chegam novas e velhas que sois de boa práctica.



E vós, que sois hidráulica, de bom siso, arribai, que como disse Lizzie a pecadora em prosa no folheto que em baixo deste se situa, haveis de ficar pior que v. mãe em arroubos e devaneios e haveis de perder tal ar de pastora das ovelhas tresmalhadas.



E agora vos digo que males maiores não haveis como vossos, que não quer meu Senhor que andem tristes as almas, que já basta o que por outros, que não vós, tem de sujidade sido feito.

Pecado é sorrir quando se verte o sangue do inocente;

pecado é inventar armas onde não têm elas morada para assim se roubar ouro negro de morte;

pecado é nestes tempos que agora correm manter crianças sem que letra seja por elas sabida, e dar-lhes trabalhos que depressa velhas as tornam;

pecado é a traficãncia das mesmas e mulheres a soldo da prisão dos vícios da carne;

pecado é fingir-se o que não se é para divertimento dos ouvintes e gláudio próprio;

pecado é dizer ao terceiro o que não foi dito pelo segundo;

pecado é sovar preta por ser preta em comboio subterrãneo sem que por isso se seja presente a juíz, como o acontecido nas barcelonesas terras;

pecado é maltratar as criaturas de Deus, como se de obra de arte se tratasse, como aquele dito artífice que deixou à vista de todos morrer cão de fome e sede;

pecado é mais tanta coisa em género, sítio, pessoa ou animal, para servir soberbas e vontades próprias, enganando com mansa conversa os incautos não prevenidos de autúcia.



E ainda tenho tempo, irmâs, para ir ali a tasca da concorrência, em lugar chamado de S.Vicente de Fora, comer mais uns pastelinhos e caldinho verde, acompanhado de vinho da pipa, que dá alento e força, santificado que é. Vinde pois mais eu, que me foi dito pelo referido padroeiro desta singular terra que também ali se cantam amores, coisa que faz andar o mundo e me põe sorriso na face, ou não fosse eu franciscano dado às maravilhas da natureza, que ser doutor já me cansa e mais gosto de ser popular e brejeiro.


Tirai essa cara de amuo, irmã Lizzie, esta que vos escreve, que já me cansam os males que escrevestes e aproveitai folias e saúdes em tempo de repouso que tendes guerra certa, pois assim está na vil natureza dos homens.


À Vossa!

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Anda Pacheco!


Ai meu Deus, minha Nossa Senhora, valha-me Stº Antoninho de braço dado com a Nossa Senhora de Guadalupe que eu leio o relato lá no Breve Viário de Mi Emma Larbos, e me lembro da noite em que fui aos fados e em que eu e, quem ao meu lado estava, fomos chamadas de Marretas , somos lá nós de bigode farfalhudo e carecas . Nem um nó de gravata sei fazer.

Então cá afino a tecla e pigarreio para que se aclare a prosa. Cá vai, anda Pacheco!

Depois de mirar com olhos nocturnos, montada indevidamente estacionada, o Chafariz del Rey, por estreitezas subimos, quais fidalgos embuçados até antro de mesa corrida, que não há cá aquela mania inventada pelos ingleses de mesas só p´ra dois. Ali tem-se conversa aberta. A família não tem segredos.

E sai tinto e pastelhinho navegado em arroz, ai fígado desculpa lá, que isto até sabe bem.

Apagam-se as luzes, fica-se na semi obscuridade, luz que convém ao canto dos amores travessos e das dedicatórias às mães. E logo ao meu lado se comenta que o apresentador tem ar de D´Artagnan, tal é o bigode e a mosca, e mais penso eu que tal modelagem dos músculos das costas ou vem da estiva ou dos cabazes de peixe. Tanto uma coisa como outra dão fortaleza à autoridade.

Segue-se dama que compõe o xaile branco que para outras havia de servir, notámos nós na continuação da marretice. São melhores as mulheres que os homens naquela lide, têm mais Lisboa no canto , na pose e na idade com que a vida lhes esculpiu as rugas.





E até podía ser esta senhora ,que se chama Susete, mas não era, mas podia ser e dá uma ideia do quadro.
Chega um homem grávido de dez meses com cara redonda, vários fios de ouro ao pescoço com corno para afastar o mau-olhado, anéis e pulseiras sem faltar o brinco, com ditos de ruborizar a assistência e lá canta: ah boca linda gritam os pares, menos um que está atrás de mim e face a cada actuação diz para a parceira que faria muito melhor. Pareceu-me ver-lhe crescer uma crista na cabeça. A ele e a muitos outros. Homem é homem.

