terça-feira, 31 de julho de 2007

Haverá titulo?

Gostaria de lhes mostrar a face.Não posso.Imaginem-se a partir daqui.Tanto faz.A nós,urbanos viciados no monóxido de carbono e vida corredia.





Todos os dias lhes passo pelo olhar redondo e doce,lá à beira do Tejo.

São de Herr Piet e de Ms. Jane.

Herr Piet é um ariano volumoso,com tal dilatação abdominal que parece permanentemente grávido do globo terreste.Hippie desiludido e luterano convicto,começa a beber sexta-feira às cinco da tarde e pára domingo ao meio dia.Bebedeira introspectiva e serena.Nos outros dias mantém jejum,religiosamente justificado.

Ms.Jane,assim mesmo,nem Miss nem Mrs.,porque o estado civil só a ela diz respeito,é uma inglesa da velha nobreza esquecida do campo, agora chamada de burguesia tradicional.Tem visual dos anos cinquenta,trabalha ao lado do marido e lê,ao final da tarde,os seus romances policiais em formato de pocket book.Diz contínuamente "disgusting" e "i supose".Colecciona informativos quadros do género:







São tão ordenados nas horas que passando-lhes pelos hábitos,quase não preciso de relógio.
E têm duas filhas a que chamamos Twin Towers.

Não suportam matadouros,as vacas leiteiras morrem de vida naturalmente acabada.Não entra ali o conceito de femea mecãnica.E foi com alívio que ouviram os meus espanhóis dizerem que não gostam de morte nem turística nem utilitária.

São duas as vacas da minha preferência:a "Marria" ou "Meuria" e a "Poor Girl".



A Maria é irreverente,está sempre a tentar fugir.Conhece todas as falhas da vedação.Tem um olhar travesso.De vez enquando desata em correrias doidas sem mais nem porquê.Este devia ser o sonho dela:



A Poor Girl é magra,estéril,sem gota de leite.Tem o olhar macio.Adora festas entre os cornos.Suspira e fecha os olhos.Gosta de se deitar ao sol rodeada de cães e gatos.É tratada por Herr Piet e por Ms.Jane com especial ternura e carinho.Poderia ser esta:





MAS

anda tudo triste.A especulação imobiliária descobriu-os.Que belo sítio para uma versão da Quinta da Marinha.Atropelaram-se os bons intentos.Lançam-se calúnias.Inventam-se doenças.Deita-se fogo aos fardos de palha.Fazem-se vistorias contínuas à procura de possíveis ilegalidades.Eles lá circundam como candongueiros à espera da morte certa.Herr Piet e Ms.Jane sentam-se de olhar triste no alpendre,numa luta que talvez já esteja perdida pela voracidade dos tubarões sedentos do sangue ancestral que corre naquela paz.Perto de Lisboa.

Tenho medo de um dia não as ver pastar,de assistir ao esventrar da história,de me esquecer daqueles olhos onde cabe toda a maternidade do mundo,tenho medo de não saber reconhecer a beleza de uma terra refrescada por um rio viajante olhado apenas como adereço de um condomínio onde todas as vaidades se expandem,assim de forma irreversível.Sem lágrimas nos olhos.

(nota:tudo isto é verdadeiro menos os nomes das pessoas)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Dança dos silêncios ocultos

Sr Dr.:









Esta que aqui vê,de rosto esfumado pela ausência,sou eu.Sabe que aos desencaminhados nos tempos,foge a memória da face visível.


Não sei que idade tenho,talvez a do mundo,nem como me chamo,provavelmente sou como a outra,Lizzie,Eli,EWG,Jill,Léu e mais meia dúzia de sorores tresloucadas.Também não sei de que país,que todos por onde passei em mim tiveram infiltração.

Hoje,e toda a vida, sou uma nuvem parada num céu vadio.

Aqui sou pastora de palavras,junto-as,não se tresmalhem elas pelos caminhos que são capazes de inventar.São afoitas.Mal as solto viajam por rios que eu própria não conheço.E eu, que às minhas dou parição,veja lá...


Saiba que sou branda nos costumes mas,dizem,atrevida nas ideias,que quer?Ideias reprimidas são flores que ,envergonhadas, nunca chegam a florir:ficam como casulos à espera da morte,credo cruzes canhoto.Gosto lá eu de ver alguém prisioneiro sem que tenha absorvido a culpa.






Também lhe devo dizer que encontrei pouco mundo à minha medida:ou é tudo muito grande ou muito pequeno.Talvez seja ainda muito nova ou demasiado velha que isto da idade é espiral sem medida nem norte.



Mas deixe lá que nunca deixo de ouvir o latejar do coração da terra.É tal o arfar que dela se exala,neste mundo que anda feio,que logo me levanto para ver se consigo respirar um pouco,pouquinho, do ar que se respira no universo.









Pronto,vou-me levantar que se faz tarde para o que ainda tenho que viver.



Quem quiser pode vir comigo,poderá ser livre,vestir a alma com a roupagem que melhor lhe enquadre os sonhos .Nenhum Deus ou homem lhe castigará os pensamentos,lá em cima,no farol,à beira de um qualquer mar avisado.

Com licença...