Faz-se intervalo, acendem-se as luzes e lá se vai a nossa beleza à luz da vela. Diz a menina que está à minha frente, bonita com ar de modelo fotográfico francês, mesmo debaixo daquela luz crua, ditosa mãe que tal filha engendrou, que parecemos os Marretas. Não há nada que nos escape, nem trajes nem feições nem trejeitos, vai tudo a direito, o que vale é que falamos baixo, se não, suspeito, o Rolex da Feira da Ladra do ouvinte ao lado, já estaria tatuado nas nossas rosadas e finórias bochechas há que séculos.

A marretice excitou-se quando uma velhina seca de carnes e de voz, canta os fados contaminados de flamenco tal era a agitação de braços e mãos como se estivesse a apanhar moscas imaginárias e tantas eram, valha-me Santo Estevão, que até já eu as via na minha vista um bocadinho turva, diga-se em abono da verdade. Viva o Porto, ouvia-se à chegada de mais um jarro de tinto acompanhado de uma estranhíssima dança de cabeça para trás e para a frente, olha lá que ainda bates no homem atrás de ti, coisa pouca comparada com o derrame do elixir da boa sorte na mesa.

Ouviu-se o Barco Negro, a Lágrima que pôs a outra Marreta a ver a Amália aos pulos na Panteão,dali não muito distante, a Travessa da Palha, um dos meus preferidos e por aí fora.
Agora tenho que sair a correr mas ainda digo quetodos valeram a pena, porque cada um faz da ilusão daquilo que é uns minutos de sonho, com Lisboa dentro, a Lisboa que se recusa a morrer, embrulhada numa mortalha de futuro sem memória de passado. Eles não sabem nada de dança e eu não sei nada das vidas que lhes torceram a voz. Sei lá que rio lhes lhes corre no sangue.


Só mais um gole para o caminho.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ela


Acendo o cigarro e de xaile traçado vou fumá-lo debaixo da branca luz do candeeiro do céu, que ali é sítio onde as da terra não lhe ofuscam o brilho. Pode dar-se ao luxo de espalhar sombras azuladas nos intervalos da folhagem, brilhante dança de fantasmas na brisa nocturna.

E lembrei-me Dela, a que tem os pensamentos viajantes, à medida do mesmo céu, água que não pára nos sonhos verdejantes.

Faz-me lembrar sempre um avião de papel lançado de e para o breu do que não conhece. Destino trágico que convida ao riso, essa secreta arma contra a tristeza e que tantas vezes a denuncia. Quase apanhada em flagrante desgosto.







Longas são as conversas ao telefone noite dentro. Duas palhaças maquilhadas de ironia e riso, que é esse o destino de quem faz o luto da vida para que não nasceu. De tudo falamos como se fossemos outras que não nós, nessa limpidez de espelho que o correr dos anos limpou. Às vezes Ela tem a crueza do descaro, tão nua que se olha. E rimo-nos. Parecemos duas damas almodovarianas, assim nos imagino, sentadas no cabeleireiro, rolos na cabeça e manicure no polimento das unhas. E daí talvez não: somos senhoras de cabelo desordenado e solto. A bem dizer.

Muito falamos de amores e desamores em fundo de universo com o futuro ao fundo, corações brancos partidos, gotosos. O Dela sempre branco, a mais completa das cores, a que sempre espera pigmento novo que lhe realce a alvura, que a preencha. Toda a gente precisa de chão por mais flutuante que goste dele e, nem Ela consegue viver em permanente suspensão. Digo eu, que ando sempre com os pés sujos de terra.




Às tantas diz-me: vou fumar mais um cigarro e depois desligo e ainda tardará para que eu lhe pergunte se o cigarro tem vinte metros. E mais gargalhadas afoitas com aquela sua infantilidade de vida cheia, de talento, de revolta, de nojo, de esperança. O artisticamente patético da sua personagem favorita, quem diria...


Stabat Mater Dolorosa, com voz funda e solene, numa comédia dramática. Que lhe sejam longos os actos. Tem artes de estender as histórias.

Desliga!

Até amanhã!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Os outros III


Se tu quiseres ir... e fomos. A um clube de jazz escondido numa viela, com aura programada de quase clandestinidade, como convém.
Porque eram eles, aqueles sem nome feito em festival mediático, nem em platina de c.d., e estavam como há tantos anos se nos tinham fixado na memória esforçada de estudo, como é sempre preciso que se entra em mundo novo, real, fora de livros e relatos terceiros.

E sem palavras vimos e ouvimos o que a vida lhes congelou : as vozes roucas, as pupilas negras nuns olhos sanguíneos de álcool, os corpos magros e altos.

Vieram de New Orleans, a terra onde ainda na barriga das mães já se tem a música a formar o coração. Nascem e morrem com a música. Com a música e infiltrados no seu djisas, um Jesus que não mora em teologias, Vaticanos ou catedrais: vive-lhes dentro, corre-lhes no sangue, anda-lhes ao lado como uma companhia colada à sombra. Aliás, apesar do evil, que se chamou Katrina, e os varreu dos destroços, continuam a acreditar, como acreditam num pai severo que castiga os filhos pelas más acções, embora eles não saibam que as praticaram. Alguma coisa deve ter sido. Djisas is always just and right, there´s no mistake on the king´s mind, m´am !

E lá vão cantando e tocando, entre a euforia iluminada e uma dor rochosa que se sente, que me faz lembrar a dor difusa , informe e sem paradeiro em orgão fixo chamada saudade. Lembramo-nos da carta dançada, em que uma mãe chorava a distãncia de um filho para as ricas e livres terras do Mistic River.



Dança negra de corpo pelo chão, cara suja, que a dor nunca foi nem será de tronco erguido e limpa. Sobretudo para eles, que foram engendrados no trabalho dos campos de algodão, entre outros.

E lá se descalçam, como gostam de cantar na memória que têm da sua história. E também de chapéu porque aquela gente sentada nas mesas é uma massa amorfa e estrangeira sem definição de individuo. Um deles tira-o quando lhe dizem para falar connosco, agora já nos pode olhar nos olhos. Conta que um espanhol os viu e os convidou a vir à Europa. Que para eles é Paris. As outras cidades são abtracções. E vieram, porque desde que o king lhes deu o tal castigo, ficaram sem nada e não parece que mister president of u.s.a. tivesse grande vontade de ajudar aquele estado de preguiçosos, terra seca de petróleo.

Pegaram na Biblía e abriram-na ao acaso, como sempre fazem quando têm que tomar alguma decisão, fecharam os olhos e puzeram o dedo numa frase. Leram-na e interpretaram-na: Deus aconselhou-os a partir. Já anteriormente os dados, ao caírem, tinham apontado nesta direcção.

Quem nunca tinha falado ao vivo com eles espanta-se com aquela espécie de resignação, calma, sorriso pronto, por detrás da pronúncia arrastada cheia de saltos entre os agudos e graves. Parece que a voz anda doida entre a surpresa e a espera.

Pede uma Coca-Cola e lá volta cambaleante e gingão sem idade que se adivinhe para o palco, para cantar louvores e amores, uns perdidos outros acabadinhos de achar.

E diz, sem que algum espanhol ali perceba, no meio de graças a Deus e expressões que podiam ser versos de poemas oníricos, que lhes prometeram para final de viagem uma actuação em Paris, a terra onde os artistas são imunes à loucura e à morte.





E ainda tenho na cabeça, aquela confusão de acordes, parece que cada instrumento toca para seu lado, mas com uma harmonia de espantar Bach, o canto de mais um deles:

Sing alelluia, i´m walking with the King, walking with the King....to everywere i´m walking with the King....

and so on, ao Deus dará, quando não se esquecer, ou castigar

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Madrinhas:




Não sei se se lembram de nós!

Somos aquelas que não conseguíamos sair da nossa mãe e a Lizzie tirou, assim a puxar, a puxar e depois bateu-nos para abrirmos a boca e até foi bom porque já estávamos com falta de ar. A nossa mãe tem epilepsia e quando lhe dão os ataques parece a mãe Lizzie e a tia C. numa fotografia que ela tem lá, deitadas no chão com as patas para o ar. Não sabemos se nas pessoas se chamam patas porque nos parece que os humanos são muito esquisitos com o que dizem, não são como nós que ladramos e pronto. Também não sabemos se elas tomam o comprimido todos os dias que a Lizzie dá à nossa mãe. Parece-nos que não.

A Lizzie disse à tia C. que não sabia como tínhamos sido feitas e a tia C. disse à Lizzie que já tinha idade para saber. Mas nós ficámos na mesma porque ainda somos pequeninas e se calhar essa sabedoria é coisa de gente velha.

A Lizzie fez uma mistura de leite gordo, gema de ovo e Nestum de arroz para nós mamarmos no biberão porque a nossa mãe não sabia. E leváva-nos para todo o lado numa caixinha ou num saco, porque cabíamos uma em cada mão e ainda sobrava . Andámos por viagens e restaurantes e ninguém deu por nada e ainda bem porque há pessoas que não tomam banho mas acham que nós é que somos porcas, mas nunca fomos porque a Lizzie nos limpava e limpa com toalhetes, nos pôe remédio assassino para as pugas e demais bichos que ainda cheiram pior que os perfumes dela, da tia C., da tia Mar, da tia L. e do tio J.

E um dia a Lizzie levou-nos para Espanha e enquanto foi comprar tabaco os tios deram-nos banho, o que foi horrível e mais pior foi aquela máquina de vento quente mais o pente com que a tia Mar nos penteou, porque pensa que toda a gente é modelo de vez enquando como ela. Mas depois ficámos a dormir enroladinhas em cima do peito deles e descobrimos que os humanos são esquisitos porque o tio J. tem quase tanto pelo no peito como nós e se não tosquiasse a cara também tinha assim umas barbas, e a Lizzie e as minhas tias não têm pelos no peito mas têm almofadas para a gente encostar a cabeça.
E também cada um pensa a sua coisa porque a Lizzie disse que só podíamos comer a nossa comida mas, às escondidas a tia C. dava-nos pollo como ela diz, porque a Lizzie cá diz frango, a tia Mar pão com manteiga, o tio J. peixe . A tia L. foi má porque não nos deu um dos seus 300 chocolates. A gente não percebe porque é que têm tantos nomes para a mesma coisa. É uma grande confusão.

Também têm conversas esquisitas e não gostam que a gente lhes coma os papéis brancos com umas coisas pretas que parecem as nossas esvinhas moídas. Que parvos. A Lizzie também não nos deixa roer os pincéis nem os lápis nem os sapatos que são coisas tão saborosas ao dente.

Mas no outro dia pegámos na carteira dela e numa saia e fomos enterrar nuns vasos que ela tem no jardim. Ela disse que o dinheiro não cresce das àrvores e a gente quis ver se era verdade e como a saia não tinha flores a gente quis ver se nasciam lá. Ficava mais bonita. Ela ficou muito zangada mas nós virámo-nos de barriga para o ar e abanámos o rabo e passou-lhe logo. Este nosso truque resulta sempre, eh, eh,eh. E depois à noite a Lizzie contou isto ao telefone à tia C. e a tia C. disse que nós somos tão espertas que devíamos ver a rua Sésamo.

Agora, madrinhas, brincamos muito no jardim só não podemos brincar com este

que se chama Rámon e é muito muito velho e por ser espanhol apanhado na rua nos dá bofetadas porque tem mau feitio e só gosta de estar no colo da Lizzie a falar para dentro e a fazer um barulho esquisito. Parece um motor avariado.

Se as madrinhas não se importarem peçam à Lizzie para não nos cortar os nossos pelos muito brancos e muito pretos, porque ela anda mortinha à espera que a gente faça 6 meses, e a gente não quer andar nua como a cara do tio J. parvo e se calhar ainda nos pôe espuma e aquela coisa chamada after-shave. A gente tem medo das maluquices dos humanos, porque nunca se sabe o que lhes passa pela cabeça, não são assim sempre meigos e dedicados como nós, que a gente lá vai ouvindo umas histórias, até na televisão.

Muitas lambidelas e abanos nossos.

(Não sobrou nada do almoço? Ela não vê...)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

retratos com caderno ao fundo


Lembro-me de te ter feito esta pergunta ainda não me passeavas tu pelos recantos do pensamento, de forma descontraída, a passares os dedos pela alma, a olhar o pó que o tempo nela depositou. Pó de terra inconforme como o é agora que me pedes que a pinte, a ela , à pergunta. Agora que já não é precisa voz falada para que te diga, ou me digas, que cores tem o teu rio desaguado em mim. Já te sei ler nos olhos os risos ou nas mãos os soluços quando viras as páginas nessa tua paisagem,


livro em branco onde escreves o que sempre foste em gestos imaginários, disfarçados, escondidos não vão os outros devassar-te os segredos tão ávidos que são de penetrar no que nunca hão-de perceber. Gostam de encontrar brechas, para denegrir o que não alcançam.
Mas lá temos o nosso canto em ária nocturna à torreira do sol


com sopranos, contraltos, barítonos, tenores e todas as outras tonalidades que ninguém se deu ao trabalho de classificar mas que nos alimentam a solidão dos dias parados de sonhos.




Longos são os caminhos que percorremos, tantos azuis condenados a perderem-se numa correria doida para sítios desconhecidos, ao acaso, que o futuro é uma pintura abstracta sem traço certo.
Mas fez-se o passado presente, assim num instante, sem reparo, e sem dar por isso olho para ti e já estou aninhada num calor protegido



esse calor, que são os teus sonhos de mim.

Pedes-me que te retrate e eu penso na tua beleza, na tua calma, naquele passeio onde recolhias pedrinhas que com delícia e espanto me mostravas, formas perfeitas como só o Mar pode conter naquele ventre aguado e imenso. E nesse teu sorriso infantil e distraído quase que penso, de forma leviana, e em tempo de nevoeiro nos dias, que nele deposito o meu futuro.





como se um filho, um quadro, uma viagem vadia, acabasse de nascer de mim.

( Alguns dos retratos escolhidos por Mi Mar, num dia, e em perfeito acaso, ao som do violoncelo de Benedetto Marcello, entre adagios e allegros. A poderosa amizade tem o dom de escolher os andamentos certos.)



Feliz cumpleaños cariño mío

mi "hija" más dulce, más mona, alma de mayor belleza, Mar de mis sueños, tierra de mi confianza, tablao más suave, ay qué te quiero tanto!

Recibe tú un beso de tú "madre" mamarracha e vete por jaleo hoy con la h.......de tú otra "madre" y con tú "padre" y con tús "hermanos" y con todolos otros qué te tienen en lo corazón. Somos muchos. Y tantos! Así azules para ti.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Os outros II



Este senhor não está sentado confortávelmente no mundo. Nem os óculos lhe adocicam a visão.
Chama-se Bill T. Jones e é um dos maiores e mais criativos coreógrafos e bailarinos que pelo tempo passaram e passam.

Sem grande indiscrição, posso dizer que nasceu em 1952, nos EUA. E sem ser alcoviteira também posso dizer que fundou com o seu colega e tão grande amor Arnie Zane uma companhia trans-universal de dança: Bill T Jones and Arnie Zane Dance Company, mantendo ainda, por memória e devoção, o nome do defunto, embarcado nos anos 80.




E, este senhor, tanto antes como depois de estar sózinho, sempre entendeu a Arte como um cruzamento entre a cultura e a vida de todos os dias, aquela das pessoas esquecidas pelos protagonistas da história.

E entendeu que não é de cesto mendicante na rua, que se grita contra as discriminações sociais, raciais, sexuais, religiosas. É através da escola, da escola, da escola.

Tanto repetiu que tem agora uma espécie de Universidade, onde gente de todo o mundo vai ligar a dança a todas as outras artes, que ninguém aprende fechado só numa.

Todo o seu trabalho se baseia na diversidade e , Nnanna, até chamou a Mísia até si, tão fundo lhe tocou a dor de um povo que canta o Fado, de xaile negro traçado. Não precisará de muitas lições para perceber o que seja a saudade.

De Harlem, New York parte para os continentes a dançar contra os extremismos venham eles da sede do petróleo, das febres adulteradas de Alá ou das torneiras de oiro polidas por pessoas famintas. A dor da morte e de outras perdas é igual para quem as sente de perto.


Tem bailarinos de todas as culturas e com voz calma lhes pede que interpretem o que sentem e com eles cozinha os espectáculos.

Por isso se ouvem palavras e literaturas em todas as linguas, com tradução em vídeo hall, não vão os espectadores distraír-se, ou fingir que não percebem, que a par de guerras políticas existem as pessoais, as de condomínio e até as do preço da fruta, em que todos somos peões com mais ou menos arma, ensinados por um Deus que daí lavará as suas mãos.

A última vez que o vi, ou melhor, os vi, foi no CCB, no espectáculo Blind Date. Uma metáfora redonda sobre a ausência de futuro quando não se aprende o passado, seja lá a que nível fôr.

Bem ao jeito do pregador ou político, fato e gravata, imponente e seguro ia dizendo números de guerras , catástrofes, acidentes de viação, desemprego, rematando, irónicamente, com o "praise the Lord". Algum público riu-se da figura. Outro arrepiou-se.


Nos bastidores disse que é um religioso sem fé, que vive a angústia e sente o desamparo de viver um tempo que corre muito mais depressa que ele: enquanto pensa já tudo mudou, enquanto se preocupa já tudo se resolveu sem que se perceba qual foi a raiz da decisão.
Mas tem esperança nos novos, aqueles que de um momento para o outro e sem aviso prévio metem as mãos à obra, lembrando-se e recriando tudo aquilo que os professores lhes ensinaram a descobrir,

ou seja, a ter consciência dos seus próprios movimentos. Que nunca são iguais nem se repetem.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Os outros


Andam pelas cidades, vilas e aldeias e de muitas cidades, vilas e aldeias vieram. O mundo é-lhes pequeno e nele rodam sem destino nem norte, nem língua comum que os faça irmãos de pátria.

São actores, bailarinos, músicos, mimos. Dizem-se herdeiros dos farsantes, malabaristas, jograis e saltimbancos dos mercados e feiras medievais . Ainda se sentem proíbidos e incómodos na sua forma de escancarar as chagas do mundo.

Não querem tecto que os adormeça nem chão que os ampare nem paredes que os fixem. Andam em carrinhas esforçadas nas estradas, em viagens soluçantes, a embalar filhos de todos e de nenhum, que ali não há descendência pensada .




Não falam palavra que se ouça, só se exprimem com o que o corpo permite. Caberá a este, aqui Mãe Coragem, no fim, recolher com um chapéu as moedas e notas de quem lhes reconhece o trabalho. Já vai longe o tempo em que, em Madrid, fazia parte duma importante companhia de dança. E diz a quem lhe deu aulas que está feliz, mas tem os olhos perdidos em parte incerta e foje-lhe a serenidade pelo movimento nervoso das mãos inquietas. Irão para Barcelona, para um teatro, desta vez, mas o compromisso de um público pagante de quantia certa e sentado em cadeira forrada tira-lhes a surpresa do relento. Mais valerão as praças de Berlim, passando por Paris, sem esquecer Viena,





a terra natal desta bailarina errante e a quem os tutus pesavam como chumbos na liberdade. Comentamos que tem um sorriso doce, mas esquecido de vontade.

Mais tarde, na sala, tentamos-lhes decifrar a vida, se foi de desgosto, cansaço ou opção de viagem sem cálculo, nome ou glória. E cada um opina o que de mais parecido consigo tem. A eles pouco lhes importa, já o vento do presente lhes empurrará os movimentos estrada fora, com as mesmas cores, provavelmente, com que se moveram no passado


até hoje. Por mero acaso, em Madrid, no meio de uma praça cheia de escravos do futuro.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Mantillas, mantón de Mañila,chale-xaile


Todas fazem parte do vestuário femenino espanhol e suponho que o chale corresponde ao xaile português já que ambas são palavras de origem asiática.

As mantillas botam-se por cima da cabeça. São normalmente rendadas e têm origem árabe. Encobrem os cabelos, fonte de pecado. Cabelo solto só na intimidade da camãra. Ainda hoje são obrigatórias em situações solenes sagradas ou profanas. Rivalizam as damas na beleza de tal traje, sobretudo na Semana Santa em Sevilha. Em tempos, salvo erro nos idos de XIX, as mulheres de Madrid, saíram à rua em poderosa manifestação de mantilla emproada como protesto contra a introdução de chapéus e outras modernices. Esta que aqui vos escreve já teve que usar uma e ficou com maior cara de parva que aquelas senhoras ali em cima.

Aqui temos o mantón de Mañila. Reza a lenda que foi inventado pelas operárias das fábricas de tabaco em Sevilha. As folhas de tabaco vinham das Filipinas embrulhadas em panos chineses velhos, muito ornamentados e de forma quadrangular. As coitadas cortavam-nos e descobriram que davam jeito : colocados em triângulo sobre os ombros deixavam os braços livres e protegiam do frio. Práticos mesmo para saída rápida à rua.

Com o tempo desenvolveu-se basta arte artesanal em bordados e franjas, primeiro com motivos asiáticos depois com florais eupopeus. E os do dia a dia e os de ir a festas e missas. Diz a lenda que consoante o estado de espírito e apetite amoroso assim se usam cores, flores e ramagens: rosa-segredo-paixão de Cristo, margaridas-impaciência, lírio-pureza intacta, girassol-fidelidade e assim de repente não me lembro de mais nenhuma.
Ainda hoje são pendurados como enfeites nas varandas à passagem das procissões.

Falta o simplesmente mantón, mais conhecido por chale e xaile.
Parece que também veio da China. Em centenas a.c. já as chinesas da alta sociedade os usavam. Portugueses e espanhóis nas suas andanças trouxeram o conceito para a Europa. É curioso que no séc XIX era quase obrigatório nas ruas e salões de Boston e Califórnia.
Foi rápidamente de uso comum pelas mulheres de todas as classes sociais e cada região adoptou os tecidos que melhor convinham ao fim e temperatura.
São mais ou menos longos e pouco ou nada espaventosos em ornamento.

No flamenco são essenciais e a forma de os colocar e de os movimentar é uma linguagem complicadíssima e difícil. Em linguagem simbólica rivalizam com os leques. Podem até dar boa ou má reputação a quem os manobra. Conta-se até a história de uma cigana que de virgem demonstrou ser meretriz experiente e o pai, vingando a honra da família, ali mesmo lhe penetrou punhal no duvidoso ventre. Nunca mais dançou, La Niña de los Claveles.

Estivéssemos ainda naqueles tempos e esta moçoila estaria já a bailar para os intermédios do Purgatório. Está a oferecer, com algum recato, as suas graças ao seu amado pois que destapou um ombro mas o outro está resguardado assim como os olhos no chão. Mas na continuação da dança escancarou as portas do Inferno. Vi eu, que não nasci ontem.
Dizem os entendidos que tudo isto não passam de factos imaginários e não científicamente comprovados. Onde nascerem, a evolução.

Cá para mim é-me indiferente porque gosto dos xailes, sobretudo aqueles quentinhos de boa flanela, presos com alfinete. São acolhedores da forma dos ombros, fica-se com os braços soltos para encher caderninhos ou ler e se se juntarem os joelhos ao queixo não se importam de abraçar o feto já tão grande. Em noites frias e límpidas gosto de ir fumar um cigarro para o meu jardim e puxá-lo para cima da cabeça enquanto imagino o Fado das estrelas. E que bem que elas cantam na sua eterna voz de luz.

terça-feira, 9 de outubro de 2007



O preencher o vazio de cadernos pode começar de maneira vadia: íamos avenidas e vielas fora e lembrei-me que um banco pode ser espera, encontro, fluir das horas, refúgio. E lembrei-me daquele em Madrid. Digo-lhe que nele se sentava todos os dias uma mulher de meia-idade, aquela que fica entre o nascimento e a expectativa longa e inevitável da morte.Tinha sempre com ela uma espécie de livro . Parecia-me que escrevia uma palavra, parava, olhava ao longe,escrevia outra. Devia viver no intervalo das palavras. Talvez tivesse medo do espelho delas. Não sei. E havia aquele rapaz em Alvalade, tido como louco, que falava para um interlocutor vestido de inexistência.

Digo-lhe que para a personagem que vai criar, lhe ficaria bem um banco colorido de crepúsculo: a cor intermédia da eterna espera, da ausência que dói como ferro em brasa. E quem espera não dorme, não tem noite, só anseia.




Mais conversamos que, por vezes, a espera é prisão , fica-se preso a uma ideia estática, imutável no desejo da imagem que se criou. É corpo envolto em fios enredados de silêncios. Ficaria bem aquele canto de autor anónimo medieval, canto circular, paisagem sem norte. Voz contida.

Já agora a Escada de Jacob veio à lembrança, continuamos a falar de ideais, de como trepamos até eles, de como é penoso construí-los, e mais ainda deixá-los cair à medida que a paixão se evapora deixando o mito a nu. Desorientam-se os afectos, fogem as ilusões. Às vezes, fica o amor cimentado, dizemos nós, que não somos fatalistas.



E vamos compondo tudo passo a passo. Inventando percursos a fingir que são mentira. Música aqui, literatura ali, quadro acolá que do resto tratarão os corpos num palco pronto a ser julgado, como o são todos. E este há-de ser um onde todas as artes se amam, ponte entre universos, assim como este cipreste azul e viajante dedicado às melhoras da

Nnanna, atchim, coitadinha. Pertence a um outro caderno que começou com uma outra viagem.Nada nasce do acaso. Acho eu.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007





Acabo de chegar do reino dos pés nus. Por lá andei com a memória dos cansaços agora feita visão, espera, traço e palavra.

Passo no estúdio 1,coisa grande e farta de gente onde o flamenco se junta com o rigor do grande classicismo, pois do clássico, pensamos nós que já somos gente antiga, parte toda a fonte do que depois se há-de dançar.

E , à entrada do 2, fico de pés expostos como se terreno de mesquita se tratasse.Ali se rezam corpos doces e bruscos, espaço onde os nossos se amassaram sem que mais fermento houvese que a intenção de nobre Arte.

Agora é tempo de ensaio para uma saudade feita amor distante. Ensaia-se a solidão em corpo já gasto. A recordação da felicidade gera urgência. Ensaiam-se palavras, ajustam-se tempos, movimentos enclausurados na distãncia.




Quem do ofício sabe, lê, corrige, em qualquer sítio e posição, pautas de solfejos em que as notas são movimentos e gestos, espaços e tempos. Podem ser maestros ou aqueles que se debruçam sobre escritas medievas com segredos ocultos.



e ainda bem que nunca me deu para aí. Com a minha dislexia havia de provocar torcicolos na assistência: ficavam os bailarinos a dançar no tecto, com as luzes no chão do palco, pés ao contrário, sei lá se não lhes saíria um braço da testa nesta matemática invertida.

Mas quem sabe, vai criando poesia que nunca nenhuma nasceu criada e aqui todos são um na obra que se quer final mas sem fim, que nunca nada se repete. Nenhuma alma nem corpo tem o coração de ciência exacta.

E lá deixo as imperfeições do meu caderninho, deixo-o todo à mercê dos sorrisos complacentes de quem me conhece a escrita e os cantos aos sonhos.

Casa desarrumada de quem teve a sorte de os viver e sentir, ali, agora já de costas viradas contra o tempo.



-Ay, qué hambre tengo yo!


-nos vamos de tapas


-vale!

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Tanto tempo...,miúda!



Já não o via há ,sei lá, vinte anos. Telefona-me e convida-me para almoçar. A memória mantém a imagem intacta. Congela o tempo. E procuro-lhe a imagem numa mesa. E reconheço-o pela parecença com o Picasso. Ele tem mais experiência no decorrer da mudança:estou aqui, miúda.
E começa a falar no seu jeito utópico de olhar para o mundo.Vê-o à luz de um classicismo partido e derrotado. Diz ele, ou eu assim o ouço, que tudo se desfez, desde a beleza aos valores. Os heróis morreram em idades antigas: a dele.
Nasceu beirão há oitenta anos. Veio para Lisboa e de Lisboa partiu para Roma, inspirado na mulher dos seus sonhos, mulher com doçura escondida na fortaleza.



Queria ser pintor em terra louca e sem freio. Para ele a mais cinematográfica das terras, a da beleza mais selvagem.Onde história,barulho e futuro se tornavam vida plena.Por lá ficou até que um dia se lembrou doutra mulher, dez anos mais nova, que, espécie de padeira de Aljubarrota precoce, combatia ditaduras e afins no Alto da Ajuda. Voltou e casou e teve três filhos :um acomodado, outro louco e outra bailarina.

E tornou-se chefe durante o dia, e pintor à noite. E foi num atelier ao pé da Praça da Alegria que o conheci, levada pela filha. Atelier frequentado por sábios e doidos, todos mais ou menos adultos para a nossa parca idade. Lembro-me da confusão de ideias e vozes, enquanto nós estávamos mais interessadas no nosso ofício e no rol de namorados, cada paixão sempre mais definitiva que a anterior. E lembro-me dele a recitar poesia em altos berros e lembro-me do Cesariny me chamar a menina do mar, de um cenógrafo errante do Parque Mayer e de mais muita gente.

E de a casa dele ser generosa na liberdade com que cada um vivia. Sem medo mas com respeito.Casa onde iam todos os amigos dos filhos, da mulher, da mãe, da sogra, e só não iam os do Gato porque lhes era difícil trepar ao terceiro andar. Mesa sempre posta, riso sempre aberto. E do choque que eles tiveram com a nossa partida para a terra de todos os pecados, duas miúdas no covil imperialista, envenenadas pelo império da Coca-Cola e do hamburger, ai que ainda vinhamos de lá com intenções de Cadillac descapotável, casadas com cowboys de bota pontiaguda a fumar Marlboro e seios insuflados. Donas de rancho, rodeadas de escravos de dentes fortes. Mas não, nada disso, ou, muito pouco. Expliquei-lhe quando um dia o visitei. Espanha ? esses cabrões monárquicos? E lá se ia agitando, muito declamativo.Exuberante,a recitar Frederico Garcia Lorca.

Lá o vi hoje. Mudou-se para a Bica. Um pequeno atelier debruçado para o Tejo. A idade é-lhe mentirosa no físico. Parece menos. Mas a alma está abatida de tanto sonhar um mundo que nunca chegou. É um mundo onde os heróis são mitos derretidos como neve na água. Mas envia esperanças aos netos. Eu estou velho, miúda, um gajo fica velho quando pinta a mesma coisa duas vezes, agora os meus netos é que hão-de dar a volta a isto. Vê lá tu que o....


e deixo-o com o décimo whisky na mão, a olhar para o fundo do copo. Hei-de ir vê-lo outra vez. Hei-de-lhe pedir para levantar a alma, porque o mundo nunca foi perfeito para os que viveram nele, e sempre andou para a frente porque alguém se lembrou de sonhar, mesmo quando a humanidade submissa e infantil não merece.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Retratos


E é nas noites interrompidas, quando o tempo do relógio se faz apressado nas horas furtadas aos sonhos de dentro, que fora me surgem metáforas de segredos que guardo em formas. Simples como os amores que se guardam despojados de toda a maquilhagem da paixão.Formas como músicas ouvidas em silêncio.
Fazes-me lembrar um sapato perdido, num dia de chuva. Não sei se corrias, se choravas, se tinhas a alma encharcada em gritos ou se te rias das visões com que te cubro os dias na distância. Como um manto, dizes tu, um manto que te alimenta os cantos de alegria louca e sem sentido. Não sei. Mas, nessa tua corrida de horas breves, lá me vais empurrando para o que sempre estive longe de saber.


E tu, tens uma escada sem fim.A escada que te leva aos sonhos por sonhar e são sempre tantos e tão novos. Ou tão sem idade. Sonhos restaurados em cada encontro, de face tão nova como se acabasse de ser descoberta. Perco-te de vista nuns degraus que já flutuam no futuro, sem direcção que se adivinhe. Sei lá se é assim...mas imagino-te nos olhos um pensamento endiabrado,filho da solidão. A solidão é a mãe dos sonhadores. Aquela que corre nas veias como um fado sempre por compor. Aquele em que falta sempre o último verso,escrito para além de todos os traços.



E agora tu, alma guardada a sete chaves numa casa simples sem portas nem janelas por onde se espreite. Faço-te a radiografia duma forma pouco científica, porque a intuição não tem método nem sistema. Vem dos subterrãneos do empirismo. E, na casa, vejo-te uma nuvem azul já mal contida, a extravasar o degredo. Rompe-te o tecto, por uma ínfima brecha que não suspeitas. Esse brilho infantil nos olhos morenos que te trai. Sei lá se to recolho...sei lá se essa fuga que vejo ao cimo de ti, essa aurélula viajante para os consfins do tempo és tu. Essa música irrequieta.Alma sustentada pelos poemas escritos na água. Não sei...só sei que te vejo no cabelo solto a vontade de ser criança.


Como os traços simples, feitos por arremesso, que guardo nas noites em que me esqueço de pôr ordem nos pensamentos.

(Dedicado aos mestres en el arte de bem empurrar a toda a sela.Wellcome).